Acórdão nº 50001279520218210084 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Segunda Câmara Criminal, 21-03-2022

Data de Julgamento21 Março 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50001279520218210084
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoSegunda Câmara Criminal

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001899421
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

2ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Criminal Nº 5000127-95.2021.8.21.0084/RS

TIPO DE AÇÃO: Decorrente de violência doméstica (art. 129, §§ 9º e 11)

RELATORA: Desembargadora ROSAURA MARQUES BORBA

APELANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

APELADO: SEGREDO DE JUSTIÇA

RELATÓRIO

O Ministério Público denunciou LUCAS CORREA BECKER, como incurso nas sanções do artigo 147 caput, combinado com o artigo 61, inciso II, alínea f, ambos do Código Penal, observadas as disposições da Lei n.º 11.340/06 (1º fato); do artigo 129, §9º, do Código Penal, observadas as disposições da Lei n.º 11.340/06 (2º fato); e nas sanções do artigo 24-A da Lei n.º 11.340/2006 (3º fato), pela prática dos seguintes fatos delituosos:

1º FATO:

No dia 07 de dezembro de 2020, por volta das 21 horas, na Rua Ramão Fermino Lima, n.º 176, em Minas do Leão/RS, o denunciado LUCAS CORRÊA BECKER ameaçou causar mal injusto e grave a vítima Jusinara de Moura Lopes, sua ex-companheira, no contexto da violência doméstica e familiar contra a mulher.”

2º FATO:

Nas mesmas circunstâncias de tempo e local do fato acima, o denunciado LUCAS CORRÊA BECKER ofendeu a integridade corporal da vítima Jusinara de Moura Lopes, sua ex-companheira, no contexto da violência doméstica e familiar contra a mulher.”

3º FATO:

Nas mesmas circunstâncias de tempo e local dos fatos acima, o denunciado LUCAS CORRÊA BECKER descumpriu decisão judicial que deferiu medidas protetivas de urgência previstas na Lei 11.340/2006.”

CIRCUNSTÂNCIAS COMUNS:

Na ocasião, o denunciado LUCAS CORRÊA BECKER, adentrou na residência da vítima e, com o intuito de causar-lhe temor, disse que iria matá-la. Ato contínuo, arremessou uma garrafa de bebida em Jusinara e, com o uso de uma faca (não apreendida), agrediu-a.”

Das agressões, a vítima resultou com “corte perfuro cortante no antebraço direito, na face posterior de 5 cm. Escoriação na mão esquerda com 6 cm. Escoriação com hematoma no cotovelo esquerdo”, - conforme ficha de atendimento ambulatorial da fl. 07.”

Quando da prática dos 1º e 2º fatos, o denunciado, mesmo intimado da decisão que concedeu medidas protetivas (Evento 4 – Medida de Proteção n.º 084/2.20.0000717-0), aproximou-se da vítima em distância inferior a 100 metros e manteve contato com ela, ameaçando-a e agredindo-a, descumprindo, assim, a ordem de afastamento.”

A denúncia foi recebida em 02/02/2021 (Evento 03 dos autos da origem).

Citado, o réu apresentou resposta à acusação (Evento 12 dos autos da origem).

Realizada a audiência de instrução, foram ouvidas a vítima, uma testemunha e interrogado o réu (Evento 110 dos autos da origem).

As partes apresentaram memoriais escritos aos Eventos 126 e 129 dos autos da origem.

Sobreveio sentença, em 27 de agosto de 2021 (Evento 133 dos autos da origem), julgando procedente a ação penal para condenar o acusado como incurso nas sanções do artigo 147 (1º fato), c/c com o artigo 61, inciso II, letra “f”, do artigo 129, §9º (2º fato), ambos do Código Penal e na forma da Lei nº 11.340/06 e nas penas do artigo 24-A da Lei n.º 11.340/2006 (3º fato), todos combinados com o artigo 69 do Código Penal, à pena de 12 (doze) meses de detenção, em regime aberto, mais R$ 500,00 (quinhentos reais), a título de indenização por danos morais.

Inconformada, a defesa interpôs recurso de apelação (Evento 145 dos autos da origem. Em suas razões (Evento 157 dos autos da origem) alega, preliminarmente, a nulidade por ausência de oferecimento de suspensão condicional do processo e de transação penal, quanto ao delito do art. 24-A, da Lei n.º 11.340/2006, bem como a nulidade por violação ao princípio acusatório e ao art. 212 do CPP. No mérito, sustenta a insuficiência probatória. Argui a ausência de demonstração que a vítima, de fato, tenha se sentido ameaçada pelo acusado. Salienta que a Ficha de Atendimento Ambulatorial não é suficiente para demonstrar a materialidade delitiva. Subsidiariamente, pugna pela aplicação do princípio da consunção, do reconhecimento de crime único e do concurso formal. Requer, ainda, o redimensionamento da pena-base e o afastamento da agravante prevista no art. 61, inciso II, alínea "f", do CP. Por derradeiro, pede o afastamento da verba indenizatória.

Contrarrazões pelo Parquet (Evento 160 dos autos da origem).

Nesta instância, emitindo parecer, a Procuradoria de Justiça manifesta-se pelo improvimento do apelo defensivo (Evento 08).

Vieram os autos conclusos.

É o relatório.

