Acórdão nº 50001556320098210123 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Câmara Cível, 26-04-2022

Data de Julgamento26 Abril 2022
ÓrgãoDécima Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50001556320098210123
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002061059
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

10ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5000155-63.2009.8.21.0123/RS

TIPO DE AÇÃO: Indenização por Dano Material

RELATOR: Desembargador JORGE ALBERTO SCHREINER PESTANA

APELANTE: DEOLINDA BARETTA MARTINS (AUTOR)

APELANTE: SERV-MAK COMERCIO DE MAQUINAS LTDA (RÉU)

APELADO: OS MESMOS

RELATÓRIO

A princípio, adoto o relatório da sentença, in verbis:

DEOLINDA BARRETA MARTINS ajuizou Ação de Indenização por Danos Morais e Materiais contra SERV – MAK COMÉRCIO DE MÁQUINAS LTDA., ambas identificadas na inicial. Narrou que, no dia 02/05/2008, adquiriu da empresa requerida uma máquina “Tricô Retilínea Industrial SM 980 7G motorizada”, pelo valor de R$ 6.900,00 (seis mil e novecentos reais), conforme nota fiscal nº 02067. Sustentou que a proposta de compra da máquina veio acompanhada com a oferta de treinamento para operá-la, o que não aconteceu por parte da requerida. Referiu que a máquina também apresentou defeitos, devido a pouca resistência das agulhas, que logo quebravam, e dessa forma não conseguiu produzir e, consequentemente, não obteve lucros, razão pela qual não conseguiu adimplir o financiamento contraído para pagamento da máquina junto ao Banco do Brasil e teve seu nome inserido nos órgãos de proteção ao crédito. Alegou que a situação gerou abalo moral e prejuízos de ordem material, que quantificou em R$ 10.942,49. Pediu, ao final, a condenação da requerida no ressarcimento do prejuízo material e no pagamento de indenização por danos morais. Requereu a inversão do ônus da prova e a gratuidade judiciária. Juntou documentos (fls. 09-32 e 36).

A inicial foi recebida e a gratuidade judiciária foi deferida (fl. 37).

Citada (Carta AR – fl. 38v), a requerida contestou a demanda (fls. 42-77). Arguiu, em preliminar, a sua ilegitimidade passiva, ao aduzir a responsabilidade da fabricante do produto para responder o pedido. No mérito, sustentou, em suma, que a máquina comercializada para a autora não possui nenhum defeito de fabricação, que a autora não provou a efetiva ocorrência de qualquer dano, nem a veracidade de suas alegações, bem como inexiste conduta lesiva omissiva ou comissiva relacionada aos supostos danos reclamados pela autora. Disse que foi ministrada aula que à autora. Alegou que não são aplicáveis ao caso as disposições do Código de Defesa do Consumidor. Postulou a improcedência dos pedidos. Juntou documentos (fls. 78-111).

Noticiado o julgamento da exceção de incompetência que, na forma do CDC, firmou a competência do domicílio da parte autora para julgamento da demanda (fls. 113-124).

O feito foi suspenso até transito em julgado da exceção (fl. 125), sendo determinado o seguimento do processo em sede de agravo de instrumento (fls. 127-137).

Em réplica (fls. 140-150), a parte autora rebateu os argumentos da contestação e reiterou o pedido de procedência da demanda. Juntou novos documentos (fls. 151-158).

O feito foi instruído com prova pericial (Laudo – fls. 218-223), sobre a qual apenas a parte autora ofereceu manifestação (fls. 227-228).

O Laudo pericial foi homologado (fl. 231).

A parte autora pugnou pela oitiva de testemunhas e ré ofereceu memorais (fls. 235 e 237-251).

O pedido de prova oral foi indeferido (fl. 253).

A parte autora ofereceu memoriais finais (fls. 255-263) e a parte ré ratificou os memoriais já apresentados (fls. 267-268).

Sobreveio decisão:

Diante do exposto, julgo parcialmente procedentes os pedidos deduzidos por DEOLINDA BARRETA MARTINS em face da LG GUAIBACAR S/A VEÍCULOS E PEÇAS e da SERV – MAK COMÉRCIO DE MÁQUINAS LTDA., para condená-la ao pagamento:

(a) dos valores de R$ 6.900,00 (seis mil e novecentos reais) e R$ 1.652,00 (um mil seiscentos e cinquenta e dois reais), correspondentes a restituição da quantia paga pela máquina e acessórios (fls. 12 e 21), com correção monetária pelo IGP-M a contar de 02/05/2008 e juros legais de 1% ao mês a contar da citação (07/04/2010), mediante a restituição do produto;

(b) do montante de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a título de danos morais, a ser corrigido monetariamente pelo IGP-M, a contar da data do arbitramento, conforme enunciado da Súmula 362 do STJ, e acrescido de juros de mora de 1% ao mês, a partir da citação (07/04/2010).

Em razão do decaimento mínimo do pedido, condeno a requerida ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios em favor do procurador da parte autora, os quais fixo 15% sobre o valor atualizado da condenação, em face do trabalho realizado, dilação probatória e o tempo de tramitação do feito, nos termos do artigo 85 do CPC.

