Acórdão nº 50002211420148210076 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Sétima Câmara Cível, 14-07-2022

Data de Julgamento14 Julho 2022
ÓrgãoDécima Sétima Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50002211420148210076
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002409984
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

17ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5000221-14.2014.8.21.0076/RS

TIPO DE AÇÃO: Produto Impróprio

RELATORA: Desembargadora LIEGE PURICELLI PIRES

APELANTE: COOPERATIVA REGIONAL DA REFORMA AGRARIA MAE TERRA LTDA (RÉU)

APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (AUTOR)

RELATÓRIO

Adoto, de início, o relatório da sentença (p. 48-50 de Evento 3, PROCJUDIC33 e p. 1-11 de Evento 3, PROCJUDIC34):

O Ministério Público de Tupanciretã em atuação conjunta com a Promotoria Especializada de Defesa do Consumidor de Porto Alegre ajuizou ação coletiva de consumo com pedido de tutela antecipada contra a Cooperativa Regional Agrária Mãe Terra Ltda. Narrou que a presente demanda se originou de inquérito civil para apurar comercialização de produtos lácteos com vícios de qualidade, além de procedimento investigatório criminal, denominado “Operação Leite Compensado IV”, a fim de apurar crimes de falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de substância ou produtos alimentícios em diversos municípios do Rio Grande do Sul. Referiu que alguns transportadores estariam adicionando produtos químicos no leite in natura com a finalidade de mascarar a adição de água e aumentar o volume do produto, objetivando elevar a lucratividade. Afirmou que tal prática reduz o valor nutritivo do leite e causa riscos à saúde do consumidor. Apontou que, realizados testes e perícias, os laudos indicaram irregularidades. Relatou os procedimentos investigatórios realizados, bem como os seus resultados. Destacou o laudo que apontou irregularidades no leite cru refrigerado, coletado e transportado pela empresa Lacticínios O Rei do Sul, envolvendo outras entre as quais Cooperterra. Observou a interdição daquele estabelecimento, bem como a prisão de seu representante legal, Odir Zamadei. Referiu que por determinação do MAPA/RS foi informada a destinação do leite cru refrigerado que resultou na industrialização de diversos lotes de leite UHT das marcas PARMALAT e LÍDER com vício de qualidade, dentre eles a presença de formaldeído. Discorreu sobre os laudos técnicos. Verberou sobre práticas comerciais abusivas. Informou sobre os malefícios do formaldeído e da ureia. Obtemperou sobre a violação de direitos da infância e juventude, onde se encontram o maior número de consumidores de leite. Apontou os direitos tutelados e defendeu a ocorrência de dano moral coletivo. Postulou a inversão do ônus da prova. Pediu a antecipação de tutela para compelir a ré à obrigação de não fazer, abstendose de produzir, transportar ou fornecer produtos lácteos que não atendam às normas legais, sob pena de multa; quebra de sigilo bancário com bloqueio; decretação de indisponibilidade de bens. Pediu, ainda, a procedência da ação para tornar definitiva a medida liminar concedida; a condenação da demandada à obrigação de indenizar os interesses difusos lesados em decorrência do abalo à harmonia nas relações de consumo e da violação de direitos básicos do consumidor, especialmente o dano moral coletivo; a condenação à obrigação de indenizar os consumidores genericamente considerados a título de interesses individuais homogêneos a ser exercida pelos próprios consumidores. Juntou documentos.

Deferida parcialmente a liminar (fl.206/209), a ré foi citada e contestou. O Ministério Público interpôs recursos de agravo de instrumento e obteve efeito ativo no TJRS para antecipar a tutela nos termos do disposto na fl. 229 (bloqueio de valores e indisponibilidade de bens). Foram impostas restrições em veículos (fl. 248/251) e bloqueados valores (fl. 256).

Sobreveio contestação às fls. 257/275. Relatou brevemente os fatos trazidos na exordial. Rechaçou a aplicação do CDC e a legitimidade da COOPERTERRA. Impugnou a possibilidade de inversão da prova. Afastou a existência de conduta ilícita e, em consequência, a inexistência de dano material com possibilidade de responsabilização civil. Refutou o pleito de danos morais e de condenação à obrigação genérica de indenizar. Requereu o acolhimento das preliminares, inclusive o reconhecimento da responsabilidade solidária dos envolvidos na cadeia produtiva. Pediu a total improcedência da ação. Juntou documentos.

Houve réplica.

O recurso de agravo de instrumento foi parcialmente provido para confirmar a liminar concedia (fl. 777/782). Foi interposto agravo regimental e não foi conhecido (fl. 784/787).

Publicado edital previsto no art. 94 da Lei 8078/90, foi deferida a prova emprestada de ação de busca e apreensão (076/2.14.0000127-5). Sobreveio pedido do DETRAN sobre a destinação dos veículos restritos, o que foi indeferido, em que pese os veículos já tivessem sido encaminhados à reciclagem (fl. 815).

