Acórdão nº 50001560520218210066 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Terceira Câmara Cível, 24-02-2022

Data de Julgamento24 Fevereiro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50001560520218210066
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoDécima Terceira Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001668804
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

13ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5000156-05.2021.8.21.0066/RS

TIPO DE AÇÃO: Cláusulas Abusivas

RELATORA: Desembargadora ELISABETE CORREA HOEVELER

APELANTE: VANDERLEI CHAVES (AUTOR)

APELANTE: SINOSSERRA FINANCEIRA S/A - SOCIEDADE DE CREDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO (RÉU)

APELADO: OS MESMOS

RELATÓRIO

Trata-se de apelações cíveis reciprocamente interpostas pelas partes contra sentença que julgou parcialmente procedentes os pedidos da ação revisional que VANDERLEI CHAVES move em face de SINOSSERRA FINANCEIRA S/A - SOCIEDADE DE CREDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO. Referido decisum (evento 36) teve o dispositivo assim redigido:

"3. Diante do exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido, na presente ação, para determinar a redução dos juros remuneratórios para 1,49% ao mês em relação à CCB nº 000239244-000-4, e para 1,53% ao mês, para a CCB nº 000268108-000-7; para vedar a cumulação da comissão de permanência com juros moratórios e multa contratual; para declarar indevida a cobrança de honorários advocatícios, nos termos da cláusula nº 6.4 dos contratos; e, finalmente, para, ajustadas as cláusulas nos termos da presente revisão, determinar a compensação de valores e, em caso de saldo favorável ao autor, a restituição dos valores excedentes, corrigidos monetariamente pelo IGP-M e acrescidos de juros legais moratórios, estes contados da citação.

Presentes os requisitos do art. 300, do CPC, defiro tutela provisória, a fim de determinar que a ré se abstenha de inscrever o nome do autor em cadastro de devedores ou promova a sua imediata exclusão, sob pena de multa diária de R$ 500,00.

Condeno a parte ré ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, fixados em 10% do valor atualizado dos contratos (CPC, art. 85, § 2º). Deixo de condenar a parte autora nos ônus da sucumbência, com fundamento no art. 86, parágrafo único do CPC".

Em seu apelo (evento 41) a parte autora suscitou a observância aos termos do Código de Defesa do Consumidor. Asseverou ser descabida a capitalização. Defendeu a compensação/repetição dos valores pagos a maior no negócio. Aduziu estar fragilizada a mora, autorizando-se o deferimento das tutelas antecipadas de manutenção da posse e abstenção da inscrição do seu nome nos arquivistas. Postulou o provimento do apelo.

Nas suas razões de apelação (evento 42) a financeira demandada discorreu sobre a natureza dos contratos submetidos à revisão, ressaltando inexistir excessividade nos juros remuneratórios, quando comparados às médias de mercado dos períodos. Asseverou que sequer há previsão de comissão de permanência como encargo da inadimplência, sendo equivocada a decisão que a afastou. Defendeu a possibilidade de cobrança de honorários extrajudiciais. Postulou o provimento do apelo.

A instituição financeira apresentou contrarrazões ao evento 51.

Subiram os autos à Corte.

Retificada a autuação (evento 5).

Vieram conclusos.

VOTO

Atendidos os requisitos de admissibilidade, recebo os presentes recursos e passo à sua análise conjunta.

DOS CONTRATOS

Cuida-se de duas Cédulas de Crédito Bancário, referentes a empréstimos pessoais garantidos por alienação fiduciária de bens móveis:

1) Cédula n.000239244-000-4, firmada em fevereiro/2020 (evento 12, doc.19);

2) Cédula n.000268108-000-7, firmada em agosto/2020 (evento 12, doc.20).

APLICAÇÃO DO CDC AOS CONTRATOS BANCÁRIOS E POSSIBILIDADE DE REVISÃO EM CASO DE ABUSIVIDADES

Inicialmente, cumpre referir ser inegável a aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor aos contratos bancários, consoante entendimento consolidado na Súmula 2971 do egrégio Superior Tribunal de Justiça.

Ressalve-se, entretanto, que a simples aplicação do CDC aos contratos não garante a procedência do pedido revisional, apenas autoriza a sua revisão em caso de flagrantes abusividades. Eventual ilegalidade das cláusulas contratuais somente pode ser apreciada no caso concreto.

Fica vedado, ainda, o julgamento de ofício acerca de eventuais abusividades contratuais, nos termos da Súmula n. 381 do STJ: “Nos contratos bancários, é vedado ao julgador conhecer, de ofício, da abusividade das cláusulas”.

JUROS REMUNERATÓRIOS

Os juros remuneratórios são devidos como compensação ao mutuante pela disposição do dinheiro ao mutuário, sendo lícita a sua incidência. A discussão, pois, diz respeito ao limite de tais juros e sua abusividade, ou não.

O Sistema Financeiro Nacional (SFN) tem como regra a não aplicação das restrições da Lei da Usura (Decreto nº 22.626 de 1933), em se tratando de instituições financeiras, não as sujeitando, pois, à limitação dos juros remuneratórios. Ademais, o §3º do artigo 192 da Constituição Federal, que dispunha sobre a limitação dos juros, foi revogado pela Emenda Constitucional nº 40, de 29/05/2003.

