Acórdão nº 50001924220188210134 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Terceira Câmara Cível, 26-05-2022

Data de Julgamento26 Maio 2022
ÓrgãoTerceira Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50001924220188210134
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002000103
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

3ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5000192-42.2018.8.21.0134/RS

TIPO DE AÇÃO: Padronizado

RELATORA: Desembargadora MATILDE CHABAR MAIA

APELANTE: ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RÉU)

APELADO: MARLI TERESINHA BRIXNER WAIDE (AUTOR)

RELATÓRIO

Trata-se de apelação cível interposta por ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL em face da sentença do evento 3, processo judicial 3, fls. 13-20, dos autos de primeiro grau, que julgou procedente o pedido formulado por MARLI TERESINHA BRIXNER WAIDE, nos seguintes termos:

Diante do exposto, nos termos do art. 487, I do CPC, JULGO PROCEDENTE o pedido formulado por MARLI TERESINHA BRXINER WAIDE na ação ordinária que ajuizou em face do ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL e MUNICÍPIO DE SOBRADINHO/RS para DETERMINAR que os requeridos, solidariamente, forneçam à parte autora o medicamento "RITUXIMABE, em suas versões de 500 E 100 MG" na quantidade e periodicidade prescrita, enquanto perdurar a necessidade, pelo que torno definitivos os efeitos da decisão que deferiu a tutela de urgência, devendo o autor apresentar receita atualizada, sempre que lhe for exigida administrativamente.
Deixo de condenar o estado do Rio Grande do Sul ao pagamento de honorários advocatícios em favor da FADEP, pelos motivos acima expostos.
Condeno, contudo, o Município de Lagoão/RS ao pagamento de honorários advocatícios a serem recolhidos em favor da FADEP, que fixo no valor de R$ 300,00 (trezentos reais), considerando a natureza singela da causa, o trabalho desenvolvido, e o fato de ser sucumbente a Fazenda Pública Municipal, nos termos da Lei ns 13.471/2010.
(...). Assim, restam dispensados os demandados ao pagamento das custas processuais, mantendo-se a obrigação do Município e do Estado ao pagamento apenas das despesas judiciais, nos termos do art. 6º, "c", da Lei nº 8.121/85.
Não é caso de reexame necessário, uma vez que a sentença é fundada em jurisprudência do STF, conforme art. 496, § 3º, do CPC.

O Município informou que não interporia apelação (evento 3, processo judicial 3, fl. 24, dos autos de origem).

Em suas razões (evento 3, processo judicial 3, fls. 31-36, dos autos de primeiro grau), o Estado alega que não pode ser responsabilizado pelo fornecimento de medicamentos ou tratamentos não disponibilizados no âmbito da saúde pública, sobretudo quando a prestação é de alto custo. Aduz que o art. 196 da Constituição da República, ao mesmo tempo que assegura a todos o direito à saúde, estabelece que essa garantia se dará por meio de políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doenças e ao acesso universal igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

Salienta que o deferimento de medicamentos, independente das listas previstas pelo Ministério da Saúde e do custo, cria um círculo vicioso pois impossibilita o poder público de adquirir medicamentos já previstos, obrigando os usuários dos serviços de saúde a ajuizarem mais demandas.

Nega tenha função de execução quanto ao fornecimento do fármaco postulado, uma vez que cada ente cumpre funções e competências específicas e articuladas entre si, caracterizando os três níveis de gestão. Aduz que a alocação de recursos para o atendimento de responsabilidades que não são suas implica desvio de recursos que seriam usados para cumprir as obrigações que são efetivamente suas.

Assevera que o entendimento relativo à solidariedade entre os entes federados no atendimento à saúde tem sido utilizado para afastar as competências estabelecidas no SUS e prejudica a população, pois ignora a organização estabelecida pelo Poder Executivo para garantir o melhor atendimento de saúde aos administrados com a eleição de prioridades. Destaca que a Constituição não vedou a possibilidade de o Poder Executivo estabelecer prioridades e de distribuir competências equitativamente para garantir o direito à saúde.

Subsidiariamente, ressalta que, em razão dos efeitos tóxicos da medicação pleiteada, o tratamento pode ser suspenso antes do fim, segundo os peritos da Secretaria de Saúde, devendo ser deferido o tratamento por ciclos e não na sua integralidade.

Requer o provimento do recurso.

A parte recorrida apresentou contrarrazões (evento 10 dos autos de primeiro grau), pugnando pela manutenção da sentença.

Nesta instância, manifestou-se o Ministério Público pelo improvimento do apelo, em parecer do ilustre Procurador de Justiça, Dr. Ricardo Alberton do Amaral (evento 7).

Vieram os autos conclusos para julgamento.

É o relatório.

VOTO

Eminentes Colegas.

A autora padece de linfoma folicular (CID10 C 82.9), passou por protocolos de tratamento padrão e necessita de manutenção, por dois anos, com o fármaco rituximabe 500mg/50ml e 100mg/10ml, cujo custo mensal supera R$ 8.000,00.

Por não ter condições de arcar com os custos do tratamento, ajuizou a presente ação contra o Estado e o Município de Sobradinho postulando o fornecimento do medicamento.

Julgada procedente a demanda, recorre o Estado.

Cumpre afirmar que ao Poder Público cabe o dever de fornecer gratuitamente tratamento médico a pacientes necessitados, conforme arts. e 196 da Constituição Federal:

Art. 6º. São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.

Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

Cabe salientar que a norma constante no artigo 196 da Carta Magna não é meramente programática, pois há que ser alcançado o conteúdo político das normas constitucionais, garantidoras do direito fundamental à saúde.

Tenho que não se possa reservar maior peso a princípios de Direito Financeiro que, por força do princípio da proporcionalidade, devem ceder. Tal entendimento corresponde à verdadeira efetivação do Estado Democrático de Direito.

A proteção à inviolabilidade do direito à vida – bem fundamental para o qual deve o Poder Público direcionar suas ações – deve prevalecer em relação a qualquer outro interesse, já que sem ela os demais interesses socialmente reconhecidos não possuem o menor significado ou proveito.

Na lição de Alexandre de Moraes,

a Constituição da República consagra ser a Saúde direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou por meio de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado (CF, art. 197). (in Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional”, 2ª ed., São Paulo: Atlas, pp. 1926).

Ademais, como reiteradamente venho decidindo, as ações e os serviços públicos de saúde, preconiza a Magna Carta em seu artigo 198, integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único organizado, financiado com recursos do orçamento da seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de outras fontes.

A responsabilidade da União, Estados e Municípios é integral e conjunta, decorrendo diretamente do art. 23, II, da Magna Carta e do art. 241 da CERS/89, o que foi ratificado quando do julgamento do Tema 793 pelo STF. Assim, pode a parte autora escolher contra quem ajuizará a demanda.

A Lei Federal nº 8.080/90, que dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências, não exclui a competência conferida pela Constituição Federal aos entes federados quanto às ações e serviços de saúde, mas ao contrário,...

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