Acórdão nº 50001642420168210044 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Oitava Câmara Cível, 16-02-2023

Data de Julgamento16 Fevereiro 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação / Remessa Necessária
Número do processo50001642420168210044
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoDécima Oitava Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002817867
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

18ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação/Remessa Necessária Nº 5000164-24.2016.8.21.0044/RS

TIPO DE AÇÃO: Doação

RELATOR: Desembargador HELENO TREGNAGO SARAIVA

APELANTE: ARY LUTZ (AUTOR)

APELANTE: GELCY LUTZ (AUTOR)

APELANTE: ROSELY LUTZ VILANOVA (AUTOR)

APELADO: AVANY LUTZ NIETIEDT (RÉU)

APELADO: DARLY LUTZ BENDER (RÉU)

APELADO: ERNY LUTZ (RÉU)

APELADO: ANELY MARIA LUTZ (RÉU)

APELADO: DELOI NIETIEDT (RÉU)

APELADO: ERNANI LUTZ (RÉU)

APELADO: LORENA LUTZ (RÉU)

RELATÓRIO

ARY LUTZ, GELCY LUTZ E ROSELY LUTZ VILANOVA interpõem recurso de apelação em face de AVANY LUTZ NIETIEDT E OUTROS, nos seguintes termos:

Diante do exposto, JULGO IMPROCEDENTE o pedido deduzido na presente demanda por GELCY LUTZ, ARY LUTZ e ROSELY VILANOVA, em desfavor de AVANY LUTZ NIETIEDT, DELOI NIETIEDT, LORENA LUTZ, DARLY LUTZ BENDER, ERNANY LUTZ, ERNY LUTZ e ANELY LUTZ.

Condeno a parte autora ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios em favor dos procuradores da parte ré, que fixo em 15% sobre o valor atualizado da causa, considerando o trabalho realizado, a complexidade da causa e o tempo de tramitação do processo, nos termos do art. 85, §2º, do Código de Processo Civil. Suspensa a exigibilidade, contudo, por litigar sob a amparo da assistência judiciária gratuita.

Os apelante aduzem que ajuizaram a ação para anular a doação efetivada em favor de Avany Lutz Nietiedt e Deloi Nietiedt em 22/04/2015, uma vez que os doadores se tratavam de pessoas idosas, que a doação tem intenção fraudulenta e foi realizada por ascendentes a descendentes. Ressaltam que se sentem prejudicados, pois, assim como os demais irmãos, receberão sua parte na partilha, enquanto Avany restará com muito mais metragem e todas as benfeitorias. Arguem a nulidade da sentença por cerceamento de defesa. Sustentam que não foi oportunizada a produção de provas técnicas e da prova oral postuladas. Salientam que as provas requeridas são essenciais para dirimir a controvérsia fática, especialmente quanto à capacidade civil dos pais dos autores/doadores. Alegam a inviabilidade de julgamento antecipado e decisão surpresa com base no art. 10 do CPC. Sustentam que restou comprovado que os doadores não possuíam discernimento suficiente para os atos da vida civil, tendo a doação sido feita com intuito fraudulento. Destacam que o mero indício da incapacidade civil dos doadores já deve ser suficiente para anular o ato. Requerem o provimento do recurso.

Foram apresentadas contrarrazões.

Digitalizados os autos.

O Ministério Público manifestou-se pelo desprovimento do recurso.

Vieram conclusos para julgamento.

VOTO

Atendidos os requisitos de admissibilidade, conheço do presente recurso.

A parte autora ajuizou ação de anulação de doação de ascendentes para descendente alegando incapacidade dos doadores de manifestarem a sua vontade na época da doação, mesmo sem a prévia interdição.

Na inicial, afirma que, em 22/04/2015, foi efetivada doação pura e simples aos réus de um imóvel com superfície de 80.000,00m² dentro de uma área maior do imóvel objeto da matrícula nº 6.682, de propriedade de Ervino Lutz (falecido) e Lorena Lutz; que os doadores se tratavam de pessoas idosas, gravemente enfermas; que a doação tem intenção fraudulenta para que a área de terras e benfeitorias não fosse partilhada com os demais irmãos.

Em contestação (fls. 45/53 dos autos físicos originários), os réus Avany e Deloi aduzem a legalidade da escritura pública de doação; que a doação envolve a parte disponível dos doadores, a qual pode ser feita para quem eles quiserem; que o doador Ervino não sofria de qualquer deficiência mental, sendo que sua incapacidade física decorria da amputação de uma perna; que, apesar de Lorena, por sua condição física, necessitar de auxílio constante, isso não afetava a sua lucidez e capacidade de manifestar a sua vontade; que ambos os doadores estavam plenamente capazes de manifestar a sua vontade quando da outorga da doação, manifestada na frente de Tabelião que tem fé pública e ancorada por atestados médicos; que os doadores resolveram dar sua parte disponível ao casal (filha e genro) que os acolheu; que, em reunião realizada em 29/09/2014 onde estavam todos os filhos, Ervino e Lorena disseram que dariam todos os seus bens para o filho ou filha que os acolhesse.

Em sua contestação (fls. 87/91 dos autos físicos originários), a ré Darly Lutz Bender, reitera o afirmado pelos demais corréus, ressaltando que, na reunião realizada em 29/09/2014, todos os filhos ficaram sabendo da intenção de Ervino e Lorena de deixar seus bens para quem os acolhesse.

O réu Ernani Lutz sustenta a improcedência do pedido e reitera as alegações dos corréus (fls. 96/100 e 129/132 dos autos físicos originários).