A jurisprudência, com o tempo, encaminhou-se, maciçamente, pela livre pactuação, com restrições pontuais em casos de prova inarredável de abusividade (Resp nº 915.572/RS). Nesse sentido a Súmula n. 382 do Superior Tribunal de Justiça:

A estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só, não indica abusividade”.

E mais recentemente, o REsp nº 1.061.530/RS - julgado de acordo com o rito dos recursos repetitivos - consolidou o posicionamento no sentido de que a taxa de juros remuneratórios somente se caracteriza como abusiva quando significativamente destoante da média do mercado, apurada pelo Banco Central do Brasil (BACEN) à época da contratação.

Na sedimentação sobre o critério a ser adotado, por seu turno, também indicou o egrégio tribunal superior que a análise deve ocorrer de forma casuística.

In casu, entendo que são regulares as taxas dos juros pactuadas nas duas Cédulas de Crédito Bancário. Isso porque o percentual de 50,93% ao ano, previsto a ambos os negócios, é consideravelmente inferior às médias de mercados de cada período (106,56% a.a. em fevereiro/2020 e 70,29% a.a. em agosto/20202), inexistindo excessividade a ser reconhecida, consoante ratio extraída do Recurso Especial paradigma n. 1.061.530/RS.

CAPITALIZAÇÃO DOS JUROS

Quanto a capitalização de juros em periodicidade inferior à anual, o RESp 973.827/RS fixou tese, com os efeitos do artigo 543-C do antigo CPC, admitindo-a, respeitados os seguintes requisitos:

a) pactuação expressa entre as partes envolvidas no negócio jurídico;

b) celebração do contrato após a edição da Medida Provisória nº 1.963-17, de 30.03.2000, reeditada sob o nº 2.170-36, de 23.08.2001.

Nesse sentido, ainda, a jurisprudência que segue:

Acerca da taxa de juros capitalizados, a Segunda Seção adotou, para os efeitos do art. 543-C do CPC, o entendimento de que "A capitalização de juros em periodicidade inferior à anual deve vir pactuada de forma expressa e clara. A previsão no contrato bancário de taxa de juros anual superior ao duodécuplo da mensal é suficiente para permitir a cobrança da taxa efetiva anual contratada" (2ªSeção, REsp 973.827/RS, acórdão de minha relatoria, DJe de 24.9.2012). No caso dos autos, houve previsão de taxa mensal de 2,80% e de taxa efetiva anual de 39,25% (fl. 146). Dessa forma, legítima a cobrança da taxa efetiva anual de juros remuneratórios, tal como convencionada.

Em face do exposto, nos termos do art. 557, § 1º-A, do CPC, conheço em parte do recurso e, nessa extensão, a ele dou parcial provimento, para que sejam observados os juros remuneratórios nas taxas mensal e anual efetiva, como pactuados, excluído o IGP-M acrescido de ofício para a fase de adimplência. Os juros remuneratórios, no período da inadimplência, serão calculados conforme o enunciado 296 da Súmula do STJ. Diante da sucumbência recíproca, na forma do art. 21, caput, do CPC, arcarão as partes com os honorários de seus advogados. RECURSO ESPECIAL Nº 1.220.512 - RS (2010/0207169-7). Rel. MINISTRA MARIA ISABEL GALLOTTI. DATA DA PUBLICAÇÃO: 02/04/2013 (negritei)

Tal entendimento foi consolidado na Súmula n.º539 do egrégio STJ: “É permitida a capitalização de juros com periodicidade inferior à anual em contratos celebrados com instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional a partir de 31/3/2000 (MP n. 1.963-17/2000, reeditada como MP n. 2.170-36/2001), desde que expressamente pactuada”.

Dessa forma, considerando-se que os contratos preveem expressamente a capitalização (item 2.1 de cada respectivo instrumento - docs.19 e 20) e foram celebradod em data posterior à vigência da referida MP, permite-se a capitalização dos juros em periodicidade inferior à anual, não havendo ilegalidade a corrigir.

CARACTERIZAÇÃO DA MORA

A matéria da caracterização da mora já foi apreciada pelo Superior Tribunal de Justiça, conforme o paradigma assentado no REsp. nº 1.061.530/RS, julgado em 22/10/2008, que assim dispôs:

I. Afasta a caracterização da mora:

(i) a constatação de que foram exigidos encargos abusivos na contratação, durante o período da normalidade contratual.

II. Não afasta a caracterização da mora:

(i) o simples ajuizamento de ação revisional;

(ii) a mera constatação de que foram exigidos encargos moratórios abusivos na contratação.

Ainda, mais recentemente, dito entendimento foi convalidado pela corte superior no Recurso Especial paradigma nº 1.639.320/SP, o qual fixou tese de que “a abusividade de encargos acessórios do contrato não descaracteriza a mora”.

Dessa forma, no caso concreto, a mora não resta afastada, pois não revisados os encargos da normalidade contratual.

COMISSÃO DE PERMANÊNCIA E DEMAIS ENCARGOS MORATÓRIOS

No julgamento do REsp. 1.058.114-RS, nos moldes do art. 543-C do antigo CPC, foi amplamente debatido o tema acerca da comissão de permanência, sua natureza e seus limites. Definiu-se que a comissão de permanência possui natureza tríplice, ou...

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