Acórdão nº 50001571720208210133 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Vigésima Quarta Câmara Cível, 23-02-2022

Data de Julgamento23 Fevereiro 2022
ÓrgãoVigésima Quarta Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50001571720208210133
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001424053
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

24ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5000157-17.2020.8.21.0133/RS

TIPO DE AÇÃO: Empréstimo consignado

RELATOR: Desembargador FERNANDO FLORES CABRAL JUNIOR

APELANTE: ALBINA PEREIRA DO NASCIMENTO (AUTOR)

APELADO: BANCO PAN S.A. (RÉU)

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação interposto por ALBINA PEREIRA DO NASCIMENTO em face da sentença que julgou improcedente a pretensão deduzida na ação de restituição de valores c/c indenização por dano moral, com pedido de tutela provisória de urgência ajuizada contra BANCO PAN SA (Evento 49), cujo dispositivo foi redigido nos seguintes termos:

“[...]. Ante o exposto, com força no art. 487, I, do Código Processo Civil,JULGO IMPROCEDENTES os pedidos formulados por ALBINA PEREIRA DO NASCIMENTO contra o BANCO PAN S.A.

Face a sucumbência, condeno a parte autora ao pagamento das custas processuais e honorários ao procurador do demandado, que arbitro em 15% sobre o valor atribuído à causa, nos termos do § 2º e incisos, do art. 85 do Código de Processo Civil, restando suspensa a exigibilidade ante a AJG concedida.

Publique-se.

Registre-se.

Intimem-se.

Em suas razões recursais, a parte apelante alega ter firmado contrato de empréstimo pessoal com o banco, tendo percebido posteriormente se tratar de uma fraude, visto que estava sendo cobrada por uma modalidade contratual diversa. Afirma não ter solicitado em momento algum o cartão de crédito consignado, nem mesmo recebeu, desbloqueou ou utilizou o plástico. Menciona que os descontos efetuados em seu benefício não abatem o débito adquirido, apenas os encargos mensais do cartão, sendo a dívida impagável. Destaca o dever do réu de informar de forma clara sobre os serviços oferecidos, de acordo com o Código de Defesa do Consumidor. Argui ser pessoa idosa, semianalfabeta e com parcas condições financeiras. Ressalta que a demanda exige tutela provisória de urgência a fim de proteger seu direito, tendo apresentado provas claras para tanto. Argumenta haver urgência pois os valores indevidos continuam sendo feitos automaticamente em seu benefício previdenciário. Alega ser aplicável o Código de Defesa do Consumidor, segundo súmula 297 do STJ. Requer a inversão do ônus da prova, considerada sua hipossuficiência na relação de consumo. Afirma que a falha de prestação de serviço do réu gerou danos em esfera moral e material. Menciona a necessidade de autorização expressa do consumidor para que haja constituição de reserva de margem consignável, sendo que foi induzida ao erro na contratação do serviço. Colaciona legislação, doutrina e jurisprudência alinhadas a sua linha argumentativa. Destaca o público alvo da instituição financeira: pessoas idosas com baixo poder aquisitivo e pouca margem para negociação. Pleiteia indenização por danos morais no montante de R$8.800,00 a fim de reparar o prejuízo sofrido e punir o banco. Pede repetição em dobro do indébito, nos termos do art. 42 do Código de Defesa do Consumidor. Informa que o contrato apresentado pela parte ré é inválido, dado que não solicitou, recebeu ou utilizou o cartão de crédito consignado. Explana não haver qualquer vantagem ao consumidor nessa modalidade contratual quando não se utiliza o plástico. Reafirma a falta de informações essenciais sobre o contrato em tela, as quais deveriam ter sido disponibilizadas pela parte ré no momento da pactuação. Postula a reforma da sentença nos pontos atacados a fim de declarar a nulidade do contrato. Alternativamente, requer a conversão em empréstimo consignado. Pleiteia a condenação do réu ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios em 20%. (Evento 55).

Foi concedida a tutela de urgência (Evento 6).

Contrarrazões no Evento 58.

É o relatório.

VOTO

A presente apelação interposta pela parte autora no Evento 55 é tempestiva, pois o prazo para recorrer da sentença iniciou em 24/08/2021 (Evento 50) e findou em 14/09/2021, sendo que o recurso foi interposto no dia 10/09/2021 (Evento 55). Além disso, a parte autora é beneficiária da gratuidade judiciária, sendo dispensada do pagamento do preparo (Evento 3). Dessa forma, considerando que o recurso é próprio, tempestivo e dispensa o preparo, recebo a apelação e passo ao exame da insurgência recursal.

1. RESPONSABILIDADE CIVIL DAS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS NAS RELAÇÕES DE CONSUMO. NULIDADE DO CONTRATO DE CARTÃO DE CRÉDITO COM RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL. OCORRÊNCIA.

O Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 3º, § 2º, incluiu expressamente a atividade de natureza bancária, financeira e de crédito no conceito de serviço.

Note-se:

Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.

§ 1° Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial.

§ 2° Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista – grifei.

Nesse contexto, o entendimento atual, tanto na doutrina como na jurisprudência dos Tribunais pátrios, é tranquilo acerca da aplicação do CDC nas operações bancárias, o que restou sumulado pelo Superior Tribunal de Justiça, inclusive:

Súmula nº 297: O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras.

Portanto, a responsabilidade contratual do banco é objetiva, nos termos do art. 14 do CDC, de modo que responde, independentemente de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços.

Reza o art. 14 do CDC:

O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

Trata-se de responsabilidade objetiva fundada na teoria do risco do empreendimento ou da atividade empresarial, segundo a qual, consoante doutrina de Sergio Cavalieri Filho:

(...) todo aquele que se disponha a exercer alguma atividade no mercado de consumo tem o dever de responder pelos eventuais vícios ou defeitos dos bens e serviços fornecidos, independentemente de culpa. Este dever é imanente ao dever de obediência às normas técnicas e de segurança, bem como aos critérios de lealdade, quer perante os bens e serviços ofertados, quer perante os destinatários dessas ofertas. A responsabilidade decorre do simples fato de dispor-se alguém a realizar atividade de produzir, estocar, distribuir e comercializar produtos ou executar determinados serviços. O fornecedor passa a ser o garante dos produtos e serviços que oferece no mercado de consumo, respondendo pela qualidade e segurança dos mesmos1.

Os requisitos, portanto, para a configuração da responsabilidade objetiva são: falha na prestação do serviço, dano e nexo causal.

Nesse tipo de responsabilidade, o fornecedor somente afasta o dever de reparar o dano se provar (ônus seu) a ocorrência de uma das causas que excluem o próprio nexo causal, enunciadas no § 3º do art. 14 do CDC, quais sejam, a inexistência do defeito (falha na prestação do serviço) e a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiros.

No caso concreto, todavia, restou demonstrada falha na prestação do serviço do banco réu, conforme passo a demonstrar.

Compulsando os autos, nota-se que a parte autora ajuizou a presente ação alegando que lhe foi imposta pelo banco réu a contratação de cartão de crédito consignado quando possuía intenção de pactuar empréstimo consignado. Postulou, em razão do alegado, a declaração de nulidade do débito relacionado ao contrato de cartão de crédito consignado, bem como, a repetição em dobro do indébito.

O banco réu, em contestação, sustentou ter sido firmado pela parte demandante contrato de cartão de crédito consignado com autorização para desconto em folha de pagamento, defendendo a validade do negócio jurídico entabulado entre as partes, ao argumento de que a parte autora possuía ciência acerca dos termos da contratação. Requereu a improcedência da demanda.

Pois bem.

Oportuno referir que a reserva de margem consignável (RMC) foi instituída pela Instrução Normativa do INSS/Decreto n° 121, de julho de 2005, sendo por ela também disciplinada, e consiste na consignação futura de descontos e/ou retenções destinados ao pagamento de empréstimos, financiamentos ou operações de arrendamento mercantil que sejam operacionalizados por meio de cartão de crédito (art. 1°, §9°)2.

Sua implementação, no entanto, depende de autorização, por escrito ou por meio eletrônico, do titular do benefício, pelo que se depreende das exigências contidas nos incisos II e III do art. 3º da Instrução Normativa do INSS nº 28/2008, que teve a sua redação alterada pela Instrução Normativa do INSS nº 39/2009:

Art. 3º Os titulares de benefícios de aposentadoria e pensão por morte, pagos pela Previdência Social, poderão autorizar o desconto no respectivo benefício dos valores referentes ao pagamento de empréstimo pessoal e cartão de crédito concedidos por instituições financeiras, desde que:

(...)

II - mediante contrato firmado e assinado com apresentação do documento de identidade e/ou Carteira Nacional de Habilitação - CNH, e Cadastro de Pessoa Física - CPF, junto com a autorização de consignação assinada, prevista no convênio; e

III - a autorização seja dada de forma expressa, por escrito ou por meio eletrônico e em caráter irrevogável e irretratável, não sendo aceita autorização...

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