Acórdão nº 50002068420218210016 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Sexta Câmara Cível, 05-05-2022

Data de Julgamento05 Maio 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50002068420218210016
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoDécima Sexta Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002020945
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

16ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5000206-84.2021.8.21.0016/RS

TIPO DE AÇÃO: Empréstimo consignado

RELATORA: Desembargadora VIVIAN CRISTINA ANGONESE SPENGLER

APELANTE: JOAO DARCI FERNANDES MORAIS (AUTOR)

APELADO: BANCO BMG S.A (RÉU)

RELATÓRIO

Trata-se de apelação cível interposta por JOÃO DARCI FERNANDES MORAIS em face de sentença (evento 25) que julgou improcedentes os pedidos formulados na ação declaratória c/c restituição de valores e indenização por danos morais em desfavor do BANCO BMG S/A, nos seguintes termos:

DIANTE DO EXPOSTO, julgo improcedente o pedido formulado por JOAO DARCI FERNANDES MORAIS em face de BANCO BMG S.A., na forma do artigo 487, I, CPC.

Sucumbente, arcará a parte autora com as custas processuais e honorários advocatícios, os quais passo a fixar em 10% do valor da causa, tendo em vista complexidade do feito e o tempo de tramitação processual, na forma do artigo 85 § 2º, do CPC.

Em seu arrazoado recursal (evento 29, APELAÇÃO1), o autor alega que procurou a instituição ré com intuito de contratar empréstimo consignado pessoal. Entretanto, após a efetivação, notou que os descontos estavam intermináveis, quando descobriu que os pagamentos se referiam a um empréstimo concedido via cartão de crédito consignado, cuja parcela mínima era descontada de seu benefício previdenciário. Citou diversos precedentes da matéria. Alega que a parte ré faltou com o dever de informação na oportunidade de celebração do contrato, da qual aproveitou-se da situação e aplicou juros mais onerosos ao autor que, por este motivo, manifesta pelo dano moral in re ipsa. Pugna pela repetição em dobro do indébito, bem como pela conversão do empréstimo via cartão de crédito para empréstimo consignado normal.

Foram apresentadas contrarrazões (evento 34).

Subiram os autos a esta Corte para julgamento.

VOTO

Consta, na inicial (evento 1, INIC1), que o autor realizou contrato de empréstimo junto a requerida, sendo informado que o pagamento seria realizado mediante descontos mensais em seu benefício previdenciário. Contudo, após a celebração do mútuo, percebeu que os descontos estavam sob a alcunha de "RESERVA DE MARGEM DE CARTÃO DE CRÉDITO". Entrou em contato com o Banco réu, onde lhe foi informado de que se tratava de RETIRADA DE VALORES EM CARTÃO DE CRÉDITO com reserva de margem consignável (RMC). Alegou que em nenhum momento solicitou a contratação de cartão de crédito consignável, que esta modalidade é "impagável", pois o valor debitado mensalmente apenas refinancia a dívida, não amortizando-a. Pugnou pela declaração de nulidade da contratação do empréstimo via cartão de crédito com RMC. Requereu, a conversão da relação contratual para empréstimo consignado "normal", bem como pela repetição em dobro do indébito e condenação do réu a título de danos morais.

O juízo a quo julgou improcedente a demanda.

Irresignado com o resultado desfavorável, o autor apelou, pugnando pela reforma do ato sentencial, sob o argumento, em suma, de que foi enganado no momento da contratação de empréstimo consignado, pois acabou celebrando, sem a sua devida anuência, contrato de cartão de crédito com Reserva de Margem Consignável.

Pois bem.

A cláusula que prevê a reserva de margem consignável para operações com cartão de crédito é regulada pelo art. 1º da Resolução n° 1.305/2009 do Conselho Nacional de Previdência Social, in verbis:

“RESOLUÇÃO Nº 1.305, DE 10 DE MARÇO DE 2009.

O PRESIDENTE DO CONSELHO NACIONAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL, no uso da atribuição que lhe confere o inciso V do art. 21 do Regimento Interno, aprovado pela Resolução nº 1.212, de 10 de abril de 2002, torna público que o Plenário, em sua 151ª Reunião Ordinária, realizada em 10 de março de 2009, resolveu:

Art. 1º Recomendar ao Instituto Nacional do Seguro Social – INSS que, relativamente aos empréstimos consignados, e respeitado o limite de margem consignável de 30% (trinta por cento) do valor do benefício, torne facultativo aos titulares dos benefícios previdenciários a constituição de Reserva de Margem Consignável – RMC de 10% (dez por cento) do valor mensal do benefício para ser utilizada exclusivamente para operações realizadas por meio de cartão de crédito”.

Porém, a constituição da RMC (Reserva de Margem Consignável) demanda expressa autorização do aposentado, por escrito ou por meio eletrônico, de acordo com o disposto no art. 3°, inc. III, da Instrução Normativa INSS n° 28/2008, alterada pela Instrução Normativa INSS n° 39/2009, in verbis:

“Artigo 3º Os titulares de benefícios de aposentadoria e pensão por morte, pagos pela Previdência Social, poderão autorizar o desconto no respectivo benefício dos valores referentes ao pagamento de empréstimo pessoal e cartão de crédito concedidos por instituições financeiras, desde que:

(...)

III - a autorização seja dada de forma expressa, por escrito ou por meio eletrônico e em caráter irrevogável e irretratável, não sendo aceita autorização dada por telefone e nem a gravação de voz reconhecida como meio de prova de ocorrência”.

No caso dos autos, o banco recorrido trouxe prova de que o autor autorizou expressamente os descontos em seu benefício da reserva de margem consignável. Inclusive, juntou aos autos "TERMO DE ADESÃO CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO BANCO BMG S/A E AUTORIZAÇÃO PARA DESCONTO EM FOLHA DE PAGAMENTO" e "CÉDULA DE CRÉDITO BANCÁRIO" ambos com a assinatura do autor.

É certo que, formalmente, a contratação adequou-se à moldura legal. Contudo, forçoso reconhecer que a cláusula a permitir descontos na folha de pagamento da autora, sem conter data-limite para que cessem, gerou excessiva oneração ao consumidor e ensejou flagrante desequilíbrio entre as partes, configurando tal fato prática abusiva, vedada pelo ordenamento jurídico, consoante previsão do art. 39, inc. V, do Código de Defesa do Consumidor (“exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva”). Por sua vez, o art. 51, inc. IV, do Código Consumerista rotula como nulas de pleno direito as cláusulas contratuais que “coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade”.

Na hipótese dos autos, o réu transferiu para a conta corrente do autor a quantia total de R$ 1.668,41 por meio de quatro TEDs, um com saque autorizado no valor de R$ 1.365,15, datado de 11/04/2017 (evento 10, OUT7), e outros três com saques complementares nos valores de R$ 169,97, R$ 70,28 e R$ 63,01, debitando mensalmente em sua folha de pagamento valores a título de Reserva de Margem Consignável - RMC. E como se verifica na fatura com vencimento de 10/02/2021, o valor total da dívida era de R$ 1.497,09 (evento 10, FATURA6). Nesse contexto, percebe-se que aproximadamente cinco anos se passaram da celebração do contrato e a dívida do autor diminuiu de forma explicitamente arrastada nesse extenso período, mesmo com os descontos mensais. Logo, as parcelas que vêm sendo descontadas não se prestam a reduzir o valor da dívida, que parece estar se perpetuando.

Aliás, considerando que o instrumento contratual não contém qualquer disposição informando ao consumidor que os descontos a título de Reserva de Margem Consignável (RMC) não são aptos a diminuir o valor efetivamente devido, conclui-se que o contrato em exame também ofende o art. 6°, inc. III, do Código Consumerista, que prevê como direito básico do consumidor “a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem”.

Além disso, consigno que não houve utilização do cartão de crédito, conforme se constata pelas faturas anexadas (Evento 10, FATURA5 e 6).

Tenho, portanto, como ilegal a forma de cobrança do débito, impondo-se declarar a nulidade da cláusula que prevê a cobrança das parcelas do empréstimo mediante descontos a título de Reserva de Margem Consignável (RMC). Nesse contexto, impõe-se cancelar os descontos àquele título e converter-se o “Contrato de Cartão de Crédito Consignado” para “Empréstimo Pessoal Consignado”.

Para fins de adimplemento de tal contrato, deverá ser considerado o valor original dos saques realizados,...

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