Acórdão nº 50001784820208210050 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Oitava Câmara Cível, 27-06-2022

Data de Julgamento27 Junho 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50001784820208210050
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001685779
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

18ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5000178-48.2020.8.21.0050/RS

TIPO DE AÇÃO: Doação

RELATOR: Desembargador JOAO MORENO POMAR

APELANTE: EMA DOS ANJOS (AUTOR)

APELADO: EDITE EVA REBESCHINI (RÉU)

APELADO: NADIR LUIZ REBESCHINI (RÉU)

RELATÓRIO

EMA DOS ANJOS apela da sentença que julgou a ação de anulação de doação que promove em face de EDITE EVA REBESCHINI E NADIR LUIZ REBESCHINI, assim lavrada:

1. RELATÓRIO

EMA DOS SANTOS, qualificada nos autos, ajuizou ação Ação Declaratória de Nulidade ou Anulação de Doação em face de EDITE EVA REBESCHINI e NADIR LUIZ REBESCHINI, igualmente qualificados. Asseverou, em síntese, que vivia em uma relação estável João Luiz Rebeschini, sogro e pai dos requeridos, com matrimônio religioso contraído no dia 30/05/2001,. Após, o casal iniciou a moradia no imóvel de propriedade do Sr. João, localizado na cidade de Sertão/RS, ao lado dos terrenos doados. Em 29/07/2011 seu companheiro faleceu e ela permaneceu no imóvel, sendo que era o único imóvel que possuíam. Aduziu que no dia 02/08/2011 os herdeiros do falecido firmaram termo de partilha amigável e acordaram que a autora continuaria residindo no imóvel, firmando, no ato, termo de comodato e, ainda, se comprometeram a cuidar da parte requerente, pois ela nao tinha nenhum herdeiro e em troca, ela deixaria os únicos bens imóveis que possuía, dois terrenos, localizados na cidade de Sertão/RS. Após o falecimento de seu companheiro, a requerente passou a apresentar quadro de depressão, fazendo tratamento por meio de uso de medicação contínua, desde 26/09/2011 e passou a residir na casa dos requeridos, sendo que a requerida Edite é sua irmã. No entanto, na data de 25/08/2016, os bens imóveis de propriedade da requerente, foram doados aos requeridos, contrariando o termo de comodato. Sustentou que a requerida é pessoa idosa e na época sofria de depressão profunda, precisando dos cuidados de sua irmã, que agiu de má-fé indo ainda contra os interesses dos demais cunhados que deveriam partilhar os imóveis, portanto, entende a autora que a doação merece ser anulada, pois foi praticada por pessoa que não possuía condições práticas para atos da vida civil na época e que já havia um comprometimento cognitivo da doadora, ao tempo da celebração do respectivo negócio, o que justifica a respectiva anulação. Discorreu acerca do direito que embasa sua pretensão. Ao final, pleitou pela procedência da demanda. Postulou que por conta da existência de reserva de usufruto, que liminarmente, sejam os requeridos notificados a deixar o imóvel restituindo a posse à requerente, sob pena de fixação de multa diária. Requreu a assistência judiciária gratuita. Juntou procuração e documentos (evento 01).

A autora apresentou emenda à inicial, juntando mais documentos à demanda (evento 03).

Recebida a inicial, concedido o benefício da gratuidade da justiça à autora e indeferido o pedido de tutela de urgência (evento 04).

Os réus foram citados (eventos 09 e 10) e contestação (evento 13). Aduziram que em que pese a requerente tente chamar atenção para sua relação com seu falecido companheiro e os filhos dele, a doação que ora se pretende anular tem a ver única e exclusivamente com a relação com sua irmã, esposa de um dos filhos de seu falecido companheiro. Alegaram que após o companheiro da requerente falecer, a autora residiu por um longo tempo com sua irmã e seu cunhado, ora requeridos, que sempre cuidaram da requerente, cuidado que se deu por conta da relação familiar existente. Alegaram que toda a atenção, carinho e cuidado, nunca foi tida pelos requeridos como obrigação e a autora, por livre e espontânea vontade, saiu da casa dos requeridos em razão de ter encontrado um novo companheiro. No entanto, em razão da boa convivência com os requeridos, realizou a doação em questão com reserva de usufruto, sem nenhum outro encargo, decidindo por sua livre e espontânea vontade realizar doação do seu imóvel a sua irmã, ora requerida. Asseveraram que a doação é posterior ao termo de partilha amigável mencionado, sendo que todos respeitaram a vontade da requerente que revogou tal ato de forma automática com a doação realizada, o que é indiscutível, pois viva estava e está. Sustentaram que na época da doação a requerente já vivia em união estável com seu atual companheiro, por opção sua, portanto, mostra-se um tanto contrária a alegação de que não tinha condições de praticar atos da vida civil, por sofrer depressão, ao contrário, tal fato por si só, demonstra que era lúcida e conseguia administrar seu patrimônio. Aduziram que a escritura foi realizada por vontade da requerente e a pedido desta, por tabelião atestando que ao tempo dos negócios jurídicos a mesma estava em perfeito estado físico e mental e que os requeridos não cometeram nenhum ato de ingratidão contra a autora, pois formavam com a requerente uma unidade familiar afetiva. Apresentaram rol de testemunhas. Ao final, requereram que a parte autora traga aos autos extrato de sua conta poupança junto ao banco Banrisul ao tempo da doação e/ou seja oficiado o banco para que junte aos autos extratos da conta da autora, a fim de comprovar a má-fé alegada. Pleitearam pela improcedência da demanda. Juntaram documentos.

