Acórdão nº 50001999720218210079 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Vigésima Quarta Câmara Cível, 23-02-2022

Data de Julgamento23 Fevereiro 2022
ÓrgãoVigésima Quarta Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50001999720218210079
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001576869
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

24ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5000199-97.2021.8.21.0079/RS

TIPO DE AÇÃO: Empréstimo consignado

RELATOR: Desembargador FERNANDO FLORES CABRAL JUNIOR

APELANTE: CLEUSA TEREZINHA CORREA DE SOUZA (AUTOR)

APELADO: BANCO BMG S.A (RÉU)

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação interposto por CLEUSA TEREZINHA CORREA DE SOUZA em face da sentença que julgou improcedente a pretensão deduzida na ação declaratória de inexistência de débito com pedido de indenização por danos morais e materiais ajuizada contra BANCO BMG S/A, cujo dispositivo foi redigido nos seguintes termos (Evento 68):

“[...]. Diante do exposto, JULGO IMPROCEDENTE o pedido, o que faço com fundamento nas razões supramencionadas. Pelo princípio da sucumbência, condeno a autora ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, em favor do patrono da parte adversa, fixados em 10% sobre o valor da causa, atualizado somente pelo IGP-M, cuja exigibilidade fica suspensa, pois litiga sob o amparo da gratuidade de justiça.

Ainda, oficie-se ao INSS para fins de informar que a decisão de tutela de urgência foi revogada, devendo dar continuidade aos descontos realizados no benefício previdenciário da autora, nº 064.522.107-4, em favor do BANCO BMG S.A., no valor mensal de R$ 52,00, cuja cobrança é realizada na conta bancária de titularidade da autora, com relação ao contrato de cartão de crédito consignado nº 10701877.

Serve cópia da presente decisão como ofício.

Com o trânsito em julgado, arquive-se com baixa.

Intimem-se.

Em suas razões, a parte apelante pleiteia, preliminarmente, a manutenção da gratuidade de justiça deferida na origem. Sustenta ser aplicável às instituições financeiras o Código de Defesa do Consumidor, de acordo com a Súmula 297 do STJ. Informa que a disponibilização de serviços não contratados configura ato ilícito. Alega ter sido levada a erro pelo banco, dado que acreditava estar contratando empréstimo consignado, não tendo recebido informações adequadas sobre o produto. Demonstra a abusividade na conduta do réu, o qual disponibilizou sem requisição cartão que torna o contrato mais oneroso e não entregou o plástico para uso. Afirma que a ilegalidade na forma de cobrança do débito acarreta a anulação da cláusula que prevê o desconto das parcelas em seu benefício previdenciário. Colaciona jurisprudência alinhada a sua argumentação. Defende que os descontos em relação a empréstimos e cartões de crédito consignados só podem ser feitos quando o consumidor contrata tais serviços. Menciona ter o banco se apropriado de valores de sua margem consignável sem autorização expressa. Argui ter havido venda casada do cartão de crédito consignado, visto que intencionava contratar apenas empréstimo consignado. Alega não haver data limite para os descontos em seu benefício, ensejando perpetuação da cobrança. Requer a declaração de inexistência do débito, cumulada com repetição em dobro dos valores pagos a maior. Afirma ter sofrido danos extrapatrimoniais, pelos quais pede indenização no montante de R$25.000,00. Explica que a indenização por danos morais tem natureza compensatória para a vítima e punitiva para o ofensor. Pleiteia a majoração dos honorários advocatícios nos termos do artigo 85, § 11, do CPC. Postula o provimento do presente recurso a fim de reformar a sentença nos pontos atacados. Requer a condenação do banco ao pagamento das custas judiciais e processuais (Evento 76).

Foram apresentadas contrarrazões pela parte ré (Evento 79), nas quais alega, preliminarmente, a prescrição da pretensão da parte autora de danos materiais e morais, advindos do contrato de cartão de crédito consignado.

É o relatório.

VOTO

A presente apelação, interposta no Evento 76, é tempestiva, pois o prazo para recorrer da sentença iniciou em 19/10/2021 e findou em 10/11/2021 (Evento 70), sendo que o recurso foi interposto em 10/11/2021 (Evento 76). Além disso, a parte autora é beneficiária da gratuidade judiciária (Evento 38), sendo dispensada do recolhimento do preparo. Dessa forma, considerando que o recurso é próprio e tempestivo, recebo a apelação e passo ao exame da insurgência recursal.

1. PRESCRIÇÃO.

Defende a parte ré, em contrarrazões, a aplicação, no caso concreto, do prazo prescricional previsto art. 206, §3º, incisos IV e V, do Código Civil, qual seja, o trienal, quanto à pretensão de restituição dos valores descontados a título de contrato de cartão de crédito consignado, bem como de indenização por danos morais.

Razão não lhe assiste, conforme passo a expor.

Na hipótese, considerando que a parte autora alega serem indevidos os descontos realizados pelo banco réu a título de “Empréstimo sobre a RMC”, a controvérsia posta nos autos cinge-se à análise da licitude ou de eventual nulidade do contrato de cartão de crédito consignado firmado entre as partes.

Assim, revendo meu posicionamento anterior, entendo que, à luz do disposto no art. 169 do Código Civil, existente alegação de nulidade da avença celebrada entre os litigantes, não há falar na ocorrência da prescrição da pretensão de repetição do indébito, visto que “o negócio jurídico nulo não é suscetível de confirmação, nem convalesce pelo decurso do tempo."

