Acórdão nº 50002051620208210055 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Nona Câmara Cível, 08-04-2022

Data de Julgamento08 Abril 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50002051620208210055
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoDécima Nona Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001980068
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

19ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5000205-16.2020.8.21.0055/RS

TIPO DE AÇÃO: Defeito, nulidade ou anulação

RELATORA: Desembargadora MYLENE MARIA MICHEL

APELANTE: RUDINEI CALDAS FERREIRA (REQUERENTE)

APELADO: TABELIONATO DE NOTAS E PROTESTOS DE JAGUARAO (REQUERIDO)

RELATÓRIO

Trata-se de apelação cível interposta por RUDINEI CALDAS FERREIRA contra sentença que extinguiu sem resolução de mérito o Procedimento de Jurisdição Voluntária que propôs.

Eis o teor da sentença (evento 35 da origem):

"Vistos.

Entendo não ser caso de reconsideração, mantendo-se, assim, a decisão prolatada no evento 14 pelo eminente magistrado.

Nessa seara, tendo em vista que a parte autora não emendou a inicial com a inclusão no polo passivo dos interessados, que figuraram no esboço de ato jurídico a que pretende ter acesso, JULGO EXTINTO o feito, forte no art. 485, inciso IV, do CPC.

Custas pelo autor.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Com o trânsito em julgado, dê-se baixa."

Em suas razões recursais, o apelante relata ter ajuizado com a presente demanda visando obter certidão de escritura pública de doação lavrada pelo Cartório de Notas de Jaguarão, tornada sem efeito. Historia que em 22/04/2014, figurou como donatário em escritura pública de doação de bem imóvel com reserva de usufruto que a sua genitora, sra. Ivaema Caldas Ferreira, realizaria em seu favor e de seus irmãos, Renato Caldas Ferreira e Neusa Maria Ferreira Almeida. Alega que, pelo fato de os demais donatários não terem comparecido ao ato, o documento foi declarado sem efeito, sem que tenha sido fornecida cópia às partes litigantes. Assevera que tentou obter cópia do aludido documento, tento o tabelião negado tal solicitação com fulcro no art. 712, §2º, da Consolidação Normativa Notarial e Registral. Argumenta que o pedido de exibição do documento em questão decorre de potencial conflito familiar, tendo em vista a possibilidade de os demais irmãos lhe imputarem a tentativa de locupletamento sobre o patrimônio de sua genitora. Pondera que, pelo fato de almejar "apenas ter acesso a certidão do documento, o qual obviamente não terá eficácia para fins de constituição ou modificação de situação jurídica, incluiu-se como interessado, para fins do art. 721 do CPC, tão-somente o titular do Tabelionato de Notas da Comarca". Nesse contexto, defende ser desnecessária a citação da sua genitora e de seus irmãos, na medida em que o procedimento sob análise não tem o condão de interferir nas respectivas esferas jurídicas. Ao final, requer o provimento do recurso para que seja reformada a sentença, dispensando-se a citação dos demais familiares e determinando-se o prosseguimento do feito.

Remetidos os autos a esta Egrégia Corte, o recurso foi distribuído por sorteio.

Vieram conclusos para julgamento.

É o relatório.

VOTO

Conheço do recurso, porquanto preenchidos os requisitos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade aplicáveis à espécie.

Cuida-se de Procedimento de Jurisdição Voluntária proposto pelo ora apelante visando a obter cópia de escritura pública de doação de imóvel com reserva de usufruto que sua genitora, sra. Ivaema Caldas Ferreira, realizaria em seu favor e de seus irmãos, Renato Caldas Ferreira e Neusa Maria Ferreira Almeida, lavrada pelo Tabelionato de Notas de Jaguarão.

Em apertada síntese, na exordial, o apelante esclareceu que, visando evitar conflitos familiares decorrentes da possibilidade de seus familiares lhe imputarem a prática de tentativa de locupletamento sobre o patrimônio de sua genitora, solicitou cópia do referido documento ao tabelionato. No entanto, refere que a solicitação foi negada com base no art. 712 da Consolidação Normativa Notarial e Registral.

Após o apelante para prestar maiores esclarecimentos sobre os motivos pelos quais necessitaria do teor da escritura pública de doação (eventos 4 e 6), o magistrado de origem proferiu despacho determinando ao apelante que emendasse a exordial e incluísse dos demais familiares como interessados, tendo em vista que figuraram na minuta da escritura pública de doação (evento 9 da origem).