A parte ré ofertou Embargos de Declaração, os quais restaram acolhidos (fl. 277) para sanar erro material no dispositivo - nome da parte.

Apela a empresa demandada. Diz que a sentença foi contrária à prova produzida nos autos. Reitera a tese de ilegitimidade passiva, porquanto a demanda deveria ter sido direcionada apenas contra a fabricante da máquina. Cita o artigo 13, inciso I, do CPC. Vergasta a aplicação do CDC em razão da ausência de relação de consumo, sendo a máquina industrial um insumo na cadeia produtiva da parte autora. No mérito, narra que vendeu o aparelho e prestou todo o treinamento e assistência necessários. Sustenta indevida a devolução dos valores, pois a máquina foi adquirida há nove anos, sendo útil à produção e gerando lucros à demandante, ora apelada. Pugna pela adoção da responsabilidade subjetiva, com a necessidade de demonstração da culpa. Cita doutrina e afirma que os defeitos se deram por ação da própria recorrida. Alude rompido o nexo de causalidade. Diz que o ajuizamento da presente demanda fere o princípio da boa-fé. Pugna pela improcedência da ação. Quanto aos danos morais, refere inexistentes, pois a situação não ultrapassa os meros aborrecimentos. Aduz não se tratar de dano in re ipsa, não havendo prova de situação que enseje os danos efetivos. Alternativamente, pugna pela minoração do quantum.

A parte autora igualmente recorre, pleiteando seja majorada a indenização por danos morais e também o percentual relativo aos honorários advocatícios. Afirma que teve diversos problemas em função do episódio narrado na inicial, ficando sem condições de pagar as mensalidades da própria máquina, tendo o seu nome negativado junto aos órgãos cadastrais, inclusive. Cita jurisprudência e pede o montante de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) a compensar os danos extrapatrimoniais. Quanto à verba honorária, destaca a valorização da advocacia pelo trabalho desenvolvido, em consonância com os requisitos do CPC, trazendo jurisprudência e doutrina quanto ao ponto.

Com contrarrazões de ambas as partes, subiram os autos.

É o relatório.

VOTO

Colegas.

Inicialmente, calha ponderar acerca da aplicação do Código de Defesa do Consumidor.

A propósito, sem embargo de entendimentos contrários, tenho que a parte apelada se enquadra como destinatária final na relação jurídica havida entre os litigantes, conforme magistério de CLÁUDIA LIMA MARQUES:

O ponto de partida desta extensão do campo de aplicação do CDC é a observação de que muitas pessoas, mesmo não sendo consumidores strictu sensu, podem ser atingidas ou prejudicadas pelas atividades dos fornecedores no mercado. Estas pessoas, grupos e mesmo profissionais podem intervir nas relações de consumo de outra forma a ocupar uma posição de vulnerabilidade. Mesmo não preenchendo as características de um consumidor strictu sensu, a posição preponderante (Machtposition) do fornecedor e a posição de vulnerabilidade destas pessoas sensibilizam o legislador e, agora, os aplicadores da lei. (Comentários ao CDC, RT 2ª edição, 2005, p.87.)

Na espécie, cumpre referir que a autora se utiliza da máquina comercializada pela requerida ao fomento de sua atividade comercial, razão por que, nessa condição, se apresenta como destinatária final do referido serviço disponibilizado, stricto sensu, nos precisos termos da análise jurídico-semântica da expressão “consumidor final”, haja vista o flagrante desequilíbrio existente entre as partes – autora/trabalhadora e ré/empresa especializada em comércio de máquinas dessa natureza – pela hipossuficiência técnica.

Daí a aplicação do Código de Defesa do Consumidor.

Consequentemente, relativo aos requisitos da inversão do ônus da prova, tenho-os por presentes. A verossimilhança resta demonstrada na documentação vinda com a peça vestibular. A hipossuficiência se encontra evidente no aspecto técnico, visto que a lide se trava entre pessoa física profissional da costura e empresa especializada na compra e venda e assistência relativa a máquinas industriais.

Como bem leciona SÉRGIO CAVALIERI FILHO, reportando-se ao magistério de NELSON NERY JÚNIOR a hipossuficiência de que ali fala o Código não é apenas econômica, mas também técnica, de sorte que, se o consumidor não tiver condições econômicas ou técnicas para produzir a prova dos fatos constitutivos de seu direito, poderá o juiz inverter o ônus da prova a seu favor (...)” (Programa de responsabilidade civil, 6ª ed, São Paulo, Malheiros, 2005, p. 398/399).

Neste sentido, é a jurisprudência desta Corte:

Ementa: AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. ERRO MÉDICO. RESPONSABILIDADE DO NOSOCÔMIO. REQUERIMENTO DE INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. POSSIBILIDADE. 1. Não se há de falar em nulidade da decisão recorrida por ausência de fundamentação, quando o provimento está amparado na máxime experiência do magistrado levando em consideração demandas análogas. Decisão concisa, por si só, não é nula. Inteligência do art. 93, IX, da Constituição da República. 2. É possível a inversão do ônus da prova, consoante o disposto no artigo 6º, VIII, do estatuto consumerista. No caso concreto, há dificuldade técnica manifesta da parte autora em realizar a...

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