O réu Erny Lutz (fls. 114/116 e 129/132 dos autos físicos originários), diz que se opõe ao objeto da ação, pois seus pais lhe disseram que iriam doar parte de seus bens para Avany e Deloi em vista do carinho e atenção que lhes dispensavam.

A sentença julgou improcedente o pedido inicial da ação, razão da presente inconformidade.

Relativamente ao cerceamento de defesa arguido, devem ser feitas algumas considerações.

Constitui princípio constitucional (art. 5º, LV, da CF) o de que às partes litigantes deve ser assegurado o direito ao contraditório e à ampla defesa, proporcionando-lhes os meios adequados para tanto.

A contrario sensu, o cerceamento de defesa configura-se quando uma das partes da relação processual acaba sendo prejudicada em virtude do impedimento da produção das provas necessárias à comprovação das questões fáticas levantadas.

Extrai-se do art. 370 do CPC que o juiz é o destinatário da prova, cabendo a ele avaliar quais as provas necessárias à instrução do processo e indeferir as diligências inúteis ou meramente protelatórias.

A questão foi adequadamente enfrentada em sede de parecer pelo Ministério Público, e que ora transcrevo como razões de decidir:

No tocante à preliminar de nulidade do feito, por cerceamento de defesa, ante a não oportunização da produção de prova, não merece ser acolhida. Isso porque, em que pese os autores aleguem que não foi deferido o pedido de expedição de ofício aos hospitais, bem como a realização de audiência de instrução, não é essa conclusão que se chega ao analisar o processado. Isto porque, a Magistrada singular determinou a expedição de ofícios aos médicos e hospital, conforme requerido pela parte autora (Evento 3, PROCJUDIC4, Página 18), o que restou atendido durante a instrução processual. Além disso, deferiu o pedido de produção de prova testemunhal (Evento 3, PROCJUDIC6, Página 30), intimando as partes para que apresentassem rol de testemunhas, o que foi feito, em tempo hábil apenas pelos demandados (Evento 3, PROCJUDIC6, Página 35).

Contudo, devidamente intimado, os autores apresentaram seu rol de testemunha (Evento 3, PROCJUDIC6, Página 45), e, após indeferido o pleito de cancelamento da audiência (Evento 3, PROCJUDIC7, páginas 6/7), a parte autora sequer compareceu à solenidade (Evento 3, PROCJUDIC7, páginas 9/10). Ademais, o Juízo singular cancelou a nova audiência que havia sido designada (Evento 3, PROCJUDIC7, Página 26), determinando a intimação dos autores acerca das manifestações juntadas pelos réus, tendo aqueles permanecido silentes, restando preclusa a matéria.

A propósito:

APELAÇÃO CÍVEL. USUCAPIÃO. CONCESSÃO DE ASSISTÊNCIA GRATUITA JUDICIÁRIA. AUSÊNCIA DE PEDIDO EM PRIMEIRA INSTÂNCIA. EFEITOS EX NUNC. CERCEAMENTO DE DEFESA NÃO CONFIGURADO. INOBSERVÂNCIA DO PRAZO PARA APRESENTAÇÃO DO ROL DE TESTEMUNHAS. PEDIDO GENÉRICO DE PRODUÇÃO DE PROVA ORAL TRAZIDO APENAS EM MEMORIAIS. PRECLUSÃO. CASO EM QUE A PROVA ORAL E DOCUMENTAL DENOTAM O EXERCÍCIO DA POSSE MANSA E PACÍFICA DO IMÓVEL, COM USO RESIDENCIAL, POR MAIS DE DEZ ANOS. ART. 1.238, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CC. ALEGAÇÃO DE POSSE A TÍTULO DE ALUGUEL TRAZIDA PELA APELANTE NÃO FOI CONFIRMADA PELA PROVA ORAL. APELAÇÃO PROVIDA PARCIALMENTE. UNÂNIME. (Apelação Cível, Nº 50003627120148210031, Décima Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Paulo Sérgio Scarparo, Julgado em: 09- 12-2021) – grifo aposto.

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE USUCAPIÃO. CERCEAMENTO DEFESA. INOCORRÊNCIA. INÊRCIA NA INDICAÇÃO DE PROVAS. REQUISITOS DA USUCAPIÃO NÃO DEMONSTRADOS. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO. INAPLICABILIDADE DA SUCUMBÊNCIA RECURSAL. Não há falar em cerceamento de defesa, eis que o autor, via procuradora constituída, foi intimado para arrolar as provas que pretendia produzir, mas permanecendo inerte. No mérito, não demonstrado o preenchimento dos requisitos contidos no artigo 1.239 do Código Civil, face inércia probatória do autor. Sentença de improcedência mantida. Incabível a fixação de sucumbência recursal, à medida que só é possível majorar o que existe. Não houve fixação de honorários advocatícios na origem, em face à ausência de polo passivo. NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO DE APELAÇÃO.(Apelação Cível, Nº 70083548651, Décima Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Eduardo João Lima Costa, Julgado em: 20-02-2020) – grifei.

Ademais, o deferimento ou não de determinada prova está condicionado a critérios de conveniência e utilidade, cabendo ao Magistrado decidir quais as provas necessárias à formação de sua convicção.

Assim, rejeito a preliminar arguida.

No mérito, pretende a parte apelante o reconhecimento da nulidade da doação em razão da incapacidade dos doadores.

Acerca dos requisitos de validade do negócio jurídico, preconiza o artigo 104 do CC:

Art. 104. A validade do negócio jurídico requer:

I - agente capaz;

II - objeto lícito, possível, determinado ou determinável;

III - forma prescrita ou não defesa em lei.

Em comentários ao referido dispositivo de lei, Arnaldo Rizzardo...

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