Acórdão nº 50001949720218210104 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Vigésima Quarta Câmara Cível, 23-02-2022

Data de Julgamento23 Fevereiro 2022
ÓrgãoVigésima Quarta Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50001949720218210104
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001689883
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

24ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5000194-97.2021.8.21.0104/RS

TIPO DE AÇÃO: Contratos Bancários

RELATOR: Desembargador FERNANDO FLORES CABRAL JUNIOR

APELANTE: PEDRO FERNANDES (AUTOR)

APELADO: BANCO PAN S.A. (RÉU)

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação interposto por PEDRO FERNANDES em face da sentença que julgou improcedente a pretensão deduzida na ação declaratória de inexigibilidade de débito c/c indenizatória por danos morais ajuizada contra BANCO PAN SA (Evento 31), cujo dispositivo foi redigido nos seguintes termos:

“[...]. ANTE O EXPOSTO, julgo improcedente o pedido e extingo o feito com base no art. 487, I, do CPC.

Sucumbente, condeno a parte autora ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, estes fixados em R$ 2.500,00, nos termos do art. 85, § 2º, do CPC, restando suspensa a cobrança em face da AJG já deferida no Evento 3.

Havendo apelação, nos termos do disposto no art. 1.010, § 1º, do CPC, sem juízo de admissibilidade, intime-se a parte adversa para contrarrazões, em quinze dias. Em seguida, na forma disposta no § 3º do referido artigo, remetam-se os autos ao Egrégio Tribunal de Justiça do Rio

Grande do Sul.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Em suas razões recursais, a parte apelante pleiteia, preliminarmente, a dispensa do recolhimento da guia de preparo, visto que é beneficiária da gratuidade de justiça. Alega que o público alvo do réu é formado por cidadãos leigos, não conhecedores dos parâmetros técnicos utilizados pelas instituições financeiras. Destaca não ter sido o montante da dívida diminuído pelos descontos efetuados em seu benefício, os quais abatem apenas encargos, tornando o débito impagável. Afirma não ter solicitado ou utilizado o cartão de crédito. Aponta ser evidente sua desvantagem no contrato em tela, dado os juros muito superiores ao empréstimo consignado. Defende ter sido induzido ao erro ao contratar produto bancário diverso ao almejado. Informa ter ocorrido cobranças de serviços não contratados, tornando-as ilegais. Requer procedência da demanda a fim de determinar a inexigibilidade e a devolução dos valores. Postula a observância do art. 42 do Código de Defesa do Consumidor, que estabelece a devolução em dobro de serviços cobrados indevidamente. Assevera ser necessária a elaboração de cálculo da condenação na fase de cumprimento, nos moldes dos arts. 523 e 524, §§ 3º a 5º, do CPC. Colaciona jurisprudência alinhada a sua argumentação. Sustenta ser pessoa frágil, idosa e de pouca instrução que teve seus rendimentos previdenciários reduzidos em razão de contrato não intencionalmente firmado. Ressalta estarem os danos morais devidamente demonstrados na fundamentação. Afirma que o réu agiu de forma ilegal e com má-fé, ocasionando danos que superam a esfera dos meros dissabores e causam transtornos de ordem moral. Destaca não terem sido respeitados os princípios da boa-fé objetiva e da transparência. Aponta a ocorrência de dano moral in re ipsa. Menciona que, em razão da reserva de margem consignável, está impossibilitado de obter novos empréstimos. Pleiteia indenização por danos morais, a qual tem também caráter punitivo em relação à conduta do réu. Defende ser direito do consumidor ter conhecimento da origem e da legalidade dos débitos que lhe são cobrados. Pede a condenação do réu ao pagamento de honorários advocatícios no percentual de 20% do valor atualizado da causa e não inferior a R$2.500,00, de acordo com o art. 85, §§ 2º e 8º, do CPC. Requer o provimento do presente recurso a fim de reformar a sentença nos pontos atacados (Evento 37).

Foram apresentadas contrarrazões no Evento 41, nas quais a parte ré manifesta interesse em prequestionar dispositivos legais.

É o relatório.

VOTO

A presente apelação interposta pela parte autora no Evento 37 é tempestiva, pois o prazo para recorrer da sentença iniciou em 22/11/2021 (Evento 33) e findou em 13/12/2021, sendo que o recurso foi interposto no dia 10/12/2021 (Evento 37). Além disso, a parte autora é beneficiária da gratuidade judiciária, sendo dispensada do pagamento do preparo (Evento 3). Dessa forma, considerando que o recurso é próprio, tempestivo e dispensa o preparo, recebo a apelação e passo ao exame da insurgência recursal.

