Acórdão nº 50001827920158210044 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Quarta Câmara Cível, 24-03-2022

Data de Julgamento24 Março 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação / Remessa Necessária
Número do processo50001827920158210044
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoQuarta Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001379137
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

4ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação/Remessa Necessária Nº 5000182-79.2015.8.21.0044/RS

TIPO DE AÇÃO: Adicional de horas extras

RELATOR: Desembargador ALEXANDRE MUSSOI MOREIRA

APELANTE: CELSON WATHIER (AUTOR)

APELADO: MUNICÍPIO DE ROCA SALES (RÉU)

RELATÓRIO

Trata-se de de apelação cível interposta por CELSON WATHIER, nos autos da ação ordinária manejada em face do MUNICÍPIO DE ROCA SALES, da sentença (Evento 3, SENT12, Página 1/6) que julgou improcedente o pedido de condenação do réu ao pagamento de horas extras laboradas e não adimplidas, férias em dobro, indenização pelos danos morais e materiais experimentados em razão de doença laboral, cuja parte dispositiva restou redigida nos seguintes termos:

Diante do exposto, com fulcro no art. 487, inciso I, do Código de Processo Civil/2016, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos formulados pelo autor em face do MUNICÍPIO DE ROCA SALES.

Das custas processuais e honorários advocatícios.

Condenado a parte autora ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, estes fixados em R$ 750,00, considerando os parâmetros delineados pelo §2º do art. 85 do CPC/2015, de acordo com o disposto no §8º do mesmo dispositivo legal. No entanto, suspendo a exigibilidade e sucumbência, face a concessão da AJG.

O autor, em suas razões de apelo (Evento 3, APELAÇÃO13, Página 1/15, na origem) alega que tem direito ao recebimento de horas extras laboradas e não adimplidas, visto que a prova produzida demonstra o desempenho de jornada de trabalho superior a 08 horas diárias, mediante convocação de seus superiores, não havendo, de outro lado, comprovação do correto adimplemento das horas extraordinárias. Sustenta nunca ter sido comunicado, com antecedência mínima de 15 dias, da concessão de suas férias, na forma exigida pelo art. 103 da Lei Municipal nº 802/2007, devendo, assim, ser indenizado pelo ilícito praticado pelo réu. Entende que é devido o recebimento, em dobro, dos períodos de ferias vencidos e não gozados, na forma autorizada pelo §2º do art. 102 da Lei Municipal nº 802/2007. Aduz que deve ser indenizado pelos danos morais e materiais decorrentes da doença laboral desenvolvida em razão do desempenho das atribuições do cargo de Pedreiro, ocupado junto ao ente público demandado, evidenciado pela prova pericial e testemunhal produzida. Pugna pelo provimento do apelo.

Apresentadas as contrarrazões (Evento 19, na origem), os autos foram remetidos para a superior instância.

Com parecer lançado pelo Ministério Público (Evento 18), nesta instância recursal, vieram os autos, conclusos, para julgamento.

É, em síntese, o relatório.

VOTO

O apelo deve ser conhecido, pois atendidos os requisitos de admissibilidade.

Conforme se infere dos autos, o autor, ora apelante, servidor público vinculado ao Município de Roca Sales e ocupa o cargo efetivo de Operário, desde o ano de 2002.

A Administração pública está vinculada ao princípio da legalidade, estando adstrita à observância da lei, nos termos do art. 37, caput, da CF, não podendo se afastar dessa regra, sob pena de praticar ato inválido e expor-se à responsabilidade civil ou criminal conforme o caso, conforme leciona CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO (Curso de Direito Administrativo, 5ª ed., São Paulo: Malheiros, 1994, p. 52):

O princípio da legalidade, no Brasil, significa que a Administração nada pode fazer senão o que a lei determina.

Ao contrário dos particulares, os quais podem fazer tudo o que a lei não proíbe, a Administração só pode fazer o que a lei antecipadamente autorize. Donde, administrar é prover aos interesses públicos, assim caracterizados em lei, fazendo-o na conformidade dos meios e formas nela estabelecidos ou particularizados segundo suas disposições. Segue-se que a atividade administrativa consiste na produção de decisões e comportamentos que, na formação escalonada do direito, agregam níveis maiores de concreção ao que já se contém abstratamente nas leis.

Nessa perspectiva, o princípio da legalidade é a base de todos os demais primados que instruem, limitam e vinculam as atividades administrativas, sendo que a Administração só pode atuar conforme a lei. Nesse sentido também leciona HELY LOPES MEIRELLES (Direito Administrativo Brasileiro, 25ª ed., São Paulo, Malheiros, pág. 82):

A legalidade, como princípio de administração (CF, art. 37, caput), significa que o administrador público está, em toda a sua atividade funcional, sujeito aos mandamentos da lei e às exigências do bem comum, e deles não se pode afastar ou desviar, sob pena de praticar ato inválido e expor-se a responsabilidade disciplinar, civil e criminal, conforme o caso.

A eficácia de toda atividade administrativa está condicionada ao atendimento da Lei e do Direito. É o que diz o inc. I do parágrafo único do art. da lei 9.784/99. Com isso, fica evidente que, além da atuação conforme à lei, a legalidade significa, igualmente, a observância dos princípios administrativos.

, na origem)Na Administração Pública não há liberdade nem vontade pessoal. Enquanto na administração particular é lícito fazer tudo que a lei não proíbe, na Administração Pública só é permitido fazer o que a lei autoriza. A lei para o particular significa “poder fazer assim”; para o administrador público significa “deve fazer assim’.