A autora apresentou réplica à contestação (evento 17).

Deferido o pedido da parte ré, para a parte autora apresentar aos autos os extratos bancários. Designada audiência de instrução. Indeferido o pedido de expedição de carta precatória para a oitiva de testemunha, requerido pelos réus (evento 20).

A parte ré juntou aos autos comprovantes de intimação das testemunhas arroladas (evento 25).

A parte autora informou que diligenciou junto a Agência da cidade de Sertão/RS para obtenção de extratos bancários, sendo-lhe informado que a Agência possui informações apenas dos últimos 24 meses, portanto se faz necessário a busca de pesquisa na sede do banco (evento 27).

Realizada audiência de instrução, sendo colhido o depoimento pessoal da autora, bem como ouvidas testemunhas arroladas por ambas as partes (evento 28).

Sobreveio aos autos extratos da conta da autora (eventos 31 e 35).

Os réus aduziram que os documentos que foram juntados no evento 35, confirmaram o informado em contestação, bem como a resistência injustificada da parte autora em juntá-los aos autos quando intimado a fazê-lo (evento 42).

As partes apresentaram memoriais nos eventos 49 e 50.

Após vieram os autos conclusos para sentença.

É o relatório. Decido.

2. FUNDAMENTAÇÃO

Sem preliminares a serem dirimidas, passo ao enfrentamento direto do mérito da demanda.

Sobre a validade do negócio jurídico, o art. 104 do Código Civil prevê:

Art. 104. A validade do negócio jurídico requer:

I - agente capaz;

II - objeto lícito, possível, determinado ou determinável;

III - forma prescrita ou não defesa em lei.

Nesse sentido, o art. 171 do Código Civil dispõe as situações em que o negócio jurídico será anulável:

Art. 171. Além dos casos expressamente declarados na lei, é anulável o negócio jurídico:

I - por incapacidade relativa do agente;

II - por vício resultante de erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão ou fraude contra credores.

No caso dos autos, a autora busca a anulação da doação dos bens imóveis de matrículas n.ºs 4.267 e 1.457, do CRI de Sertão/RS, com posterior fusão para a matrícula n.º 4.269, realizada em favor dos réus, sob argumento de que é pessoa idosa e na época sofria de depressão profunda, necessitando dos cuidados da irmã, que agiu de má-fé indo ainda contra os interesses dos demais cunhados que deveriam partilhar os imóveis.

Logo, cumpre verificar se a versão apresentada na inicial resta amparada pela prova dos autos.

Ao exame da prova oral, temos o seguinte:

Em seu depoimento pessoal, a parte autora EMA DO SANTOS declarou que seu atual companheiro, Sr. Carlos, foi morar com ela por alguns meses e depois ele construiu a sua própria residência. Disse que comentavam que seu companheiro era "aleijado", pois tinha as pernas machucadas e que algumas pessoas jogaram Sr. Carlos na rua, pois não queriam que ele morasse com a declarante. referiu que foi viver com Sr. Carlos por livre e consciente vontade e que seu quadro mais profundo de depressão já havia passado nessa época. Falou que tomava remédios quando foi morar com Carlos, porém estava bem melhor. Atualmente, continua tomando os remédios, pois são de uso contínuo.

A testemunha ADAIR DE SOUZA DA SILVA declarou em juízo que conhece a autora há aproximadamente quinze anos, inclusivo quando ela convivia com João Luiz. Tem conhecimento de que o terreno que ela morava fica localizado numa esquina. A autora cuidava do aludido terreno quando estava com o seu antigo marido, porém de quatro anos para cá não cuida mais do imóvel. Sabe que a autora não pode usar o terreno atualmente, pois ele está sendo utilizado para plantio. Após o falecimento de João Luiz, a autora ficou muito doente e ficou na casa de sua irmã Edite, ora requerida, por aproximadamente quinze dias, período em que os réus começaram a utilizar o terreno. Após o término no quadro profundo de depressão, a autora não pode utilizar o terreno. Sabe que tem milho e mandioca plantados no imóvel. Não avistou os réus atendendo a autora nos últimos quatro anos.

A testemunha GUSTAVO FRANZON declarou em juízo que fez uma escritura pública de doação e quem lhe procurou para realizar tal trabalho foi a própria doadora, ora autora, a qual estava em perfeitas condições, sendo realizada a doação de forma livre e espontânea pela parte autora, sendo que do contrário, nem poderia ter lavrado a escritura de doação. Para iniciar a doação a parte autora foi sozinha até o cartório, levando os documentos necessários e para retirar uma guia de...

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