Acórdão nº 50001504620138210076 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Sétima Câmara Cível, 27-01-2022

Data de Julgamento27 Janeiro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50001504620138210076
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoDécima Sétima Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001499908
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

17ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5000150-46.2013.8.21.0076/RS

TIPO DE AÇÃO: Usucapião Ordinária

RELATOR: Desembargador GIOVANNI CONTI

APELANTE: EDINARA ANTONELLO DA ROSA (RÉU)

APELANTE: MARCIA FABIANE CAVALHEIRO MARTINS (RÉU)

APELANTE: MAURICIO FERNANDO MEIRELLES HOLANDA (RÉU)

APELANTE: PAULO ROBERTO CAVALHEIRO MARTINS (RÉU)

APELANTE: ROBERTO DA SILVA MARTINS (RÉU)

APELANTE: TEREZINHA DE LOA CAVALHEIRO MARTINS (RÉU)

APELADO: FABIO CASARIN (AUTOR)

APELADO: IRES GIURIATTI CASARIN (AUTOR)

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação interposto por EDINARA ANTONELLO DA ROSA E OUTROS, contrário à sentença de procedência proferida na Ação de Usucapião movida por FABIO CASARIN E IRES CASARIN.

Eis o relatório da sentença:

"Fábio Casarin e Ires Guiratti Casarin, qualificado nos autos, ajuizaram ação de usucapião ao argumento de que houve um desmembramento do imóvel de matrícula 482 que não correspondeu à área de fato, tendo restado uma sobra de terreno que veio a ser ocupado pelos autores por mais de 35 anos. Observaram que nesse local está situada a imobiliária Casarin, conforme descrição contida na inicial. Sustentaram a existência de justo título e boa-fé. Defenderam já terem cumprido o prazo aquisitivo para implementação do usucapião. Pediram a procedência da ação para declarar a aquisição originária da propriedade do bem imóvel mencionado. Requereram a concessão da AJG. Juntaram documentos.

Concedida a gratuidade, foram citados os confinantes. Roberto da Silva Martins e Teresinha de Loa Cavalheiro Martins contestaram e sustentaram terem adquirido o imóvel registrado da autora que agora pretende reavê-lo através da presente demanda. Argumentaram que os documentos trazidos com a inicial não comprovam a efetiva posse de parte do imóvel. Referiram que o imóvel foi locado através de contrato verbal com Vergílio e esposa. Repetem que parte do imóvel vendido pela autora está sendo buscado através da presente demanda. Arguíram a inépcia da inicial por falta de documentos necessários. Rechaçam a presença dos requisitos para declaração do usucapião. Sustentam ser proprietários do apartamento com garagem, que hoje os autores consideram sala comercial. Postularam a condenação por litigância de má-fé. Insurgiram-se contra a concessão do benefício da AJG. Requereram a improcedência da ação. Juntaram documentos.

Houve manifestação dos entes públicos (fl. 99, 100, 106).

Foi deferida AJG para os autores (fl. 107 e 121).

O Ministério Público declinou de intervir.

Foi deferida tramitação preferencial ao réu Roberto da Silva Martins.

Durante a instrução, foram ouvidas testemunhas e tomado depoimento pessoal dos autores. Sobreveio notícia do falecimento do réu, tendo sido habilitados seus herdeiros e deferida AJG.

Em memoriais, a parte autora sustentou que o pedido deve ser julgado procedente, tendo em vista o conjunto de provas carreado aos autos. Os réus, por sua vez, insistiram na improcedência por falta de requisitos legais. Defenderam que a posse dos autores é provinda de locação verbal.

Após declaração da fl. 257, vieram os autos conclusos para sentença.

É o relatório.

Passo a fundamentar".

Ato contínuo, o dispositivo assim decidiu o feito:

"Pelo exposto, julgo procedente o pedido formulado na ação de usucapião ajuizada por Fabio Casarin e Ires Giuriatti Casarin contra em desfavor de Sucessão de Roberto da Silva Martins, Teresinha de Loa Cavalheiro Martins, Marcia Fabiane Cavalheiro Martins, Mauricio Fernando Meireles Holanda, Paulo Roberto Cavalheiro Martins para o fim de declarar adquirida pela usucapião o imóvel individualizado na inicial, devendo ser oficiado, após o trânsito em julgado da presente decisão, ao Registro Imobiliário desta Comarca, para que o Oficial daquela Serventia registre o imóvel em nome dos autores, independentemente do pagamento do imposto de transmissão, por ser o usucapião modo originário de aquisição da propriedade.

Condeno a parte ré nas custas processuais e honorários advocatícios ao procurador da autora, que fixo em 10% sobre o valor atualizado da causa, com base no art. 85, §2º, do CPC, considerando-se o trabalho exigido pela demanda, restando, todavia, suspensa a exigibilidade, na forma do art. 98, §3º, do CPC, em razão do benefício da AJG que agora lhe defiro a todos.

Publique-se.

Registre-se.

Intimem-se".

Em razões recursais, os apelantes asseveraram que deve ser reformada a sentença procedente. Arguiram, em preliminar, a inépcia da inicial, dizendo que os autores pretendem usucapir parte da área que a autora Ires teria vendido anteriormente, em 21.06.2004, para Oneida Jordani Pereira, conforme matrícula n.º 11.492, do Registro de Imóveis de Tupanciretã. Afirmaram não ser crível que a promitente compradora não tenha tomado posse da área de 120,56m² do imóvel adquirido. Alegaram que a sentença é nula porque o bem objeto da demanda não está especificado, que houve confusão no desmembramento da matrícula original pertencente à autora Ires e que há impossibilidade jurídica do pedido, uma vez que a autora foi proprietária da matrícula anterior na qual estaria inserida a sobra de área ora vindicada, sendo hipótese de retificação da área da matrícula. No mérito, aduziram que o autor Fábio não ostenta tempo de posse para a declaração do domínio em seu favor, pois passou a residir em Tupanciretã no ano de 2010 e, no ano de 2017, não mais ocupava o imóvel. Sustentaram que, ao contrário do que entendeu o juízo de origem, não há sobra no imóvel que pertenceu à autora Ires, e que a área original foi regularmente desmembrada. Ponderaram que a área do terreno sobre o qual está assentado o prédio pertence integralmente ao apartamento térreo, de propriedade dos apelantes, sendo que o apartamento superior se restringe à área construída. Reiteraram que nunca existiu sobra de terreno e que a alegação nesse sentido é invenção do autor Fábio, em conluio com os compradores anteriores do imóvel. Pugnaram pelo provimento do recurso de apelação, para o fim de julgar improcedente a ação prescricional aquisitiva.

Subiram os autos a este grau de jurisdição, sendo distribuídos a minha Relatoria.

Intimada nesta instância, a parte contrária ofertou contrarrazões (evento 16).

O Ministério Público apresentou parecer final (evento 22).

Vieram conclusos para sessão de julgamento.

É o relatório.

VOTO

Eminentes Colegas.

Conheço do recurso, pois presentes os pressupostos de admissibilidade recursal.

De início, afasto as preliminares arguidas pelo apelante, no tocante à inépcia da incial, ausência de especificação do objeto e nulidade da sentença, por suposto equívoco na análise das provas.

Nesse particular, fins de evitar indesejável tautologia, tenho por adequado adotar parte das razões relacionadas pelo douto Procurador de Justiça, Dr. Armando Antônio Lotti, quando lançou o parecer (Evento 22), o qual peço vênia para transcrever e adotar, também, como fundamento de decidir:

"Ao exame da matéria devolvida nas razões recursais. Por primeiro, passo analisar as preliminares arguidas, repelindo-as. A inicial não é inepta como querem fazer crer os apelantes, uma vez que não há óbice a que o antigo proprietário registral, que se mantém na posse do imóvel por ele vendido a terceiro, postular a declaração de domínio pela prescrição aquisitiva, desde que comprovados os requisitos estabelecidos na legislação de regência. Se o comprador tomou ou não posse sobre a área ora discutida é questão de mérito a ser solvida mediante prova, o que restou demonstrado nos autos, como se verá.

Tampouco há se falar em nulidade por ausência de especificação do objeto. E isso porque está bem claro na inicial que os autores pretendem usucapir área de 120,56m², com uma construção de 75,35m², podendo-se extrair, como se verá na análise do mérito, que a propriedade da aludida área foi transmitida ao adquirente do imóvel da matrícula n.º 11.492, mas permaneceu na posse dos vendedores.

Igualmente, não há se falar em nulidade por inadequação da análise da prova. Conforme dispõe o artigo 371 do Código de Processo Civil de 2015, “O juiz apreciará a prova constante dos autos, independentemente do sujeito que a tiver promovido, e indicará na decisão as razões da formação de seu convencimento.” Assim, o livre convencimento do juiz reside na faculdade que possui de avaliar a prova com base na lei e na jurisprudência, sendo-lhe permitido agregar a sua experiência profissional e pessoal, suas convicções, mas jamais ignorando a lei e a prova dos autos, em respeito ao princípio do devido processo legal. E, ao concreto, não se verifica tenha o magistrado singular se descuidado da prova ou tenha ignorado a lei ou entendimento jurisprudencial acerca do tema.".

Repelidas as preliminares, passo ao exame do mérito.

A pretensão autoral tem fundamento no artigo 1.238, caput, do Código Civil (usucapião na modalidade extraordinária.).

A usucapião é o modo de aquisição de propriedade imóvel pela posse prolongada no tempo e sob determinadas condições legais, que visa coibir a inércia do proprietário em exercer a posse sobre o bem e atender à função sócio-econômica da propriedade (art. 5º, XXIII da Constituição Federal de 1988).

No ensinamento de Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald:

“O fundamento da usucapião é a consolidação da propriedade. O proprietário desidioso, que não cuida de seu patrimônio, deve ser privado da coisa, em favor daquele que, unido posse e tempo, deseja consolidar e pacificar a sua situação perante o bem e a sociedade.”

Como requisitos à aquisição da propriedade por meio de usucapião são necessários a posse mansa e pacífica com ânimo de dono pelo tempo previsto na lei.

Acresce a estes os requisitos suplementares do...

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