Acórdão nº 50002204420198210079 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Quinta Câmara Cível, 01-03-2023

Data de Julgamento01 Março 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50002204420198210079
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoQuinta Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003232696
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

5ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5000220-44.2019.8.21.0079/RS

TIPO DE AÇÃO: Cláusulas Abusivas

RELATORA: Desembargadora ISABEL DIAS ALMEIDA

APELANTE: UNIMED NORDESTE RS SOCIEDADE COOP DE SERV MEDICOS LTDA (RÉU)

APELADO: VALDIR LAVARDA (AUTOR)

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação interposto por UNIMED NORDESTE RS SOCIEDADE COOPERATIVA DE SERVIÇOS MÉDICOS LTDA. contra a sentença (evento 27, SENT1) que, nos autos da ação revisional ajuizada por VALDIR LAVARDA, julgou a demanda nos seguintes termos:

Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE a presente ação de revisão contratual com declaração de nulidade de cláusulas abusivas, cumulada com pedido de restituição de valores, para fins de declarar nula a cláusula que prevê o aumento da mensalidade do plano de saúde ao atingir 70 anos de idade, sob a alegação de mudança de faixa etária, e condenar a parte requerida à restituição dos valores cobrados indevidamente, em razão da mudança de faixa etária, a partir de 10-11-2019, corrigidos monetariamente pelo IGPM/FGV a partir do vencimento de cada parcela e, acrescidos de juros legais de 12% ao ano, a contar da citação, tudo até o efetivo pagamento.

Condeno a requerida ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios em favor da parte adversa, arbitrados em 10% sobre o valor da condenação apurado na data do trânsito em julgado.

Em suas razões (evento 42, DOC1), a ré relata os fatos e suscita, inicialmente, que a sentença se revelou ultra petita ao tratar dos reajustes anuais, haja vista a inexistência de pedido autoral nesse tocante, assim tendo o julgamento desbordado dos limites da causa. No mérito, informa que o contrato originário foi firmado em 2001, entre a ACISA-IPÊ e a Unimed Altos da Serra, tendo sido posteriormente cedido à Unimed Nordeste. Sendo assim, devem incidir no caso as regras da Resolução CONSU 06/1998, e não da RN 63/2003. Tece considerações legais e assevera que o reajuste de 29,76% realizado por ocasião do implemento dos 70 anos do autor não é abusivo. Discorre sobre o princípio da igualdade e refere ausência de abusividade. Menciona que os reajustes em razão da mudança da faixa etária tem escopo em nota técnica atuarial. Destaca, outrossim, que os planos coletivos não precisam de autorização prévia da ANS para aplicação de reajustes monetários, sendo esses determinados mediante livre negociação entre contratante e contratada. Não existindo abusividade, pugna o afastamento do dever de ressarcimento de valores imposto na sentença, julgando-se improcedente o pleito autoral. Pugna pelo provimento do apelo.

Apresentadas contrarrazões (evento 46, CONTRAZ1) no sentido, os apelados se manifestam no sentido do desprovimento.

Determinado o sobrestamento do feito até julgamento dos Temas 952 e 1016 do STJ (evento 13, DESPADEC1).

Noticiado o trânsito em julgado dos recursos paradigmas no c. STJ (evento 19, CERT1) e intimadas as partes a esse respeito (evento 21, DESPADEC1), o prazo transcorreu "in albis" (evento 27).

Vieram os autos conclusos para julgamento.

Foram observados os dispositivos legais, considerando a adoção do sistema informatizado.

É o relatório.

VOTO

O apelo é adequado, tempestivo e a ré comprova o recolhimento do preparo (evento 42), razão pela qual passo ao seu enfrentamento.

Melhor situando o objeto da controvérsia, adoto o relato da sentença, vertido nos seguintes termos:

VALDIR LAVARDA, qualificado e representado, ajuizou ação de revisão contratual com declaração de nulidade de cláusulas abusivas, cumulada com pedido de restituição de valores contra a UNIMED NORDESTE/RS, também qualificada e representada, expondo que firmou com a requerida contrato de prestação de serviços de assistência médico-hospitalar, mediante contraprestação pecuniária mensal. No mês de setembro/2019, a contribuição mensal paga pela parte autora sofreu um reajuste no percentual de 29,78%, passando de R$ 742,20 para R$ 963,00. O aumento da contribuição mensal decorreu da mudança de faixa etária, ao implementar 70 anos de idade (02-10-2019). Aos contratos médico-hospitalares aplica-se o Código de Proteção e Defesa do Consumidor. O aumento da mensalidade em virtude de mudança da faixa etária é abusivo. Houve violação ao disposto no parágrafo terceiro, do artigo 15, da Lei nº 10.741/03 (Estatuto do Idoso), bem como ao artigo 51, incisos IV e X, parágrafo primeiro e inciso III, todos do Código de Proteção e Defesa do Consumidor. Requereu julgamento procedente para fins de declarar nula a cláusula contratual que estabelece o aumento por mudança de faixa etária, após o implemento da idade de 70 anos, bem como para condenar a demandada à restituição dos valores cobrados indevidamente. Ainda, pediu a concessão do benefício da gratuidade de justiça, o qual foi deferido. Deu à causa o valor de alçada. Juntou procuração e documentos.

