Acórdão nº 50001211520128210081 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Nona Câmara Cível, 24-06-2022

Data de Julgamento24 Junho 2022
ÓrgãoDécima Nona Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50001211520128210081
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002288454
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

19ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5000121-15.2012.8.21.0081/RS

TIPO DE AÇÃO: Esbulho / Turbação / Ameaça

RELATOR: Desembargador ANTONIO MARIA RODRIGUES DE FREITAS ISERHARD

APELANTE: ERNANDI MACHADO DOS SANTOS (RÉU)

APELADO: SUCESSÃO DE ALDÍRIO JORGE LUERCE (AUTOR)

APELADO: SUCESSÃO DE ALTAMIRA VERGARA LUERCE (AUTOR)

RELATÓRIO

ERNANDI MACHADO DOS SANTOS, réu, apela da sentença que julgou parcialmente procedente a ação de reintegração de posse e indenizatória proposta pelas Sucessões de ALTAMIRA VERGARA LUERCE e ALDÍRIO JORGE LUERCE, nos seguintes termos:

Ante o exposto, julgo PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido, com base no artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil, para o fim de reintegrar a autora na posse do bem esbulhado descrito na inicial, fixando, pois, ao réu o prazo de 30 dias para devolução voluntária, a contar do trânsito em julgado, sob pena de ser expedido mandado para a desocupação compulsória.

Diante da sucumbência recíproca, condeno a ré ao pagamento de 80% das custas processuais e de honorários advocatícios ao patrono da parte adversa, os quais fixo em R$ 1.500,00, com base no art. 85, §8º, do Código de Processo Civil. A autora arcará com o pagamento de 20% das custas processuais e de honorários advocatícios ao patrono da parte adversa, os quais fixo em R$ 500,00, com fulcro no art. 85, §8º, do Código de Processo Civil. Tais valores devem ser corrigidos monetariamente pelo IGP-M e acrescido de juros moratórios, à razão de 1% ao mês, a contar do trânsito em julgado da sentença (art. 85, §16 do CPC/15). Entretanto, suspensa a exigibilidade do pagamento das verbas sucumbenciais em razão da gratuidade judiciária deferida a ambas as partes no curso do feito.

Em suas razões recursais, requer, preliminarmente, seja realizada perícia grafodocumentoscópica no documento da fl. 41 dos autos físicos. Ainda em preliminar, alega que a sentença, no ponto em que afirmou a existência de comodato, decidiu extra petita. Afirma que não houve a notificação premonitória, necessária para caracterizar posse injusta, não podendo a ação de despejo servir de substituto à notificação premonitória. Consequentemente, não há falar em esbulho ou em constituição em mora. Defende que o abandono das terras, pelo proprietário, hoje falecido, torna justa a posse exercida pelo apelante. Sustenta que a notificação do suposto arrendatário quanto à intenção do arrendador de retomar o imóvel rural objeto do contrato de parceria agrícola, que inexiste, é norma cogente. Defende que eventual retomada do imóvel deve se restringir às áreas que efetivamente são de propriedade das apeladas. Informa que pretende usucapir 70,7331 hectares. Relata que na área reivindicada estabeleceu moradia, criou seus filhos, pagou todos os impostos inerentes à terra, que foi abandonada por Aldírio, e que a parte apelada pagou um imposto, após a prolação da sentença, para justificar a tese do comodato. Sustenta que a posse anterior não foi comprovada pelas autoras e que sempre exerceu a posse da área com animus domini. Entende que a hipótese é afeita à ação reividicatória, e que não é possível, no caso concreto, a aplicação do princípio da fungibilidade. Reporta-se ao seu depoimento prestado na ação de despejo. Aduz que a anotação "comodato", na Página 49 do Evento 3 - PROCJUDIC1 dos autos, foi feita pela parte apelada. Reitera que não adentrou nas terras por força de comodato e que elas estavam abandonadas. Informa que foi surpresa a interpretação de que se tratou de comodato, tese não alegada pelas partes. Entende demonstrada a transmutação da natureza da posse. Invoca a função social da propriedade. Reporta-se à ação de usucapião que está em trâmite, parcialmente sobre a mesma área. Com esses argumentos, pede a reforma da sentença.

Foram apresentadas contrarrazões.

Os autos vieram conclusos para julgamento.

VOTO

Cuida-se de apreciar recurso de apelação interposto pelo réu contra a sentença que julgou parcialmente procedente a ação de reintegração de posse.

De início, indefiro o pedido, formulado pelo apelante, de produção de perícia grafodocumentoscópica. A prova serviria para definir qual das partes anotou a palavra "comodato" na margem da quarta folha da fundamentação da sentença que julgou a ação de despejo em que as partes litigaram, conforme Página 49 do Evento 3 - PROCJUDIC1.

Ocorre que a prova não teria utilidade para a solução da lide, já que a natureza da posse exercida pelo réu nos imóveis discutidos pode ser elucidada por meio das demais provas constantes nos autos, cabendo ao juiz indeferir diligências inúteis, conforme parágrafo único do artigo 370 do Código de Processo Civil1.

A tese de que a sentença, ao afirmar a existência de comodato, decidiu extra petita, igualmente não merece trânsito, pois a solução da lide exige investigar a natureza da posse exercida pelo réu; se a sentença concluiu que houve permissão de um dos herdeiros do proprietário para que o demandado residisse no imóvel, nada impede que atribua à espécie a denominação jurídica correspondente, conforme definida no artigo 579 do Código Civil2.

Superadas as questões preliminares, passo à análise do mérito.

As Sucessões autoras informaram, na inicial, que são proprietárias de três frações de campo e uma chácara, situadas no Município de Arroio Grande, e que detêm a posse de uma fração de campo, situada no mesmo Município, na localidade de Capão das Pombas. Referiram que, em razão do falecimento de Aldirio, seu filho e herdeiro Antonio Feliciano Vergara Luerce, também já falecido, realizou com o réu parceria agrícola de fato, na qual Antonio forneceria os imóveis descritos e o réu faria a manutenção do local, mediante pagamento de 25% dos frutos de sua atividade, tratando-se de verdadeiro arrendamento rural, em que pese, nos autos da ação de despejo nº 081/1.10.0000769-8, tenha o juízo entendido a relação como comodato. Disseram que o réu passou a morar, com sua família, na residência principal, utilizando-se de todo o mobiliário, e que indevidamente corta árvores nativas para fazer lenha e vender, praticando subarrendamento. Sustentaram que o réu não preenche os requisitos para a usucapião. Afirmaram que o réu deve devolver à Sucessão o que não é seu, ou seja, os imóveis. Relataram que as tentativas de retomada dos imóveis de forma amigável restaram inexitosas, razão pela qual ajuizaram a presente demanda, com pedido de reintegração de posse e indenização por perdas e danos.

O réu, na contestação, afirmou que, nos autos da ação de despejo, processo nº 081/1.10.0000769-8, o juízo reconheceu que o demandado exerce a posse da área há mais de 20 anos, sem contraprestação, estando a questão acobertada pela coisa julgada. Disse não estar clandestinamente no imóvel e não ter praticado esbulho possessório. Apresentou exceção de usucapião. Pediu o julgamento de improcedência da demanda.

Sendo a ação de reintegração de posse, cabe à parte autora demonstrar a posse anterior, o esbulho praticado pelo réu, a data do esbulho e a perda da posse, nos termos do artigo 561 do Código de Processo Civil3.

Penso que restaram demonstrados os requisitos exigidos.

Anteriormente à presente ação, as autoras ajuizaram contra o ora réu ação de despejo,...

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