Acórdão nº 50001594320128210011 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Primeira Câmara Cível, 08-06-2022

Data de Julgamento08 Junho 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50001594320128210011
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoPrimeira Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001695101
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

1ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5000159-43.2012.8.21.0011/RS

TIPO DE AÇÃO: Improbidade Administrativa

RELATOR: Desembargador IRINEU MARIANI

APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (AUTOR)

APELANTE: JACSON ADAO PINHEIRO (RÉU)

APELANTE: ZILMAR VARONES HAN (RÉU)

APELADO: MUNICÍPIO DE BOA VISTA DO INCRA (AUTOR)

APELADO: OS MESMOS

RELATÓRIO

Cuida-se de apelações em face da sentença do Juízo da 1ª Vara Cível de Cruz Alta que julgou parcialmente procedentes os pedidos objeto da ação civil pública por improbidade administrativa ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO contra ZILMAR VARONES HANN e JACSON ADÃO PINHEIRO, a fim de condenar os réus, por infração ao art. 10, VIII, da Lei Federal nº 8.492/92, às penas do art. 12, II, da referida Lei, como segue: a) perda da função pública, caso os requeridos exerçam; b) suspensão dos direitos políticos pelo prazo de cinco anos para ambos os réus; c) multa civil, revertida para o Município de Boa Vista do Incra, no montante de R$ 9.000,00 para cada réu, atualizada monetariamente pelo IGP-M, e acrescido de juros de mora de 1% ao mês a contar de 3-3-2009 (fl. 342); d) proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de cinco anos para todos os réus. Os réus foram condenados ao pagamento das custas processuais, sem condenação em honorários (Evento 3 - PROCJUDIC23 - fls. 34-50 e PROCJUDIC24 - fls. 1-2).

O Ministério Público, em suas razões (Evento 3 - PROCJUDIC24 - fls. 4-31), alega que os réus não apenas realizaram a contratação em desconformidade com a Lei nº 8.666/93, como aditaram o referido contrato, havendo pagamento por serviço não prestado pelo contratado. Há prova do dolo dos réus, a qual consta no Inquérito Civil e na instrução judicial. De acordo com o art. 11 da Lei nº 8.429/92 (Improbidade Administrativa), para a configuração de ato de improbidade administrativa que atente contra os princípios da administração, basta ação ou omisão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições. Os réus Zilmar, na qualidade de Vice-Prefeito de Boa Vista do Incra, e Jacson, na qualidade de contratado ilegalmente, atentaram dolosamente contra os princípios da legalidade, impessoalidade e moralidade administrativa, bem como causaram prejuízo ao erário e enriquecimento ilícito, uma vez que o Município pagou por serviços não realizados. A prova produzida no inquérito civil deu conta da não instauração de procedimento licitatório, bem como da dispensa deste pelo réu Zilmar, para a contratação dos serviços de contabilidade do demandado Jacson Pinheiro (contrato fls. 131-33 e 340-2). O valor do contrato pago (R$ 9.000,00) não permitia que o réu Zilmar contratasse a prestação dos serviços com o codemandado Jacson de forma direta, sem licitação (arts. 24, II, e 25 da Lei de Licitações). O réu Zilmar sequer lançou mão do procedimento de dispensa ou inexigibilidade de licitação para justificar a contratação realizada com imediatismo e, ainda que se tratasse de caráter emergencial, o que não é o caso, reclamaria a confecção de procedimento de justificação apropriado. O segundo ato ímprobo (prorrogação do Contrato nº 4/2009, pelo mesmo valor), embora autônomo, configura prolongamento do primeiro. Não havia sequer previsão, no contrato original, da possibilidade de prorrogação. O terceiro ato ímprobo diz com o fato de que houve a contratação, a despeito da não ocorrência de licitação, e tal contratação sequer foi cumprida, tanto que houve a necessidade da contratação de um segundo técnico. Não há como deixar de reconhecer as condutas dos três fatos descritos na inicial de forma separada, pois se tratam de atos de improbidade de natureza diversa, devidamente comprovados separadamente na ação civil pública.

