Acórdão nº 50001945020158210123 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Nona Câmara Cível, 08-04-2022

Data de Julgamento08 Abril 2022
ÓrgãoDécima Nona Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50001945020158210123
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001554252
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

19ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5000194-50.2015.8.21.0123/RS

TIPO DE AÇÃO: Nota promissória

RELATORA: Desembargadora MYLENE MARIA MICHEL

APELANTE: EDSON SIEBERT (EMBARGANTE)

APELADO: OTTO ALBERTO BARTH (EMBARGADO)

RELATÓRIO

Trata-se de Apelação Cível interposta por EDSON SIEBERT em face da sentença proferida nos Embargos à Execução opostos em face de OTTO ALBERTO BARTH, e cujo dispositivo transcrevo (Evento 9, da origem):

Diante do exposto, na forma do art. 487, inciso I, e art. 920, inciso III, do CPC, julgo parcialmente procedentes os embargos à execução aforados por EDSON SIEBERT em face de OTTO ALBERTO BARTH, para em relação ao débito executado, limitar os juros de mora em 12% ao ano, vedada a capitalização mensal, mantendo-se os demais critérios de correção e atualização do débito que embasam a execução.

Considerando a sucumbência recíproca, a qual doso em 80% para a parte embargante e 20% para a parte embargada, condeno ambas as partes ao pagamento das custas e despesas processuais, na proporção citada, e condeno a parte embargante ao pagamento dos honorários advocatícios da parte adversa, fixados em 15% sobre o valor da causa, diante do trabalho despendido, da natureza da causa e da dilação probatória. Outrossim, condeno a parte embargada ao pagamento dos honorários advocatícios da parte autora, fixados em 15% sobre o valor do excesso a ser apurado, com base no art. 85, §2º, do CPC.

Vedada a compensação de honorários, nos termos do art. 85, § 14, do CPC.

Sentença publicada e registrada pelo sistema.

Partes intimadas eletronicamente.

Com o trânsito em julgado, dê-se baixa eletrônica.

Em suas razões recursais (Evento 13, da origem), o apelante, em apertada síntese, sustenta que: a) a nota promissória é um título cambiário em que o credor assume a obrigação de pagar o valor correspondente no título, sendo cabível, no entanto, a discussão da causa debendi quando a nota promissória que embasa a execução não circulou, estando ainda relacionado ao negócio jurídico firmado entre as partes; b) o início da relação ocorreu em 16/02/2008, tendo o embargado /apelado emprestado ao embargante/apelante a quantia de R$ 30.000,00 (trinta mil reais), com a cobrança onzenária de juros de 2% ao mês; c) em depoimento pessoal o embargado/apelado refere que emprestou naquela época R$ 15.000,00, em dinheiro, e mais 1.000 sacas de soja, e lembra que tinha R$ 48.000,00. No entanto, a Nota Promissória é de R$ 84.000,00; d) se tratando de cheques ou notas promissórias, a jurisprudência admite a discussão de sua causa, se demonstrado fortes indícios de abusos em sua renegociação, como no caso em comento, que, desde o início da relação foram cobrados juros onzenários de 1,5% ao mês, que a respeitável sentença reconheceu como onzenários, mas só a partir da emissão da nota promissória, ignorando a relação anterior de empréstimo em dinheiro havida entre as partes, com a cobrança de juros de 1,5% ao mês, como restou devidamente comprovado nos autos; e) deverão ser abatidos do montante do débito os valores dos cheques resgatados, apurando-se o saldo devedor na data do vencimento da nota promissória (15/11/20120). Forte nesses argumentos, pugna pela reforma da sentença, de modo a admitir que a relação jurídica de empréstimo de dinheiro foi garantida pelos cheques nominais emitidos em favor do credor, com a redução dos juros ao limite legal, bem como abatidos sobre o débito os cheques já quitados.

Apresentadas contrarrazões (Evento 15, da origem), o apelada protestou pela manutenção da sentença e a condenação da parte apelante ao pagamento de multa por litigância de má-fé.

Vieram conclusos para julgamento.

Realizado pedido de sustentação de argumentos pela parte apelante (Evento 11), o mesmo foi indeferido, pois intempestivo, nos termos do § 2º do art. 248 do Regimento Interno deste Tribunal.

É o relatório.

VOTO

Conheço da Apelação Cível interposta, porquanto preenchidos os requisitos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade aplicáveis à espécie.

Cuida-se, na origem, de Ação de Execução de Título Extrajudicial ajuizada por Otto Alberto Barth em desfavor de Edson Siebert, amparada por Nota Promissória no valor de R$ 84.800,00.