Citada, a requerida apresentou contestação alegando, em suma, que o autor aderiu ao plano de saúde coletivo. Não incidência do Estatuto do Idoso. Legalidade do reajuste por mudança de faixa etária. Ausência de abusividade. Pediu o julgamento improcedente. Juntou procuração e documentos.

Houve réplica.

O autor requereu o julgamento como ação individual.

Sobreveio sentença de procedência, desafiando recurso pela demandada.

De início, vai rechaçada a prefacial de sentença ultra petita. Consoante se observa, o julgamento limitou-se ao exame do reajuste do plano de saúde fundado no implemento da faixa etária dos 70 anos do autor, em momento algum analisando qualquer outra espécie de elevação das mensalidades, nem mesmo a decorrente de reajuste anual.

Assim, afasto a prefacial.

Na espécie, do que se compulsa dos autos, observa-se que a contratação do plano atualmente vigente entre a ré e a Associação Comercial, Industrial, Serviços e Agricultura de Ipê foi firmado em setembro de 2004 (evento 15, CONTR6), sendo que em novembro de 2009, quando o autor alcançou 70 anos de idade, sofreu um aumento de sua mensalidade de 29,76%.

Atinente à cláusula de reajuste com base na faixa etária do beneficiário do plano de saúde coletivo, a Segunda Seção do colendo Superior Tribunal de Justiça firmou a seguinte tese no Tema 1016:

(a) Aplicabilidade das teses firmadas no Tema 952/STJ aos planos coletivos, ressalvando-se, quanto às entidades de autogestão, a inaplicabilidade do CDC;

(b) A melhor interpretação do enunciado normativo do art. 3°, II, da Resolução n. 63/2003, da ANS, é aquela que observa o sentido matemático da expressão 'variação acumulada', referente ao aumento real de preço verificado em cada intervalo, devendo-se aplicar, para sua apuração, a respectiva fórmula matemática, estando incorreta a simples soma aritmética de percentuais de reajuste ou o cálculo de média dos percentuais aplicados em todas as faixas etárias.

Já por ocasião do julgamento do REsp 1568244/RJ (Tema 952), a Corte Superior assim definiu:

RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO OCORRÊNCIA. CIVIL. PLANO DE SAÚDE. MODALIDADE INDIVIDUAL OU FAMILIAR. CLÁUSULA DE REAJUSTE DE MENSALIDADE POR MUDANÇA DE FAIXA ETÁRIA. LEGALIDADE. ÚLTIMO GRUPO DE RISCO. PERCENTUAL DE REAJUSTE. DEFINIÇÃO DE PARÂMETROS. ABUSIVIDADE. NÃO CARACTERIZAÇÃO. EQUILÍBRIO FINANCEIRO-ATUARIAL DO CONTRATO.

1. A variação das contraprestações pecuniárias dos planos privados de assistência à saúde em razão da idade do usuário deverá estar prevista no contrato, de forma clara, bem como todos os grupos etários e os percentuais de reajuste correspondentes, sob pena de não ser aplicada (arts. 15, caput, e 16, IV, da Lei nº 9.656/1998).

2. A cláusula de aumento de mensalidade de plano de saúde conforme a mudança de faixa etária do beneficiário encontra fundamento no mutualismo (regime de repartição simples) e na solidariedade intergeracional, além de ser regra atuarial e asseguradora de riscos.

3. Os gastos de tratamento médico-hospitalar de pessoas idosas são geralmente mais altos do que os de pessoas mais jovens, isto é, o risco assistencial varia consideravelmente em função da idade. Com vistas a obter maior equilíbrio financeiro ao plano de saúde, foram estabelecidos preços fracionados em grupos etários a fim de que tanto os jovens quanto os de idade mais avançada paguem um valor compatível com os seus perfis de utilização dos serviços de atenção à saúde.

4. Para que as contraprestações financeiras dos idosos não ficassem extremamente dispendiosas, o ordenamento jurídico pátrio acolheu o princípio da solidariedade intergeracional, a forçar que os de mais tenra idade suportassem parte dos custos gerados pelos mais velhos, originando, assim, subsídios cruzados (mecanismo do community rating modificado).

5. As mensalidades dos mais jovens, apesar de proporcionalmente mais caras, não podem ser majoradas demasiadamente, sob pena de o negócio perder a atratividade para eles, o que colocaria em colapso todo o sistema de saúde...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT