Acórdão nº 50002174020208210084 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Nona Câmara Cível, 24-06-2022

Data de Julgamento24 Junho 2022
ÓrgãoDécima Nona Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50002174020208210084
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002092743
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

19ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5000217-40.2020.8.21.0084/RS

TIPO DE AÇÃO: Cláusulas Abusivas

RELATORA: Desembargadora MYLENE MARIA MICHEL

APELANTE: GILBERTO CEZAR (AUTOR)

APELANTE: FACTA FINANCEIRA S.A. CREDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO (RÉU)

APELADO: OS MESMOS

RELATÓRIO

Trata-se de Apelações Cíveis interpostas por GILBERTO CEZAR e FACTA FINANCEIRA S.A. CREDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO contra sentença de parcial procedência proferida nos autos da Ação Revisional de Empréstimo Consignado, com Repetição do Indébito, em que contendem.

A parte ré deixou de acostar a integralidade dos contratos que motivam o ajuizamento da presente ação.

Eis o dispositivo da sentença:

Isto posto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a ação que ingressou o autor GILBERTO CEZAR, já qualificado, contra FACTA FINANCEIRA S.A. CREDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO, também qualificada, para fim de em relação ao CONTRATO Nº 0013721550 limitar os juros remuneratórios de acordo com a taxa média de mercado divulgada pelo BACEN para o período da contratação e os juros moratórios em 1% ao mês, além de afastar a capitalização mensal dos juros e a cobrança de comissão de permanência. Em caso de mora deve incidir juros moratórios de 1% ao mês, multa de 2%, correção monetária pelo IGP-M, vedada a comissão de permanência. Em liquidação de sentença, se for verificado que a parte autora pagou valores maior, o demandado deverá devolver estes valores após a compensação dos valores devidos, mas esta devolução não deverá ocorrer em dobro, tendo em vista que os pagamentos foram efetuados enquanto as cláusulas não estavam anuladas. Sobre os valores incontroversos, depositados e pagos, não poderão ser aplicados os efeitos da mora. Torno definitiva a tutela concedida em grau de liminar em relação ao contrato nº 0013721550 e revogo a tutela concedida em grau de liminar em relação ao contrato nº 1350460009. CONDENO a demandada ao pagamento de um terço das custas processuais e honorários advocatícios que arbitro em R$ 800,00 (oitocentos reais), observados os critérios do artigo 85 do Código de Processo Civil. CONDENO o demandante ao pagamento de dois terços das custas processuais e honorários advocatícios que arbitro em R$ 1.600,00 (um mil e sesicentos reais), observados os critérios do artigo 85 do Código de Processo Civil, salientando que a cobrança da sucumbência da parte autora fica suspensa enquanto perdurarem os motivos que embasaram a concessão da gratuidade da Justiça.

Cumpram-se as demais formalidades legais.

Em suas razões recursais, a parte ré defende a manutenção: a) dos juros remuneratórios pactuados no contrato n. 0013721550; b) a capitalização de juros em periodicidade mensal; c) dos descontos no benefício previdenciário da autora; d) da inclusão do nome da parte autora em cadastros de restrição de crédito, em virtude de inadimplência.

Por sua vez, a parte autora, requer a devolução dos valores pagos a maior, em dobro, bem como a condenação da parte ré ao pagamento de indenização por danos morais, no valor de R$ 10.000,00.

Regularmente intimadas, ambas as partes apresentaram contrarrazões, pugnando pelo desprovimento do apelo da parte adversa.

Remetidos os autos a esta Egrégia Corte, o recurso foi distribuído.

Vieram conclusos para julgamento.

É o relatório.

VOTO

Eminentes colegas.

Conheço dos recursos, porquanto preenchidos os requisitos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade aplicáveis à espécie, cujo exame dar-se-á de forma conjunta.

A matéria debatida no feito é amplamente conhecida em razão das milhares de demandas análogas em curso no Poder Judiciário, estando, de resto, pacificada nos Tribunais Superiores (entre outros precedentes, destaca-se o Recurso Especial repetitivo n. 1.061.530-RS, relatora a Ministra Nancy Andrighi, 2ª Seção, julgado em 22.10.2008, pub. no DJe de 10.03.2009, que abordou diversos aspectos desse tipo de contratação) o que permite a objetivação do voto, como segue.

Dos Juros Remuneratórios.

A matéria já se encontra pacificada no âmbito do Superior Tribunal de Justiça. Conforme o entendimento daquela Corte, "as instituições financeiras não se sujeitam à limitação estipulada na Lei de Usura (Súmula 596/STF), sendo certo que, na esteira dos precedentes desta Corte, a estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só, não indica abusividade apta a possibilitar a revisão das taxas contratadas, a qual só se admite em situações excepcionais, desde que caracterizada a relação de consumo e que a abusividade fique cabalmente demonstrada, no caso concreto" (AgRg no REsp n. 886.220/RS, relator o Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, 3ª Turma, julgado em 15.03.2011, pub. no DJe de 24.03.2011).