Assim, nenhuma vantagem pecuniária pode ser percebida pelo servidor público estatutário sem a correspondente lei que lhe dê amparo, em atenção ao princípio da legalidade. O campo de aplicação e os limites impostos aos benefícios concedidos devem ser depreendidos da lei, tendo o administrador dever de observá-la.

O autor ocupa o cargo efetivo de Operário junto ao Município de Roca Sales. Portanto, o vínculo do autor com a Administração Pública é de natureza estatutária, devendo, assim, observar as disposições do Regime Jurídico Único dos Servidores Públicos do Município.

A Lei Municipal nº 802/2007, que dispõe acerca do Regime Jurídico dos Servidores Públicos do Município de Roca Sales, em seu art. 571, prevê a necessidade de autorização expressa da autoridade competente para a prestação do serviço extraordinário, porém, considerando que as fichas financeiras juntadas (Evento 3, CONT E DOCS4, Página 67/95, na origem) dão conta do pagamento de horas extras, bem como que os relatórios de frequência carreados (Evento 3, CONT E DOCS4, Página 96/149, na origem) evidenciam o labor extraordinário, resta, assim, caracterizada a anuência tácita da Administração.

A prova oral produzida é uníssona quanto à ciência da Administração da realização de horas extras. Assim, considerando que o próprio réu não refuta o labor extraordinário, limitando-se a argumentar que não houve expressa determinação prévia convocação por parte da autoridade competente, não há como acolher a tese de inexistência desta, devendo ser considerada como autorizada, ainda que tacitamente.

A jurisprudência desta Corte tem admitido que a exigência de expressa autorização para o labor extraordinário seja superada quando o autor comprovar a habitualidade da realização de horas extras, conforme precedentes desta Câmara:

APELAÇÃO CÍVEL E REEXAME NECESSÁRIO. SERVIDOR MUNICIPAL. MUNICÍPIO DE PASSO FUNDO. PAGAMENTO DE HORAS EXTRAS. AUSÊNCIA DE AUTORIZAÇÃO EXPRESSA DA AUTORIDADE COMPETENTE. PRESCINDIBILIDADE. PRINCÍPIOS DA PRIMAZIA DA REALIDADE E DA PROIBIÇÃO DO ENRIQUECIMENTO ILÍCITO. ANUÊNCIA TÁCITA. PRECEDENTES. 1. Hipótese em que a prova judicial produzida demonstrou, de modo incontroverso, o desempenho de jornada extraordinária pela parte autora (servidor investido no cargo de agente fiscal urbano do Município de Passo Fundo). 2. Em atenção ao princípio que veda o enriquecimento ilícito, bem como ao princípio da primazia da realidade, sedimentou-se, nesta C. Câmara Cível, a compreensão de que “a exigência de autorização formal da chefia para a realização de serviço extraordinário – nos termos das respectivas legislações de regência - é passível de relativização quando a parte logra comprovar a habitual realização das horas extras, permitindo concluir pela autorização tácita” (Apelação Cível nº 70082001090). Orientação aplicável ao caso concreto. 3. Ação julgada procedente na origem. APELAÇÃO DESPROVIDA. SENTENÇA MANTIDA EM REEXAME NECESSÁRIO. (Apelação Cível, Nº 70082388133, Quarta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Eduardo Uhlein, Julgado em: 27-11-2019)

APELAÇÃO CÍVEL. SERVIDOR PÚBLICO. MUNICÍPIO DE SOLEDADE. CONTRATO TEMPORÁRIO DE TRABALHO. AÇÃO DE COBRANÇA. HORAS EXTRAS. AUTORIZAÇÃO TÁCITA DA AUTORIDADE COMPETENTE PARA A REALIZAÇÃO DE HORAS EXTRAORDINÁRIAS. COMPROVADO O TRABALHO NOTURNO ATRAVÉS DE PERÍCIA CONTÁBIL. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS REDUZIDOS, EM OBSERVÂNCIA AO ART. 85, § 2º, DO CPC. DERAM PARCIAL PROVIMENTO AO APELO. UNÂNIME. (Apelação Cível, Nº 70077410876, Quarta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Alexandre Mussoi Moreira, Julgado em: 25-09-2019)

APELAÇÃO CÍVEL. SERVIDOR PÚBLICO. MUNICÍPIO DE ENCRUZILHADA DO SUL. HORAS EXTRAS. REGIME DE COMPENSAÇÃO. LEI MUNICIPAL Nº 2.405/06. Demonstrada a realização do serviço extraordinário com autorização tácita da administração e a incompatibilidade do sistema de compensação alegadamente adotado pelo Município aos termos da lei de regência, pela ausência de acordo escrito ou mesmo de demonstração do gozo da compensação, são devidas as diferenças de horas extras. APELAÇÃO PROVIDA. (Apelação Cível, Nº 70082247917, Quarta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Francesco Conti, Julgado em: 28-08-2019)

APELAÇÃO CÍVEL. REEXAME NECESSÁRIO. SERVIDOR PÚBLICO. MUNICÍPIO DE PASSO FUNDO. HORAS EXTRAS LABORADAS E PAGAS A MENOR. AUTORIZAÇÃO TÁCITA DA AUTORIDADE. DESVIO DE FUNÇÃO. CARGO DE OPERÁRIO E MOTORISTA. COMPROVAÇÃO...

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