Citado, o executado apresentou Embargos à Execução, noticiando que as partes ajustaram um empréstimo de dinheiro, inicialmente, no valor de R$ 30.000,00, em 16.02.2008, com acréscimo de juros de 2% ao mês, capitalizados, e correção monetária pelo IGPM. Em 15.04.2010 emitiu o cheque n. 851161, do Banco do Brasil S/A, em favor de Otto para garantir a obrigação, no valor de R$ 55.000,00, cujo valor foi apurado após a elaboração de cálculo, obedecendo o percentual de juros de 2% ao mês, mais a correção monetária de IGPM. Refere que em 30.03.2011, emitiu o cheque n. 35.010392.0-5, no valor de R$ 25.000,00, de modo a amortizar a obrigação referente ao valor de R$ 55.000,00, o qual foi resgatado diretamente com o exequente/embargado, em 15.04.2011, quando a conta já somava o valor de R$ 77.389,76, restando um saldo devedor de R$ 52.389,76. Informa que em 13.07.2012, o exequente/embargado procurou novamente o executado/embargante para prorrogar o vencimento da dívida, pelo valor de R$ 84.800,00, com vencimento em 15.11.2012, com acréscimo de juros de 2,05843% ao mês, capitalizados, e correção monetária pelo IGPM. Sustenta que a prática de juros superior a 12% ao ano é abusiva. Alega que já cumpriu integralmente com sua obrigação, contudo, a prática abusiva retirou o equilíbrio entre as partes.

A parte embargada, por sua vez, apresentou impugnação, alegando, em suma, que os embargos são manifestamente protelatórios e nada há para desconstituir o débito representado pela Nota Promissória. Disse que o embargante age de má-fé, alterando a verdade dos fatos para se furtar ao pagamento da obrigação. Defendeu a regularidade do título, que não foi impugnado pela parte embargante, bem como dos encargos cobrados. Disse que jamais esteve na posse das cártulas de cheques acostadas aos autos.

Como visto, o DD. Magistrado de origem julgou procedente, em parte, os embargos à execução para limitar os juros de mora incidentes sobre a Nota Promissória.

O recurso devolve a este Egrégia Corte a apreciação e o julgamento de todas as matérias suscitadas na petição inicial.

Sem preliminares a apreciar, passo ao exame do recurso.

Reza o art. 914 do CPC que "O executado, independentemente de penhora, depósito ou caução, poderá se opor à execução por meio de embargos".

Deflui da interpretação do art. 917, I e VI, do mesmo diploma legal, o executado pode suscitar, além da inexequibilidade do título ou da inexigibilidade da obrigação, qualquer matéria que lhe seria lícito deduzir em processo de conhecimento:

"Art. 917. Nos embargos à execução, o executado poderá alegar:

I - inexequibilidade do título ou inexigibilidade da obrigação;

II - penhora incorreta ou avaliação errônea;

III - excesso de execução ou cumulação indevida de execuções;

IV - retenção por benfeitorias necessárias ou úteis, nos casos de execução para entrega de coisa certa;

V - incompetência absoluta ou relativa do juízo da execução;

VI - qualquer matéria que lhe seria lícito deduzir como defesa em processo de conhecimento."

Sobre esse dispositivo, oportuno o comentário de Nelson Nery Júnior1:

"2. Matéria dos embargos. Na execução fundada em título extrajudicial (CPC 771),o devedor poderá opor embargos (cpc 914), misto de ação e defesa que têm por finalidade a declaração da ineficácia ou a desconstituição do título executivo ou de atos de execução. Como a execução de título extrajudicial não foi precedida de ação de conhecimento, a primeira oportunidade que o devedor tem para defender-se ocorre já na ação de execução ajuizada contra ele. Por essa razão, e em homenagem à garantia constitucional do contraditório e ampla defesa(CF 5º LV), é que, nos embargos, o devedor poderá alegar toda e qualquer matéria que lhe seria lícito deduzir como defesa no processo de conhecimento, conforme redação anterior do CPC/1973, revogado pela L 11382/06. A remissão à possibilidade de o devedor também poder alegar as matérias dos incisos I a V é expletiva, porque desnecessária, motivo pelo qual também nessa parte a reforma da L 11382/06 é atécnica; atecnia que foi reiterada pelo CPC. Da mesma forma, pode o devedor alegar, nos embargos à execução fundada em título extrajudicial, as matérias constantes do CPC 525, §1º."

Pois bem.

Inicialmente, para o deslinde do presente feito, importa ressaltar que a nota promissória corresponde a uma promessa de pagamento, não exigindo condições ou referência a negócio subjacente, em face dos princípios da autonomia, abstração e independência característicos dos títulos de crédito.

Entretanto, a jurisprudência tem, de forma excepcional, reconhecido a possibilidade de discussão acerca da causa debendi, sendo do devedor o ônus de produzir prova capaz de desconstituir o título de crédito.

Nesse sentido:

APELAÇÃO. DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. EMBARGOS À EXECUÇÃO. NOTA PROMISSÓRIA. POSSIBILIDADE DA DISCUSSÃO DO NEGÓCIO JURÍDICO SUBJACENTE. AGIOTAGEM CONSTATADA. 1. As notas promissórias são títulos de crédito abstratos e não causais, presentes todos os seus requisitos essenciais para o exercício do direito do credor. Contudo, cabível a discussão da causa debendi, incumbindo ao devedor a produção da prova capaz de desconstituir o título. 2. Na hipótese dos autos, malgrado a prova restrita aos círculos familiares dos envolvidos, em relação dada entre pessoas interioranas, mas com clara indicação do desequilíbrio entre o valor constante na nota promissória (R$ 30.000,00) e a contraprestação extrajudicialmente pretendida (representada pela...

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