De outra parte, ainda consoante a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, constatada a abusividade dos juros remuneratórios, "impõe-se a sua limitação à taxa média de mercado, segundo apuração do Banco Central do Brasil (ut EDcl no AgRg no Resp 480.221/RS, Rel. Min. Hélio Quaglia Barbosa, DJ 27.3.2007 e AgRg no Resp 716.608/RS, Relator Ministro Ari Pagendler, DJ 01.02.2006" (AgRg no REsp n. 1.238.037/SC, relator o Ministro Massami Uyeda, da 3ª Turma, julgado em 24.05.2011, pub. no DJe de 07.06.2011).

Na hipótese de não ter vindo aos autos o contrato bancário firmado entre as partes, como ocorre com relação ao contrato n. 0013721550, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que, “ausente o contrato entabulado entre as partes, prevalece a taxa média de mercado estipulada pelo Bacen nas operações da espécie” (AgRg no REsp n. 959.678/RS, relator o Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, da 3ª Turma, julgado em 14.06.2011, pub. no DJe de 21.06.2011).

Em decorrência, no caso dos autos, os juros remuneratórios devem ser limitados à taxa média divulgada pelo BACEN para a respectiva operação bancária, considerada a data em que celebrada a avença entre as partes, precisamente como determinado na sentença.

Da Capitalização dos juros.

Conforme o entendimento pacífico do Superior Tribunal de Justiça, é permitida a capitalização dos juros nas “... operações realizadas pelas instituições financeiras integrantes do Sistema Financeiro Nacional, desde que celebradas a partir da publicação da Medida Provisória n. 1.963-17 (31.3.00) e que pactuada” (AgRg no REsp n. 1.159.158/MT, relator o Ministro Sidnei Beneti, 3ª Turma, julgado em 14.06.2011, pub. no DJe de 22.06.2011).

No caso, por não se encontrar nos autos o contrato n. 0013721550, não é possível saber se foi pactuada a incidência da capitalização de juros (e em qual periodicidade), consoante o entendimento do c. STJ, expresso no julgamento do REsp. 1.388.972/SC (Tema 953), assim ementado:

RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA - ARTIGO 1036 E SEGUINTES DO CPC⁄2015 - AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATOS BANCÁRIOS - PROCEDÊNCIA DA DEMANDA ANTE A ABUSIVIDADE DE COBRANÇA DE ENCARGOS - INSURGÊNCIA DA CASA BANCÁRIA VOLTADA À PRETENSÃO DE COBRANÇA DA CAPITALIZAÇÃO DE JUROS

1. Para fins dos arts. 1036 e seguintes do CPC⁄2015.

1.1 A cobrança de juros capitalizados nos contratos de mútuo é permitida quando houver expressa pactuação.

2. Caso concreto:

2.1 Quanto aos contratos exibidos, a inversão da premissa firmada no acórdão atacado acerca da ausência de pactuação do encargo capitalização de juros em qualquer periodicidade demandaria a reanálise de matéria fática e dos termos dos contratos, providências vedadas nesta esfera recursal extraordinária, em virtude dos óbices contidos nos Enunciados 5 e 7 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça.

2.2 Relativamente aos pactos não exibidos, verifica-se ter o Tribunal a quo determinado a sua apresentação, tendo o banco-réu, ora insurgente, deixado de colacionar aos autos os contratos, motivo pelo qual lhe foi aplicada a penalidade constante do artigo 359 do CPC⁄73 (atual 400 do NCPC), sendo tido como verdadeiros os fatos que a autora pretendia provar com a referida documentação, qual seja, não pactuação dos encargos cobrados.

2.3 Segundo a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, é possível tanto a compensação de créditos quanto a devolução da quantia paga indevidamente, independentemente de comprovação de erro no pagamento, em obediência ao princípio que veda o enriquecimento ilícito. Inteligência da Súmula 322⁄STJ.

2.4 Embargos de declaração manifestados com notório propósito de prequestionamento não tem caráter protelatório. Inteligência da súmula 98⁄STJ.

2.5 Recurso especial parcialmente provido apenas para afastar a multa imposta pelo Tribunal a quo.

(REsp 1.388.972/SC, Rel. Ministro MARCO BUZZI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 08/02/2017)

Com efeito, no REsp. 1.388.972/SC foi analisada a possibilidade de cobrança de capitalização anual de juros independentemente de expressa pactuação entre as partes, restando firmada a seguinte tese: A cobrança de juros capitalizados nos contratos de mútuo é permitida quando houver expressa pactuação.

No caso concreto, ausente o referido contrato, inviável verificar se houve ou não pactuação expressa acerca da capitalização dos juros remuneratórios.

Vedada, de consequência, no que pertine a esse contrato, a capitalização dos juros remuneratórios, conforme determinado na sentença.

Da Compensação/Repetição do Indébito.

Considerando a revisão dos termos da avença, o entendimento pacífico do Superior Tribunal de Justiça "é no sentido de se admitir a compensação de valores e, mesmo, a repetição de indébito, na forma simples, na hipótese de restar verificado o pagamento indevido, com o desiderato de evitar o enriquecimento ilícito, independentemente da comprovação do erro (ut AgRg no REsp 807052/RS, Relatora Ministra Nancy Andrighi, DJ...

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