As partes foram instadas a dizerem sobre as provas a produzir. A parte autora pediu o aproveitamento da prova testemunhal angariada no processo criminal e a parte ré, a oitiva de testemunhas. Foi invertido o ônus da prova e indeferido o pedido de chamamento ao processo formulado pela parte ré (fl. 844).

Durante a instrução, foram ouvidas testemunhas. O Ministério Público insistiu na juntada de cópia de depoimentos prestados extrajudicialmente no expediente policial 076/2140000127-5, o que aportou nas fls. 960/985.

Em memoriais, o Ministério Público pediu a procedência dos pedidos em atenção à prova contida nos autos. A requerida insurgiu-se contra a falta de oficiamento aos laboratórios mencionados a fim de obter os laudos dos produtores no período mencionado. Refutou a aplicação do CDC. Insistiu na ilegitimidade passiva. Reiterou a responsabilidade solidária e o chamamento ao processo. Quanto ao mérito, disse ser improcedente o pedido como um todo.

Vieram os autos conclusos para prolação de sentença.

Acrescento que sobreveio julgamento de procedência, dele constando o seguinte dispositivo:

Diante do exposto, julgo PROCEDENTES os pedidos contidos na ação coletiva de consumo proposta pelo Ministério Público contra COOPERTERRA - Cooperativa Regional de Reforma Agrária Mãe Terra Ltda para:

a) condenar a demandada à obrigação de não-fazer consistente em se abster de produzir, transportar ou fornecer produtos lácteos que não atendam às normas legais, sob pena de multa diária de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) por hipótese de descumprimento, até o limite de R$ 1.000.000,00, confirmando a liminar deferida;

b) condenar a ré ao pagamento de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) a título de indenização pelos danos morais coletivos que causou, a ser revertida em favor do Fundo de Reconstituição de Bens Lesados, cifra que deve ser corrigida monetariamente pelo IGP-M/FGV desde a sentença e acrescida de juros de mora de 1% ao mês a partir da 16 64-1-076/2020/10816 - 076/1.14.0000438-2 (CNJ:.0000685- 26.2014.8.21.0076) citação, ambos os consectários até o efetivo pagamento;

c) condenar a réu a indenizar os consumidores genericamente considerados pelos danos decorrentes do agir ilícito apurado, nos termos do artigo 95 do CDC;

d) condenar o ré a efetuar a publicação da condenação em três jornais de circulação estadual (Zero Hora, Correio do Povo e O Sul), em três dias alternados, nas dimensões de 15cm X 15cm, sendo que o não cumprimento desta determinação implicará em multa diária de R$ 500,00 (quinhentos reais), até o limite de R$ 10.000,00. A publicação deverá ser na forma supra descrita.

Ainda, condeno a ré ao pagamento das custas e despesas processuais. Sem condenação ao pagamento de honorários por ser o Ministério Público o autor da ação.

Opostos embargos de declaração, foram rejeitados (p. 28 de Evento 3, PROCJUDIC34).

Inconformada, apelou a parte ré (p. 31-50 de Evento 3, PROCJUDIC34 e p. 1-14 de Evento 3, PROCJUDIC35). Em suas razões recursais, sustenta cerceamento de defesa, considerando o indeferimento do pedido de remessa de ofício a laboratório CIENTEC solicitando o envio dos laudos dos produtores, entre os meses de 11/2013 e 5/2014. Diz que os laudos eram imprescindíveis para a comprovação da qualidade do leite transportado pela Cooperativa. Aponta, ademais, que a destruição, pelo DETRAN, do caminhão apreendido ocasionou cerceamento, pois impossibilitou nova prova sobre a inexistência de qualquer irregularidade nos caminhões e leites da Cooperativa. Entende, de outro canto, pela impossibilidade de aplicação do Código de Defesa do Consumidor ao caso, bem como sua ilegitimidade passiva. E isso porque, conforme entende, não foi demonstrado o nexo de causalidade entre a Cooperativa e os consumidores. Discorre sobre a impossibilidade de inversão do ônus probatório, pois tal medida necessita justificativa e porque tampouco se transfere automaticamente a hipossuficiência dos consumidores desconhecidos e supostamente afetados que estão substituídos pelo Ministério Público. Não sendo esse o entendimento, defende que, então, toda a cadeia produtiva deveria ser chamada ao processo e responsabilizada. No mérito, primeiramente, historia os fatos acerca de sua atividade e aduz que ter sido surpreendida em 14/3/2014 por ordem de busca e apreensão. Aponta que, quando do cumprimento do mandado, não foi encontrado nenhum dos produtos químicos que, segundo o MP, teriam sido utilizados para adulterar o leite. Afirma que não se utilizou e não se utiliza de produto químico no ato de comercialização do leite. Salienta que só foi constatada a presença de formaldeído na amostra retirada do tanque n. 1 do caminhão, de forma que, se a prática da Cooperativa fosse adulterar o produto, os demais tanques também deveriam conter leite com este produto químico, além de que estes estavam interligados. Refere que, no momento da coleta do leite, não foram identificados elementos obrigatórios e essenciais como temperatura na colheita, marca, lote e...

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