Acórdão nº 50002112920118210058 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Nona Câmara Cível, 24-06-2022

Data de Julgamento24 Junho 2022
ÓrgãoDécima Nona Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50002112920118210058
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001842796
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

19ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5000211-29.2011.8.21.0058/RS

TIPO DE AÇÃO: Aquisição

RELATORA: Desembargadora MYLENE MARIA MICHEL

APELANTE: FLORENCIO JUSTINO ISIDRO (AUTOR)

APELADO: LUIZ JOSE ALLIEVI (RÉU)

RELATÓRIO

Trata-se de Apelação Cível interposta por FLORENCIO JUSTINO ISIDRO contra sentença proferida nos autos da Ação de Usucapião que propôs em face de LUIZ JOSE ALLIEVI, conforme dispositivo abaixo transcrito:

"III – DISPOSITIVO:

Isso posto, JULGO IMPROCEDENTE o pedido formulado por FLORENCIO JUSTINO ISIDRO em desfavor do ESPÓLIO DE LUIZ JOSÉ ALLIEVI, nos termos da fundamentação supra.

Condeno o requerente ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios ao procurador da parte ré, que arbitro em 20% sobre o valor atribuído à causa, atualizado pelo IGP-M, forte nos artigos 82, §2º e 85, §2º, ambos do novo CPC, considerando a complexidade do feito, o tempo de tramitação e a dilação probatória havida, suspensa a exigibilidade, nos termos do art. 98, §3º, do novo CPC, em face da AJG deferida.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se, inclusive o Banco do Brasil S/A, na condição de credor hipotecário."

Opostos Embargos de Declaração pelo apelante, foram desacolhidos pelo juízo a quo (evento 3, PROCJUDIC14, da origem; fls. 422-430 e 431 dos autos físicos).

Nas razões recursais (evento 3, PROCJUDIC14 e PROCJUDIC15, da origem; fls. 434/455 dos autos físicos), o apelante sustenta preencher os requisitos para aquisição da propriedade via usucapião. Afirma exercer posse mansa, pacífica e com animus domini sobre fração de terras contendo 283.571,00m² localizada na Linha Boa Fé e Félix da Cunha, interior do município de Nova Bassano/RS, desde 1989, conforme provas documental e testemunhal produzidas ao longo da instrução processual. Alega ter edificado a sua residência no local, explorando-o economicamente e dele retirando o sustento próprio e de sua família. Historia que em 1989 adquiriu o imóvel em comento por intermédio de doação que lhe fizera o proprietário registral, ora apelado, passando a tê-lo como seu, aprimorando as áreas de plantio, edificando sua residência e a de seus filhos no local, além dos instrumentos necessários ao desenvolvimento da atividade agrícola. Afirma que "nunca foi interpelado de sua posse u sofreu qualquer oposição de quem fosse, em todos esses anos". Argumenta que "o apelante sequer é alfabetizado, de modo que exigir o conhecimento que a doação deveria ter sido instrumentalizada é medida demasiada para uma pessoa simples do campo, que sempre viveu e trabalhou na terra, como se proprietário fosse". Pondera que o fato de haver edificado a sua residência e a de seus filhos no local é prova suficiente do animus domini. Refere que não havia arrendamento entre as partes, e que a partir da doação do imóvel houve a inversão do animus. Argumenta que não há nos autos prova de pagamento de qualquer valor a título de arrendamento, mas apenas o depoimento de uma única testemunha. Tece considerações sobre os depoimentos das testemunhas ouvidas ao longo da instrução processual e conclui asseverando que "independentemente de ter sido em decorrência de doação (precária - sem documento legal), o apelante SEMPRE teve a POSSE MANSA, PACÍFICA e com ANIMUS DOMINI sobre o imóvel usucapiendo". Ainda afirma não haver prova do suposto contrato de arrendamento, argumentando que as notas fiscais apresentadas pelo apelado não coincidem com as datas das notas fiscais apresentadas pelo apelante, asseverando que "não é crível que durante mais de 20 (vinte) anos (1989-210) o apelado não tenha nenhuma prova do recebimento do arrendamento". Defende que "o animus domini se perfectibilizou, especialmente, a partir de 09/11/2010 - do falecimento do proprietário tabular - e, portanto, a transmutação da posse iniciou nesta data e merece ser considerada até a data final da presente ação". Ressalta que o prazo de prescrição aquisitiva pode ser implementado no curso da ação e conclui asseverando que "Quer seja reconhecida a posse mansa e pacífica, com animus domini, desde o estabelecimento de moradia do apelante sobre a propriedade em 1989, quer seja pela transmutação da posse e interregno do período desde 09/11/2010, evidenciam-se atendidos o período e requisitos legais do parágrafo único do artigo 1.238 do Código Civil. Postula o provimento do recurso com o procedência da Ação de Usucapião.

Regularmente intimada, a parte apelada apresentou contrarrazões (fls. 457/464 dos autos físicos). Sustenta que o apelante não é ocupante exclusivo da área, tendo em vista que outras pessoas também estão na posse do imóvel. Afirma que as benfeitorias foram construídas de má-fé pelo apelante e que não estão localizadas na matrícula nº 24.965 do Registro de Imóveis de Nova Bassano, mas na matrícula nº 87, o que evidencia o desconhecimento quanto à área usucapienda. Alega a existência de relação de arrendamento do apelante com o de cujus, destacando o depoimento de Jacir Raimundo Silvani. Destaca a ausência de doação verbal, bem como que o de cujus, após adoecer, ficou aos cuidados médicos de seus familiares, e não da família do apelante como foi afirmado. Expõe que o imóvel foi hipotecado pelo de cujus meses antes do seu falecimento, o que demonstraria a ausência do ânimo de dono do apelante. Assinala que a prova testemunhal corroborou as suas alegações, bem como a prova documental anexada aos autos. Por fim, aponta que o apelante estaria atuando de má-fé e postula a sua condenação nas respectivas penas. Pede o desprovimento do recurso.

Remetidos os autos a esta Egrégia Corte, o recurso foi distribuído por sorteio.

Em parecer, o Ministério Público opinou pelo conhecimento e desprovimento do recurso (fls. 467/480 dos autos físicos).

Foram convertidos os autos físicos em eletrônicos para inclusão ao sistema E-proc.

As partes foram intimadas para se manifestarem sobre a digitalização e silenciaram.

Vieram conclusos para julgamento.

É o relatório.

VOTO

Conheço do recurso, porquanto preenchidos os requisitos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade aplicáveis à espécie.

Cuida-se de Ação de Usucapião proposta por Florêncio Justino Isidoro em face do Espólio de Luiz José Allievi, por intermédio da qual pretende a declaração de domínio sobre os imóveis constantes da transcrição nº 24.965 e matrícula nº 87 do Registro de Imóveis de Nova Bassano, de propriedade do apelado.

Alega a parte autora, ora apelante, que passou a residir nos imóveis usucapiendos em 1970 em razão de relação de empregado mantida com o apelado. Afirmou que em 1989 teria sido agraciado pela doação verbal desses imóveis, momento em que passou a possuí-los com animus domini até o falecimento do apelado.

Citado, o espólio do apelado apresentou contestação afirmando, em síntese, que não estão presentes os requisios necessários à usucapião extraordinária, pois: i) mantinha contrato de arrendamento com o apelante, recebendo 1/3 da produção gerada no imóvel; ii) que os imóveis usucapiendos jamais foi doados ao apelante; iii) que hipotecou o imóvel registrado sob a matrícula nº 87 do Registro de Imóveis de Nova Bassano ao Banco do Brasil para garantia de dívida contraída pelo filho do apelante, Jair Justino Isidro.

Conforme relatório supra, a sentença julgou improcedente a pretensão deduzida em juízo pelo apelante.

Cinge-se a controvérsia recursal em verificar a preenchimento dos requisitos necessários à declaração do domínio pela usucapião extraordinária.

Sem preliminares a apreciar, passo diretamente ao exame do mérito recursal.

1. Da Usucapião Extraordinária:

O recurso não comporta provimento.

Modo geral, o instituto da usucapião é modo originário de aquisição da propriedade, conforme magistério Cristiano Chaves de Farias1:

A usucapião é modo originário de aquisição da propriedade e de outros direitos reais pela posse prolongada da coisa, acrescida de demais requisitos legais. O art. 1.238 do Código Civil reafirma a usucapião como modo de aquisição de propriedade imobiliária. Seja qual for o gênero adotado, o termo usucapião é oriundo do latim usu capio, ou seja, tomar a coisa pelo uso.

In casu, o apelante afirma exercer posse sobre os imóveis usucapiendos com animus domini desde 1989, razão pela qual incide a regra contida no art. 550 do CC/16, em atenção à regra de transição positivada no art. 2.028 do CC/02, in verbis:

"Art. 550. Aquele que, por vinte anos sem interrupção, nem oposição, possuir como seu, um imóvel, adquirir-lhe-á o domínio independentemente de título de boa fé que, em tal caso, se presume, podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual lhe servirá de título para a transcrição no registro de imóveis."

"Art. 2.028. Serão os da lei anterior os prazos, quando reduzidos por este Código, e se, na data de sua entrada em vigor, já houver transcorrido mais da metade do tempo estabelecido na lei revogada."

Sobre o instituto em comento, precisa é a lição de Nelson Nery Júnior2 ao comentar o dispositivo supratranscrito:

3. Usucapião extraordinário. A norma regula a usucapião extraordinária. Modo originário de aquisição da propriedade imóvel, a usucapião extraordinária ocorre pelo só fato da posse, preenchidos os demais requisitos da norma sob comentário (posse ad usucapionem). Decorrido o prazo o possuidor adquire a propriedade, extinguindo-se o domínio do anterior proprietário, bem como todos os direitos reais que eventualmente haja constituído sobre o imóvel. A cláusula de inalienabilidade, imposta por ato de vontade, não constitui impedimento para a consumação da usucapião extraordinária, porque não se exige que o prescribente tenha justo título: ele não adquire do antigo proprietário, mas contra...

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