Em face dessa decisão, o apelante opôs Embargos de Declaração, que foram desacolhidos (eventos 11 e 13 da origem).

Interposto agravo de instrumento nº 5018808-60.2020.8.21.7000, o qual não foi conhecido por decisão monocrática1 de minha lavra, a qual foi posteriormente confirmada por acórdão2 proferido por este Colegiado em sede de agravo interno.

Intimado para conferir andamento ao feito, o apelante formulou pedido de reconsideração (evento 32 da origem).

Conforme relatório supra, foi proferida sentença extinguindo o feito sem resolução de mérito com fulcro no art. 485, IV, do CPC.

Cinge-se a controvérsia recursal em verificar a (des)necessidade de inclusão dos demais familiares dos apelante, sua genitora e irmão, no feito como interessados.

Sem preliminares a apreciar, passo diretamente ao exame do mérito recursal.

1. Dos Interessados em Procedimento de Jurisdição Voluntária:

O recurso não comporta provimento.

Sobre o procedimento de jurisdição voluntária, estabelece o art. 720 do CPC que "terá início por provocação do interessado, do Ministério Público ou da Defensoria Pública, cabendo-lhes formular o pedido devidamente instruído com os documentos necessários e com a indicação da providência judicial".

Como sabido, em procedimento dessa natureza não há lide, propriamente dita, tampouco partes, de modo que o magistrado exerce função meramente administrativa, e não jurisdicional.

É dizer, não há conflito de interesses a ser resolvido, não há pretensão resistida a ser dirimida, mas apenas um negócio jurídico ou um ato jurídico a ser praticado com a chancela judicial.

Sobre o tema, oportuna a lição de Humberto Theodoro Júnior3:

"A designação “jurisdição voluntária” tem sido criticada porque seria contraditória, uma vez que a jurisdição compreende justamente a função pública de compor litígios, o que, na verdade, só ocorre nos procedimentos contenciosos.
Na chamada “jurisdição voluntária”, o Estado apenas exerce, por meio de órgãos do Judiciário, atos de pura administração, pelo que não seria correto o emprego da palavra jurisdição para qualificar tal atividade.

No entanto, a expressão é tradicional, não só entre nós, como no direito europeu.

O que, na verdade, distingue a atividade da jurisdição voluntária daquela desempenhada no processo contencioso é justamente a presença, neste, da contenda, ou seja, da pretensão ao exercício de um direito contra outrem; ao passo que – ensina Prieto-Castro – 'na jurisdição voluntária não existe parte adversária e só se trata de uma fixação de valor substancial em si e por si'.(...)

Pressuposto da jurisdição voluntária é, no dizer do eminente processualista, 'm negócio ou ato jurídico, e não, como acontece na jurisdição contenciosa, uma lide ou situação litigiosa. O contraditório entre as partes é traço exterior da jurisdição contenciosa... Inexistindo lide, a jurisdição voluntária é, por isso mesmo, um procedimento que se desenvolve sem partes'.

Daí a afirmação de Alcalà-Zamora de que na jurisdição voluntária não há litígio, mas negócio jurídico; não há partes, mas simples participantes; nem há ação, mas apenas pedido.

Há, enfim, procedimento de jurisdição voluntária quando, conforme Prieto-Castro, os órgãos judiciais são convocados a desempenhar uma função administrativa destinada “' tutelar a ordem jurídica mediante a constituição, asseguramento, desenvolvimento, e modificação de estados e relações jurídicas com caráter geral, ou seja, frente a todos'."

Ainda que em procedimento de jurisdição voluntária não se possa falar em partes, o art. 721 do CPC prevê a necessidade de citação de todos os interessados para que, querendo, se manifestem:

"Art. 721. Serão citados todos os interessados, bem como intimado o Ministério Público, nos casos do art. 178 , para que se manifestem, querendo, no prazo de 15 (quinze) dias."

Valho-me novamente do escólio doutrinário de Humberto Theodoro Júnior4:

"Por não haver litígio, os sujeitos do procedimento recebem aqui a denominação interessados, em lugar de partes (autor e réu), como ocorre nos procedimentos contenciosos. Embora inexista conflito, a jurisdição voluntária sempre leva à constituição de situações jurídicas novas, que naturalmente produzem efeitos junto a outras pessoas além do promovente. Daí a...

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