1. GRATUIDADE JUDICIÁRIA.

Quando o benefício da gratuidade judiciária for deferido, a eficácia da sua concessão prevalecerá, independentemente de renovação de seu pedido, em todas as instâncias e para todos os atos do processo, alcançando, inclusive, as ações incidentais ao processo de conhecimento, os recursos, as rescisórias, assim como o subsequente processo de execução e eventuais embargos à execução.

Assim, depois de a justiça gratuita ter sido concedida, ela irá perdurar automaticamente até o final do processo, e só perderá sua eficácia se o juiz ou o Tribunal expressamente revogarem caso haja comprovada alteração da situação econômico-financeira do beneficiário.

Assim, tendo em vista a concessão do referido benefício na decisão do Evento 3 e não havendo a revogação deste, carece a parte recorrente de interesse recursal com relação ao pedido de dispensa do recolhimento do preparo ante o benefício da justiça gratuita, de modo que não merece ser conhecido o recurso neste particular.

2. RESPONSABILIDADE CIVIL DAS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS NAS RELAÇÕES DE CONSUMO. NULIDADE DO CONTRATO DE CARTÃO DE CRÉDITO COM RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL. OCORRÊNCIA.

O Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 3º, § 2º, incluiu expressamente a atividade de natureza bancária, financeira e de crédito no conceito de serviço.

Note-se:

Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.

§ 1° Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial.

§ 2° Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista – grifei.

Nesse contexto, o entendimento atual, tanto na doutrina como na jurisprudência dos Tribunais pátrios, é tranquilo acerca da aplicação do CDC nas operações bancárias, o que restou sumulado pelo Superior Tribunal de Justiça, inclusive:

Súmula nº 297: O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras.

Portanto, a responsabilidade contratual do banco é objetiva, nos termos do art. 14 do CDC, de modo que responde, independentemente de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços.

Reza o art. 14 do CDC:

O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

Trata-se de responsabilidade objetiva fundada na teoria do risco do empreendimento ou da atividade empresarial, segundo a qual, consoante doutrina de Sergio Cavalieri Filho:

(...) todo aquele que se disponha a exercer alguma atividade no mercado de consumo tem o dever de responder pelos eventuais vícios ou defeitos dos bens e serviços fornecidos, independentemente de culpa. Este dever é imanente ao dever de obediência às normas técnicas e de segurança, bem como aos critérios de lealdade, quer perante os bens e serviços ofertados, quer perante os destinatários dessas ofertas. A responsabilidade decorre do simples fato de dispor-se alguém a realizar atividade de produzir, estocar, distribuir e comercializar produtos ou executar determinados serviços. O fornecedor passa a ser o garante dos produtos e serviços que oferece no mercado de consumo, respondendo pela qualidade e segurança dos mesmos1.

Os requisitos, portanto, para a configuração da responsabilidade objetiva são: falha na prestação do serviço, dano e nexo causal.

Nesse tipo de responsabilidade, o fornecedor somente afasta o dever de reparar o dano se provar (ônus seu) a ocorrência de uma das causas que excluem o próprio nexo causal, enunciadas no § 3º do art. 14 do CDC, quais sejam, a inexistência do defeito (falha na prestação do serviço) e a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiros.

No caso concreto, todavia, restou demonstrada falha na prestação do serviço do banco réu, conforme passo a demonstrar.

Compulsando os autos, nota-se que a parte autora ajuizou a presente ação declaratória de inexigibilidade de débito, alegando que lhe foi imposta pelo banco réu a contratação de cartão de crédito consignado quando possuía intenção de pactuar empréstimo consignado. Postulou, em razão do alegado, a declaração de nulidade do contrato de cartão de crédito consignado sobre RMC, bem como, a repetição em dobro do indébito. Alternativamente, pediu a conversão do contrato para empréstimo consignado.

O banco réu, em contestação, sustentou ter sido firmado pela parte demandante contrato de cartão de crédito consignado com autorização para desconto em folha de pagamento, defendendo a validade do negócio jurídico entabulado entre as partes, ao argumento de que a parte autora possuía ciência acerca dos termos da contratação. Requereu a improcedência da demanda.

Pois bem.

Oportuno referir que a reserva de margem consignável (RMC) foi instituída pela Instrução Normativa do INSS/Decreto n° 121, de julho de 2005, sendo por ela também disciplinada, e consiste na consignação futura de descontos e/ou retenções destinados ao pagamento de...

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