Acórdão nº 50002039620218210027 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Terceira Câmara Cível, 30-06-2022

Data de Julgamento30 Junho 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50002039620218210027
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoDécima Terceira Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002117304
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

13ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5000203-96.2021.8.21.0027/RS

TIPO DE AÇÃO: Alienação fiduciária

RELATORA: Desembargadora ANGELA TEREZINHA DE OLIVEIRA BRITO

APELANTE: COOPERATIVA DE CREDITO, POUPANCA E INVESTIMENTO DAS REGIOES CENTRO DO RS E MG - SICREDI REGIAO CENTRO RS/MG (AUTOR)

APELADO: CRISTO CONSTRUCOES E TRANSPORTES LTDA (RÉU)

APELADO: ALEXANDRO HENRIQUE DE CRISTO (RÉU)

APELADO: MAGDA FERNANDA DA LUZ DA ROSA (RÉU)

RELATÓRIO

COOPERATIVA DE CREDITO, POUPANÇA E INVESTIMENTO DAS REGIÕES CENTRO DO RS E MG - SICREDI REGIÃO CENTRO RS/MG e CRISTO CONSTRUÇÕES E TRANSPORTES LTDA (E OUTROS) interpuseram recurso de apelação e recurso adesivo, respectivamente, contra sentença proferida nos autos da ação de busca e apreensão cumulada com revisional em sede de reconvenção, que julgou os pedidos nos seguintes termos (evento 73):

Pelo exposto, JULGO IMPROCEDENTE a ação de busca e apreensão interposta por COOPERATIVA DE CREDITO, POUPANCA E INVESTIMENTO DAS REGIOES CENTRO DO RS E MG - SICREDI REGIAO CENTRO RS/MG contra MAGDA FERNANDA DA LUZ DA ROSA, CRISTO CONSTRUCOES E TRANSPORTES LTDA e ALEXANDRO HENRIQUE DE CRISTO.

Condeno a parte autora ao pagamento das custas judiciais e dos honorários advocatícios fixados em 10% sobre o valor atualizado da causa.

E JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a reconvenção ajuizada por MAGDA FERNANDA DA LUZ DA ROSA, CRISTO CONSTRUCOES E TRANSPORTES LTDA e ALEXANDRO HENRIQUE DE CRISTOcontra COOPERATIVA DE CREDITO, POUPANCA E INVESTIMENTO DAS REGIOES CENTRO DO RS E MG - SICREDI REGIAO CENTRO RS/MG para:

1) determinar a revisão do(s) contrato(s) objeto(s) dos autos para:

- limitar os juros remuneratórios à taxa média de mercado, para o mês da contratação, permitida a capitalização, na forma da fundamentação.

2) descaracterizar a mora, razão pela qual o bem deve ficar na posse da parte ré/reconvinte e seu nome não deve ser negativado, ao menos enquanto não apurado o valor efetivamente devido;

3) condenar a parte autora/reconvinda a compensar o débito com o crédito da parte ré/reconvinte decorrente desta revisão, corrigindo-se monetariamente cada pagamento a maior pelo IGP-M, com juros moratórios de 1% ao mês desde a citação e, remanescendo saldo credor em favor da parte ré/reconvinte, os valores deverão ser restituídos, na forma simples, com a mesma forma de atualização monetária e juros determinados na compensação;

4) rejeitar os demais pedidos, com fundamento no artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil.

Condeno cada uma das partes ao pagamento de 50% das custas processuais, além de honorários advocatícios ao procurador da parte contrária, os quais fixo em 10% sobre o valor atualizado da causa. Suspensa a exigibilidade da parte ré/reconvinte em tendo havido o deferimento da AJG.

Em suas razões recursais a instituição financeira alegou o descabimento da pretensão revisional com base no Código de Defesa do Consumidor. Sustentou que os juros remuneratórios não podem ser limitados e que não é caso de descaracterização da mora. Requereu a reforma da sentença proferida pelo juízo a quo. Pugnou pelo provimento do apelo.

O consumidor, em recurso adesivo, alegou a existência de cláusulas abusivas no contrato firmado e requereu a revisão contratual com fundamento nas regras previstas no Código de Defesa do Consumidor. Postulou a exclusão dos valores cobrados pelas tarifas bancárias (TAC, TEC, entre outras), a exclusão dos valores cobrados pelos serviços de terceiros, a exclusão da tarifa de registro do contrato e o reconhecimento da nulidade da cláusula que prevê o ressarcimento com as despesas extrajudiciais. Requereu, por fim, a condenação do apelado ao pagamento integral dos ônus sucumbenciais e a majoração do valor fixado para os honorários advocatícios. Pugnou pelo provimento do apelo nos termos requeridos.

Somente o consumidor apresentou contrarrazões (evento 87). Requereu, preliminarmente, o não conhecimento do apelo por ausência de fundamentação do recurso.