VOTO

Cuida-se de apelação interposta contra sentença proferida pela Vara Judicial da Comarca de Butiá, que julgou procedente a ação penal para condenar o o acusado como incurso nas sanções do artigo 147 (1º fato), c/c com o artigo 61, inciso II, letra “f”, do artigo 129, §9º (2º fato), ambos do Código Penal e na forma da Lei nº 11.340/06 e nas penas do artigo 24-A da Lei n.º 11.340/2006 (3º fato), todos combinados com o artigo 69 do Código Penal, à pena de 12 (doze) meses de detenção, em regime aberto, mais R$ 500,00 (quinhentos reais), a título de indenização por danos morais.

Em sendo arguidas preliminares, passo ao exame destas.

A defesa alega nulidade absoluta por ausência do membro do Ministério Público na audiência de instrução e julgamento. Sem razão, entretanto.

Isso porque não há nulidade na ausência do agente ministerial à audiência referida, considerando que este foi devidamente intimado para o ato, tendo sido oportunizada sua intervenção. Nesta hipótese, estando o acusado devidamente assistido por defesa técnica, a ausência do órgão acusatório demanda a comprovação de prejuízo, o que não restou demonstrado nos autos.

No mais, no que toca à prefacial de ausência de oferecimento de propostas de transação penal e de suspensão condicional do processo pelo delito previsto no artigo 24-A da Lei 11.340/06, entendo por afastá-la, visto que o artigo 41 da Lei n.º 10.340/2006 veda, expressamente, a aplicação do regramento instituído na Lei nº 9.099/95 às infrações praticadas com violência doméstica e familiar contra a mulher. Nesse sentido é a jurisprudência deste Tribunal de Justiça:

APELAÇÃO. INJÚRIA RACIAL. LESÃO CORPORAL. DESCUMPRIMENTO DE MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA. ÂMBITO DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER. LEI Nº 9.099/95. INAPLICABILIDADE. INFRAÇÕES COMPROVADAS. CONDENAÇÃO MANTIDA. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DA LIBERDADE POR RESTRITIVA DE DIREITOS. A inviabilidade da oferta de transação penal ou de suspensão condicional do processo, em se tratando de crime envolvendo violência doméstica e familiar, resulta da regra contida no art. 41 da Lei nº 10.340/2006, cuja constitucionalidade foi afirmada pelo Supremo Tribunal Federal. Tratando-se de crime envolvendo violência doméstica e familiar, assume especial relevo a palavra da ofendida, em razão de tais infrações serem comumente praticadas na esfera da convivência íntima e em situação de vulnerabilidade, sem que sejam presenciadas por outras pessoas ou por pessoas das relações dos envolvidos no evento, mormente se confortada por outros elementos de provas. Mostrando-se induvidoso o propósito do réu de ofender dignidade e decoro da ofendida, chamando-a de “nega macaca”, resulta caracterizada a injúria e evidenciado o elemento cor a qualificá-la. Caso em que o quanto afirmado pela ofendida vem confortado pelas fotografias, pela certidão e intimação do acusado quanto à vigência de medidas protetivas e pelo auto de exame de corpo de delito, onde consignadas lesões compatíveis com a agressão atribuída ao acusado. Não obstante possível, mesmo em se tratando de crime envolvendo violência doméstica e familiar contra a mulher, a substituição da sanção carcerária por restritiva de direitos, na hipótese vertente, tal providência revela-se mais gravosa do que o sursis especial com que foi agraciado o réu, não podendo prosperar o pleito deduzido pelo defensor em prejuízo do denunciado. Condenação mantida. Ausente amparo legal para a pretendida isenção da pena de multa. APELAÇÃO DESPROVIDA.(Apelação Crime, Nº 70080894298, Primeira Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Honório Gonçalves da Silva Neto, Julgado em: 24-04-2019) - grifei.

APELAÇÃO CRIME. DELITOS DE LESÃO CORPORAL EM CONTEXTO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. PRELIMINAR DE NULIDADE PROCESSUAL AFASTADA. INAPLICABILIDADE DO RITO DA LEI Nº 9.099/95, AO DELITO DE LESÃO CORPORAL. JUSTIFICATIVA E PRECLUSÃO PRO JUDICATO. A transação penal, assim como a suspensão condicional do processo é atribuição do Ministério Público, constituindo poder-dever daquele Órgão. No entanto, no caso, o não oferecimento das proposta de transação penal e suspensão condicional do processo foi suficientemente fundamentada pelo Parquet, não estando presente requisito subjetivo previsto no art. 76, § 2º, III, da Lei 9.099/95. Insurgência que deveria ter sido trazida pela Defesa na primeira oportunidade de manifestação nos autos, operando-se a preclusão pro judicato. INSUFICIÊNCIA PROBATÓRIA AFASTADA. Autoria. Versão declinada em juízo que guarda compatibilidade com o depoimento prestado por testemunha e vítima, no sentido de que o ex-companheiro, ora réu, lhe agrediu com chutes e socos. Negativa do réu fragilizada ante o conteúdo probatório. Afastadas as teses defensivas de atipicidade e desnecessidade de sanção penal. Súmulas 542 e 589 do STJ. VIOLÊNCIA DE GÊNERO. A incidência da Lei 11.340/06 depende de a violência ser praticada por pessoa do gênero. O intuito da mencionada legislação é justamente proteger e criar mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher em situação de vulnerabilidade. No caso dos autos há indicativos concretos de que o delito praticado guarda relação com questão de gênero, sobretudo diante da relação mantida entre eles...

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