Acórdão nº 50002173920148210023 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Terceira Câmara Criminal, 23-06-2022

Data de Julgamento23 Junho 2022
ÓrgãoTerceira Câmara Criminal
Classe processualRecurso em Sentido Estrito
Número do processo50002173920148210023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002007051
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

3ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Recurso em Sentido Estrito Nº 5000217-39.2014.8.21.0023/RS

TIPO DE AÇÃO: Homicídio qualificado (art. 121, § 2º)

RELATORA: Desembargadora ROSANE WANNER DA SILVA BORDASCH

RECORRENTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

RECORRIDO: SEGREDO DE JUSTIÇA

RELATÓRIO

ALEXANDRE GARCIA MILFORD apresentou recurso em sentido estrito contra a sentença que o pronunciou como incurso nas sanções do artigo 121, § 2º, inciso III, c/c o artigo 61, inciso I, ambos do Código Penal, pela prática dos seguintes fatos delituosos:

“(…) No dia 06 de junho de 2014, por volta das 05h45min, em via pública, na Rua Ilha de Creta, em frente ao estabelecimento Skina Lanche (Bar do Vesgo), Bairro Parque Marinha, nesta Cidade, o denunciado, fazendo uso de arma de fogo, matou Lucivaldo Sampaio da Costa,conforme o laudo pericial n.°79689/2014 (fls. 26/33), a causa mortis se deu da seguinte forma: “[...] Choque hipovolêmico por ferimento transfixante de tórax por projétil de arma de fogo […]”.

Na oportunidade, a vítima estava com seus amigos em frente ao estabelecimento comercial Skina Lanches, momento em que o denunciado chegou ao local. Ato contínuo, o denunciado, de inopino, passou a desferir disparos de arma de fogo contra a vítima que, ao cair ao solo, temendo por sua integridade física, sacou sua arma de fogo e desferiu um disparo contra o agressor, logrando êxito em acertá-lo. Após, o denunciado dirigiu-se à vítima, a qual já estava caída ao solo, e continuou a alvejá-la, atingindo-a fatalmente. Por fim, o denunciado empreendeu em fuga.

O crime de homicídio foi praticado com emprego de meio de que resultou perigo comum, já que os vários disparos de arma de fogo foram efetuados em local habitado, em frente a um estabelecimento comercial, tratando-se, ainda, de bairro residencial, em via de intenso movimento, com diversas pessoas nas proximidades, determinando perigo direto à vida e à integridade física de um número indeterminado de pessoas, estranhos ao fato e a seus motivos.

O denunciado é reincidente, conforme certidão judicial criminal (fls.) (…)”

Em suas razões (evento 85, RAZRECUR1), arguiu a nulidade da sentença por ausência de fundamentação. No mérito, discorreu acerca da prova oral produzida. Sustentou a ausência de indícios suficientes de autoria. Arguiu a impossibilidade de pronúncia baseada apenas nos elementos informativos obtidos na fase inquisitorial. Pugnou, alternativamente, pelo afastamento das qualificadoras imputadas. Requereu o provimento do recurso.

Foram apresentadas contrarrazões (evento 91, CONTRAZ1). Em suas razões, o Ministério Público sustentou que a sentença está bem fundamentada, deixando clara a existência de provas para levar o réu a ser julgado pelo Júri Popular. Afirmou estar suficientemente demonstrada a prática do delito, não havendo falar em impronúncia ou desclassificação. Salientou a impossibilidade de afastamento das qualificadoras, eis que bem incidentes ao caso. Pugnou pela manutenção da sentença.

O Ministério Público, nesta instância, opinou pelo conhecimento e desprovimento do recurso (8.1).

É o relatório.

VOTO

O presente recurso é tempestivo e preenche os pressupostos de admissibilidade.

Inicialmente afasto a preliminar de nulidade da sentença.

Isso porque, tratando-se de decisão de pronúncia, esta deve se limitar a resumir a prova coligida, de forma fidedigna, e a proceder mero juízo de admissibilidade da acusação, sem indicar posicionamento sobre o mérito da causa.

Nesse sentido:

RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS COUS. JÚRI. HOMICÍDIO QUALIFICADO. SENTENÇA DE PRONÚNCIA. FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO. NÃO OCORRÊNCIA. 1. Árdua é a tarefa do julgador ao motivar a sentença de pronúncia, pois, se excede na fundamentação, pode influir no convencimento dos jurados. Se, em contrapartida, às vezes primando por uma atuação mais cautelosa, deixa de apontar na decisão o lastro probatório mínimo que ensejou suas razões de convencimento, incide em nulidade, não por excesso de linguagem, como ocorre na primeira hipótese, mas por ausência de motivação, ante a inobservância do que preceitua o art. 93, IX, da Constituição Federal. 2. No caso, da análise da decisão de pronúncia, verifica-se que o magistrado, ao admitir a denúncia, indicou a materialidade do fato e a existência de indícios suficientes de autoria, bem como declarou o dispositivo legal no qual está incurso o recorrente, nos termos do art. 413, § 1º, do Código de Processo Penal. Não há que se falar, portanto, em falta de fundamentação. 3. Recurso ordinário desprovido. (RHC 68.806/RJ, Rel. Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 04/05/2017, DJe 12/05/2017 – grifo nosso)

A pretensão defensiva importaria em exame da prova produzida, o que levaria ao oposto, excesso de linguagem, devendo o confronto entre depoimentos e outros elementos, pretendido pela defesa, ser levado para apreciação do Tribunal do Júri.

Passo a análise do mérito.

A sentença de pronúncia encerra mero juízo de admissibilidade da acusação. Assim, não se tratando de decisão condenatória, é pacífico que exige "o ordenamento jurídico somente o exame da ocorrência do crime e de indícios de sua autoria, não se demandando aqueles requisitos de certeza necessários à prolação da sentença condenatória, sendo que as dúvidas, nessa fase processual, resolvem-se in dubio pro societate" (AgRg no AREsp 1939691/ES, Rel. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 05/10/2021, DJe 13/10/2021).

Tratando-se, portanto, de juízo de viabilidade sobre a acusação, comprovada a ocorrência do fato e havendo indícios que apontem sua autoria, cabe o encaminhamento do caso ao Tribunal do Júri, juiz natural dos crimes dolosos contra a vida, que fará a análise do mérito e a valoração da prova.

No caso em análise, a materialidade e os indícios de autoria restaram evidenciados pela Ocorrência Policial (evento 2, DEN_E_IP16 fl. 9-16), pelo laudo necropsia (evento 2, DEN_E_IP14 fls. 23-39), pelo laudo pericial (evento 2, DEN_E_IP3 fls. 64-73) pelo relatório de diligências (evento 2, DEN_E_IP1 fl.9), pelo inquérito policial (evento 2, DEN_E_IP2 - fls. 21-27) e prova oral produzida, a qual transcrevo da sentença de pronúncia, de lavra da Em. Juíza de Direito, Drª. Magáli Ruperti Rabello, a fim de evitar tautologia:

A testemunha Rafael P. A. Delegado de Polícia, na seara judicial, relatou que presidiu o inquérito que apurou os fatos, participando de boa parte de sua instrução. Detalhou que no local dos fatos, onde estava o corpo da vítima, já colheram informações de que o autor do homicídio era o indivíduo conhecido por “Bolinha”, após uma troca de tiros em que a vítima também teria acertado o réu. Asseverou que pouco depois foram avisados que Bolinha havia entrado no hospital com ferimento de arma de fogo, o que...

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