Acórdão nº 50002166520148210084 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Terceiro Grupo de Câmaras Criminais, 10-03-2023

Data de Julgamento10 Março 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualEmbargos Infringentes e de Nulidade
Número do processo50002166520148210084
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoTerceiro Grupo de Câmaras Criminais

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003262254
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

3º Grupo Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Embargos Infringentes e de Nulidade Nº 5000216-65.2014.8.21.0084/RS

TIPO DE AÇÃO: Estupro de vulnerável CP art. 217-A

RELATORA: Desembargadora VANDERLEI TERESINHA TREMEIA KUBIAK

EMBARGANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

EMBARGADO: SEGREDO DE JUSTIÇA

RELATÓRIO

Trata-se de embargos infringentes interpostos por DARLAN SANTOS DE VARGAS, assistido pela Defensoria Pública, contra o acórdão da Sexta Câmara Criminal proferido no julgamento da Apelação Crime (evento 22, ACOR2).

A denúncia foi oferecida nos seguintes termos:

1° FATO:

Em dia e horário não perfeitamente esclarecidos, mas certamente em meados do mês de outubro de 2012, em um matagal localizado no Município de Minas do Leão, o denunciado D. S. DE V. manteve conjunção carnal com a vítima K. S. P., sua enteada, menor de 14 catorze anos de idade (Certidão de Nascimento à fl. 10).

Na ocasião, o denunciado convidou a vítima (à época com 10 anos de idade) para ir a um matagal consertar urn arame de cerca que, segundo ele, estava estragado. Chegando ao local, o denunciado, mediante emprego de forca física, agarrou a vitima e com ela manteve relações sexuais, sendo que a conjunção carnal se deu sem o uso de preservativo, bem como ejaculando o denunciado dentro da vagina da criança.

O Laudo do Exame de Conjunção Carnal apontou, acerca do hímen, rupturas completas cicatrizadas (...)" (fl. 18).

O denunciado é padrasto da vitima (artigo 226, inciso II, do Código Penal).

0 crime foi cometido contra criança (artigo 61, inciso II, alínea "h", do Código Penal c/c artigo 2°, caput, do ECA).

O crime também foi cometido mediante dissimulação e de modo a dificultar ou tornar impossível a defesa da ofendida, uma vez que o denunciado convenceu a vitima a deslocar-se com ele para local ermo e desprovido de testemunhas, lugar onde cometeu o crime valendo-se, ainda, de sua superioridade física em desproveito da vitima, que por sua vez nao teve como se defender.

2° FATO:

No intervalo de tempo compreendido entre os dias 10 e 21 de fevereiro de 2014, por volta das 05 horas, na Rua Projetada B, n° 18/Casa, Bairro Sao Miguel, Minas do Leão/RS, o denunciado D. S. DE V., diversas vezes, manteve conjunção carnal com a vitima K. S. P., sua enteada, menor de 14 catorze anos (Certidão de Nascimento à fl. 10).

Aproveitando-se da ausência de sua esposa (a genitora da vítima), que trabalhava na Cidade de Porto Alegre, o denunciado passou a manter relações sexuais com a vítima, diariamente, do dia 10/02/2014 ao dia 21/02/2014. Após a mãe da vítima sair de casa para trabalhar, o denunciado ordenava que a vítima fosse até o seu quarto, onde mantinha conjunção carnal com ela, sempre sem preservativo e ejaculando dentro de sua vagina.

0 Laudo do Exame de Conjunção Carnal apontou, acerca do hímen, "(...) rupturas completas cicatrizadas (...)" (fl. 18).

0 crime foi cometido contra criança (artigo 61, inciso II, alínea "h", do Código Penal c/c artigo 2°, caput, do ECA).

0 denunciado é padrasto da vítima (artigo 226, inciso II, do Código Penal).”

Sobreveio sentença, julgando parcialmente procedente a ação penal para condenar o réu como incurso nas sanções dos arts. 217-A, c/c o art. 61, inc. II, alínea "c" e art. 226, inc. II, todos do Código Penal (1° fato) e art. 217-A, c/c o art. 226, inc. II, do Código Penal (2° fato), às penas de 18 anos e 01 mês de reclusão (1° fato) e 15 anos e 06 meses de reclusão (2° fato), restando a pena total, em concurso material, em 33 anos e 07 meses de reclusão, em regime inicial fechado, sendo mantida a prisão preventiva do réu (evento 122, SENT1).

Irresignado, apelou o réu (evento 138, RAZAPELA1).

Em sessão realizada no dia 23/11/2022, a 6ª Câmara Criminal desta Corte, proferiu a seguinte decisão: "após o voto do Desembargador José Ricardo Coutinho Silva no sentido de rejeitar a preliminar e, no mérito, dar parcial provimento ao apelo para, afastando a agravante da dissumilação no 1º fato, reduzir a pena respectiva para 15 anos e 06 meses de reclusão, mantidas as demais cominações da sentença, a divergência inaugurada pelo Juiz de Direito Paulo Augusto Oliveira Irion no sentido de dar parcial provimento ao apelo defensivo, em maior extensão, reduzindo a pena privativa de liberdade de D.S. de V. para vinte e sete (27) anos de reclusão, acompanhando o eminente relator no mais e a divergência inaugurada pela Desembargadora Bernadete Coutinho Friedrich no sentido de acolher a preliminar arguida pela defesa, para declarar a nulidade da audiência de oitiva da vítima e da genitora desta, inclusive, determinando o retorno dos autos ao juízo de origem, para que sejam renovados os atos processuais subsequentes, julgando prejudicado o exame do mérito do apelo e, vencida na preliminar, por dar parcial provimento ao apelo interposto pela defesa, em maior extensão, para reduzir a pena privativa de liberdade aplicada ao réu D.S. de V. para vinte e sete (27) anos de reclusão, a 6ª câmara criminal decidiu, por maioria, vencida a Desembargadora Bernadete Coutinho Friedrich, rejeitar a preliminar e, no mérito, vencido em parte o Relator, dar parcial provimento ao apelo defensivo, em maior extensão, reduzindo a pena privativa de liberdade de D.S. de V. para vinte e sete (27) anos de reclusão, acompanhando o eminente Relator no mais., nos termos do voto do Relator" (evento 21, EXTRATOATA1).

Os embargos objetivam, em síntese, a prevalência do voto minoritário pelo qual foi decretada a nulidade da audiência de oitiva da vítima e da genitora desta, inclusive, e determinado o retorno dos autos à origem para renovação dos autos processuais, prejudicado o mérito (evento 28, EMBINFRI1).

Os embargos foram recebidos (evento 30, DESPADEC1).

A ilustre Procuradora de Justiça, Doutora Maria Ignez Franco Santos, emitiu parecer pelo desacolhimento dos embargos infringentes (evento 39, PARECER1).

VOTO

Eminentes Colegas.

Como visto, a inconformidade busca a prevalência do voto minoritário proferido pela Desembargadora Bernadete Coutinho Friedrich, pelo qual foi acolhida a preliminar de nulidade do processo a partir da audiência de oitiva da vítima e de sua mãe, uma vez que o réu foi retirado da sala de audiência virtual (evento 22, VOTODIVERG3).

Assim:

"Divirjo do voto relator em relação à pretensão preliminar, consistente na arguição de nulidade do processo em razão da retirada do acusado da sala de audiência virtual, realizado por videoconferência, quando da oitiva da vítima e da genitora desta.

Não desconheço, por evidente, o direito da vítima e de sua genitora de terem preservada a sua dignidade, ignorando o temor ou qualquer nível de constrangimento de depor na frente de quem, em tese, violou ou atentou contra seus bens jurídicos ou de familiares, no caso, sua dignidade sexual. Esse cuidado, inclusive, vai ao encontro da busca pela maior aproximação à realidade histórica, na medida em que confere maior segurança e liberdade de expressão à vítima e testemunhas.

Contudo, de outro lado, também não desconheço a existência da garantia da autodefesa pessoal do réu, que lhe assegura a possibilidade de participar ativamente da coleta da prova, podendo intervir, tecendo considerações sobre a prova ao seu defensor ou o instando a realizar questionamentos essenciais ao deslinde do feito em seu favor.

A nulidade da audiência de instrução afirmada pela combativa Defesa reside, então, justamente na inobservância do regramento processual penal que já dirimiu a concorrência dessas garantias fundamentais, estipulando, no art. 217 do CPP, com redação dada pela Lei nº 11.690/2008, que se verificado pelo juiz a presença do acusado na solenidade poderá causar "humilhação, temor, ou sério constrangimento à testemunha ou ao ofendido", potencialmente prejudicando a verdade do depoimento, fará a inquirição por videoconferência e, somente se a oitiva por videoconferência não for possível, promover-se-á a retirada do réu.

Observo que a solução legal dada às hipóteses em que a vítima se recusa a depor em frente ao acusado é justamente a realização da audiência por videoconferência, ocasião em que réu e vítima estarão em salas separadas, de modo, assim, a preservar a narrativa trazida por esta, mas, ao mesmo tempo, possibilitar ao réu que, ao assistir os depoimentos na tela, intervenha, orientando seu defensor para exito em sua defesa.

É verdade que a realidade dos foros judiciais brasileiros poucas vezes permite colocar em prática a solução primeira dada pela norma, razão pela qual a exceção, que é a impossibilidade de realização de videoconferência e a consequente retirada do réu, torna-se habitual. Todavia, até mesmo por imposição da pandemia causada pela COVID-19 e em razão do distanciamento social se revelar imperioso, a audiência foi realizada por videoconferência, inexistindo qualquer outra razão, então, para a retirada do réu da sala virtual.

E, em que pese a Defesa tenha tempestivamente se insurgido, a instrução seguiu sem a sua presença, ao fundamento da preservação dos direitos da vítima, esses já preservados, conforme entendimento do legislador, pela própria modalidade da videoconferência. Ademais, a aparente tranquilidade da vítima e da testemunha por não deporem na mesma sala virtual em que se encontrava o acusado é de toda falaciosa, já que elas em momento algum visualizariam o réu, o qual jamais seria impedido de, posteriormente, assistir o conteúdo audiovisual da solenidade.

Observo, ainda, que o prejuízo suportado pela Defesa, por evidente, é presumido e inerente à própria condenação, e apenas poder-se-ia cogitar na aplicação do princípio do pas nullité san grieff caso o réu tivesse sido absolvido ou se o conteúdo do depoimento não o incriminasse.

Assim, diante de nulidade...

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