Vieram os autos a este Tribunal.

É o relatório.

VOTO

Trata-se de recurso onde se discute a validade das cláusulas e dos encargos incidentes no contrato de outorga de crédito garantido com cláusula de alienação fiduciária (contrato de cédula de crédito bancário).

O contrato objeto do pedido revisional (nº B90932258/-7) foi firmado em 23/05/2019, no valor de R$ 96.619,74, onde se verifica que as partes ajustaram a incidência da taxa de juros remuneratórios de 2,50000% ao mês e de 34,488882% ao ano sobre o valor financiado (evento 1 - CONTR2).

QUESTÃO PRELIMINAR

PEDIDO DE NÃO CONHECIMENTO DO APELO.

O consumidor alegou a ausência de fundamentação do recurso interposto pela instituição financeira e requereu o não conhecimento.

O fato de a argumentação pontual não ser exaustiva é questão diversa, já que razões sucintas não se confundem com ausência de razões e, no caso, entendo presentes a exposição do fato e do direito, bem como as razões do pedido de reforma, nos termos do art. 1.010, do CPC.

Assim, afasto a preliminar de não conhecimento do apelo.

APLICAÇÃO DAS REGRAS DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR ÀS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS E POSSIBILIDADE DO PEDIDO DE REVISÃO CONTRATUAL.

É inegável tratarem-se as relações contratuais entabuladas entre as pessoas tomadoras de crédito e as instituições financeiras, de relações de consumo.

“Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.

(...);.

§ 2° Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista”.

Conforme lição de Adalberto Pasqualotto, “dentre os serviços de consumo, o parágrafo 2º do artigo 3º inclui expressamente os de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária. A oposição destes setores econômicos ao dispositivo é manifesta. Embora o dinheiro, em si mesmo, não seja objeto de consumo, ao funcionar como elemento de troca, a moeda adquire a natureza de bem de consumo. As operações de crédito ao consumidor são negócios de consumo por conexão, compreendendo-se nessa classificação todos os meios de pagamento em que ocorre diferimento da prestação monetária, como cartões de crédito e cheques” (citado por CELSO MARCELO DE OLIVEIRA, in Alienação Fiduciária em Garantia, 2003, Ed. LZN, p. 215).

Essa compreensão foi referendada pelo Superior Tribunal de Justiça por meio da Súmula nº 297 (datada de 09/09/2004), cujo enunciado segue transcrito:

“O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras”.

Uma vez que não se discute que as instituições financeiras estão sujeitas as regras previstas no Código de Defesa do Consumidor, cabe avaliar a possibilidade do pedido de revisão dos termos da avença, se ilegais ou abusivas as condições contratadas, conforme argumentos apresentados pelo consumidor.

O art. 6º, inciso V, do Código de Defesa do Consumidor arrola, como direitos básicos do consumidor, duas possibilidades de ingerência judicial sobre os termos da avença, o de modificar as cláusulas contratuais que estabeleçam prestações originariamente desproporcionais e o de revisar o contrato em razão de onerosidade excessiva, por fato superveniente.

“Art. 6º São direitos básicos do consumidor:

(...);

V - a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas; ”

No caso em testilha, tendo como base as razões do consumidor, se está diante da primeira hipótese, ou seja, de pedido de modificação em razão de alegada abusividade contemporânea à contratação.

Ainda nesse sentido, destacam-se os arts. 39, inciso V e 51, inciso IV, ambos do Código de Defesa do Consumidor:

“Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas:

(...);

V - exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva”;

“Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:

(...);

IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade; ”

Portanto, considerando o contexto narrado e a legislação aplicável, se constata que na modalidade contratual firmada entre as partes incidem as regras do Código de Defesa do Consumidor e, por conseguinte, é admissível o pedido do consumidor de revisão das cláusulas entendidas como abusivas, de acordo com o art. 6º, inciso V, do CDC.

Todavia, importante destacar que o reconhecimento da aplicação das diretrizes previstas no Código de Defesa do Consumidor ao contrato revisando, por si só, não asseguram a procedência dos pedidos formulados pelo consumidor, tendo em vista que na apreciação do caso concreto se demonstrará eventual cobrança abusiva passível de revisão.

TAXA DE JUROS REMUNERATÓRIOS

A discussão atinente à fixação de limites de juros remuneratórios, devidos pelo “custo” do capital financiado e pelo risco inerente à operação, a ser suportado pelo consumidor, encontra no revogado Código Civil de 1916 o seu ponto de partida.

O art. 1.262, “segunda parte”, liberava completamente a sua fixação nos contratos de mútuo, desde que houvesse pactuação por escrito, já que não se admitia, àquela época, juros remuneratórios não pactuados.

O limite previsto nos arts. 1.062 e 1.063 dizia respeito apenas aos juros...

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