A respeito do tema, colaciono julgado do Superior Tribunal de Justiça:

AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. CONTRATO. COMPRA E VENDA DE IMÓVEL DE ASCENDENTE A DESCENDENTE POR INTEOSTA PESSOA.

SIMULAÇÃO.

REEXAME DE PROVAS. NULIDADE DO NEGÓCIO JURÍDICO. DECADÊNCIA.

INEXISTÊNCIA. ATO NULO INSUSCETÍVEL DE CONVALIDAÇÃO PELO DECURSO DO TEMPO. AGRAVO INTERNO IMPROVIDO.

1. O Tribunal de origem, com fundamento na prova documental trazida aos autos, concluiu pela existência de simulação de negócio jurídico relativo ao contrato de compra e venda de imóvel de ascendente a descendente por interposta pessoa. A modificação do entendimento lançado no v. acórdão recorrido demandaria o revolvimento de suporte fático-probatório dos autos, o que é inviável em sede de recurso especial, a teor do que dispõe a Súmula 7 deste Pretório.

2. O negócio jurídico nulo por simulação não é suscetível de confirmação, nem convalesce pelo decurso do tempo e, portanto, não se submete aos prazos prescricionais, nos termos dos arts. 167 e 169 do Código Civil de 2002.

3. Agravo interno a que se nega provimento.

(AgInt no REsp 1702805/DF, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 03/03/2020, DJe 25/03/2020) – grifei.

No mesmo sentido, cito precedentes deste Tribunal de Justiça:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROMESSA DE COMPRA E VENDA. AÇÃO DECLARATÓRIA. NULIDADE. SIMULAÇÃO. PRESCRIÇÃO. O negócio jurídico nulo não é suscetível de confirmação, nem convalesce pelo decurso do tempo (art. 169 do CC/02). No caso concreto não se trata de pretensão de restituição de valores pagos a título de comissão de corretagem a partir de abusividade da transferência da obrigação ao consumidor em contratos de promessas de compra e venda. A questão trazida diz respeito à suposta nulidade da promessa de compra e venda entabulada entre as partes litigantes sob a alegação de vício de consentimento. Assim, a devolução dos valores pagos a título de comissão de corretagem, parcela da pretensão indenizatória, apresenta-se como corolário lógico do eventual reconhecimento da nulidade do contrato. Portanto, envolvendo a ação declaração de nulidade de promessa de compra e venda com fundamento na ocorrência de simulação, não há falar em prescrição trienal da pretensão de restituição do valor pago a título de comissão de corretagem. Prescrição afastada. AGRAVO DE INSTRUMENTO PROVIDO.(Agravo de Instrumento, Nº 70083858092, Décima Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marco Antonio Angelo, Julgado em: 30-04-2020) – grifei.

APELAÇÃO CÍVEL. POSSE. BENS IMÓVEIS. AÇÃO REIVINDICATÓRIA E ANULATÓRIA DE REGISTRO PÚBLICO. PROPRIEDADE DO IMÓVEL DEVIDAMENTE COMPROVADA. POSSE INJUSTA DA RÉ. INCORREÇÃO NA CONFRONTAÇÃO DO IMÓVEL LEVADO A REGISTRO. PROVA DOS AUTOS A CONFORTAR O PEDIDO. PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA INOCORRENTES. GRATUIDADE JUDICIÁRIA.. A declaração de inexistência de ato jurídico - ato nulo - não se submete aos institutos da prescrição e decadência, pois na forma do artigo 169 do CCB, “o negócio jurídico nulo não é suscetível de confirmação, nem convalesce pelo decurso do tempo”. Logo, não há que se falar em prazo prescricional e decadencial. A ação reivindicatória é o procedimento que visa garantir posse àquele que já possui o domínio do bem, estando tal situação consubstanciada na regra trazida pelo art. 1.228, do Código Civil. Caso. A prova documental e testemunhal confirma a incorreção das confrontações do terreno pertencente aos demandados, a qual adentrou ao terreno pertencente aos autores, cabendo a regularização e a procedência da ação, nos termos da sentença. Gratuidade judiciária deferida. DERAM PARCIAL PROVIMENTO AO APELO. UNÂNIME.(Apelação Cível, Nº 70080607096, Décima Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Giovanni Conti, Julgado em: 18-07-2019) – grifei.

E desta Câmara Cível:

APELAÇÃO CÍVEL. CONTRATOS DE CARTÃO DE CRÉDITO. AÇÃO DECLARATÓRIA C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL - RMC.

PRELIMINAR CONTRARRECURSAL. PRESCRIÇÃO. O NEGÓCIO JURÍDICO NULO, NÃO É SUSCETÍVEL DE CONFIRMAÇÃO OU CONVALIDAÇÃO PELO DECURSO DO TEMPO, TAMPOUCO INCIDE A PRESCRIÇÃO. INTELIGÊNCIA DO ART. 169 DO CÓDIGO CIVIL. JURISPRUDÊNCIA DO STJ E DESTA CORTE. PRELIMINAR AFASTADA.

RESPONSABILIDADE CIVIL DAS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS. A RESPONSABILIDADE CONTRATUAL DO BANCO É OBJETIVA, NOS TERMOS DO ART. 14 DO CDC, RESPONDENDO, INDEPENDENTEMENTE DE CULPA, PELA REPARAÇÃO DOS DANOS CAUSADOS A SEUS CLIENTES POR DEFEITOS/FALHAS...

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