O réu JACSON ADÃO PINHEIRO alega ser injusta a aplicação de penalidades idênticas ao apelante e ao réu Zilmar, ex-Prefeito condenado em vários outros processos. A prova produzida não autoriza concluir que o apelante tenha agido sequer com culpa, pois para a concretização do contrato não agiu de forma negligente, imperita ou imprudente. O apelante é leigo e não possui nenhum conhecimento acerca de procedimentos licitatórios e da sua necessidade, sendo que quando aderiu ao contrato acreditou que o ente público estaria agindo em conformidade com a lei. Ao gestor público cabe a observância das formalidades e exigências legais para qualquer contratação. A contratação teve o respaldo da Câmara de Vereadores. O apelante não concorreu para a ocorrência de ilegalidade e nem dela desfrutou, pois restou comprovado o estado caótico em que se encontrava a contabilidade municipal, o que foi reconhecido pelo Auditor do Tribunal de Contas. Em razão da enormidade de irregularidades e medidas corretivas a serem tomadas, não foi possível a integralização dos serviços contratados, daí a necessidade de prorrogação, novamente de iniciativa e responsabilidade exclusiva do gestor público. Não houve qualquer desvio de verba pública em favor do apelante, mas sim justa remuneração pelos serviços prestados. Observa que inúmeras irregularidades foram constatadas na contabilidade,com sérios prejuízos ao ente público, impondo-se correções para o regular prosseguimento, o que foi levado ao conhecimento do réu Zilmar, então Prefeito Municial, o qual permaneceu inerte, o que levou o apelante a denunciar a situação ao Vice-Prefeito e aos Vereadores, acompanhando-os pessoalmente junto ao Tribunal de Contas em Santa Maria. A ação profissional do apelante ensejou a presente ação e muitas outras que procuraram sanear a contabilidade do Município e ressarcir prejuízos ao erário, razão pela qual, em vez de ser condenado deveria ter sua conduta tida como exemplar. Improbidade e ilegalidade/irregularidade não se confundem. Requer, ao menos, o abrandamento das penalidades impostas tomando por base o princípio da proporcionalidade. Quanto à perda da função pública, argumenta que o cargo do apelante é de contador concursado junto ao Município de Jóia, o qual não guarda qualquer relação com os fatos narrados no presente processo (contratação junto a outro Município, fora do horário de expediente). (Evento 3 - PROCJUDIC24 - fls. 35-50 e PROCJUDIC25 - fl. 1).

O réu ZILMAR, por sua vez, alega que o próprio Juízo a quo asseverou que a prestação incompleta do serviço com o respectivo pagamento não configurou desvio de renda pública. Os fatos narrados na incial não configuraram atos de improbidade administrativa, pois desprovidos do animus de causar qualquer prejuízo ao erário, que inclusive sequer foi causado. Houve, de modo descabido, a responsabilização objetiva do ex-Prefeito apelante. Se a sentença afirmou que não houve desvio de renda pública, não poderia ao mesmo tempo condenar o apelante à pena de multa. Em sede de improbidade administrativa não é possível que o dano seja in re ipsa. Uma situação é dispensar indevidamente a licitação, e outra é não observar o procedimento legal para que se realize a dispensa ou inexigibilidade da licitação, pois no primeiro caso há burla, e no segundo simples inobservância de formalidades. Dano presumido somente pode se dar quando foi o caso de ilícito, não quando se tratar de irregularidade formal, não sendo crÍvel equiparar as duas situações. Observa que ainda que se entenda que não seria possível dispensar a licitação, mesmo assim se está diante de contrato de baixo valor (R$ 9.000,00) e, atualmente, pela alteração legislativa levada a efeito pelo Decreto nº 9.412/18, os limites para dispensa de licitação chegam ao patamar de R$ 17.600,00 para cada serviço. A prova testemunhal foi favorável à tese do apelante. Requer, alternativamente, a readequação das penas impostas, devEndo, no máximo, ser aplicada a pena de multa civil ao apelante (Evento 3 - PROCJUDIC25 - fls. 19-33).

Recursos respondidos (Evento 3 - PROCJUDIC25 - fls. 1-2, 4-18 e 35-6, PROCJUDIC26 - PROCJUDIC37).

A douta Procuradoria de Justiça opina pelo provimento do apelo do MP, e quanto às apelações dos réus Zilmar e Jacson reitera o Parecer das folhas 857-66 do Evento 3 - PROCJUDIC22, no sentido do desprovimento do apelo de Zilmar e parcial provimento do apelo de Jacson (Evento 8).

O apelante Jacson apresentou petição (Evento 10), requerendo a juntada do acórdão proferido quando do julgamento da apelação criminal que teve por objeto os mesmos fatos aqui descritos.

Foi dada vista ao MP quanto à decisão que absolveu o réu Jacson na esfera penal (Evento 11), transcorrendo in albis o prazo sem manifestação (Evento 16).

É o relatório.

VOTO

Cuida-se de ação civil por improbidade administrativa ajuizada pelo Ministério Público Estadual contra Zilmar Varones Hann, Prefeito Municipal de Boa Vista do Incra, e Jacson Adão Pinheiro, contador.

Resumindo, embora duas funcionárias encarregadas dos serviços de contabilidade, uma ocupante de cargo efetivo e outra contratada em caráter emergencial, o então Prefeito contratou Jacson, contador, sem licitação nem justificativa de inexigibilidade ou de dispensa.

Inicialmente, foi celebrado o Contrato nº 4/2009 (= 1º FATO), por três meses (de 26-2-09 a 26-5-09), por R$ 9.000,00, em três parcelas, pagas em 6 e 28 de maio e 25 de junho. Depois, em 27-5-09, foi celebrado o Termo Aditivo nº 7/2009 (= 2º FATO), por igual prazo (de 27-5-09 a 24-8-09) e igual preço e número de parcelas, pagas em 29 de junho e 4 e 19 de agosto. Por fim, relativamente ao Termo Aditivo, houve desvio de verba pública, pois o contratado não prestou os serviços (= 3º FATO), e mesmo assim recebeu, embora...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT