Acórdão nº 50002229620148210076 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Segunda Câmara Cível, 31-01-2022

Data de Julgamento31 Janeiro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50002229620148210076
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoSegunda Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001535903
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

2ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5000222-96.2014.8.21.0076/RS

TIPO DE AÇÃO: Oncológico

RELATORA: Desembargadora LAURA LOUZADA JACCOTTET

APELANTE: ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RÉU)

APELADO: MARINA VERONICA DOS SANTOS MACHADO (AUTOR)

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação interposto pelo ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, nos autos da ação que lhe move MARINA VERÔNICA DOS SANTOS MACHADO, igualmente movida contra o MUNICÍPIO DE TUPANCIRETÃ, em face da sentença julgou procedente a demanda, nos seguintes termos:

Diante do exposto, com fulcro no art. 487, I, do CPC, ACOLHO o pedido inicial, para condenar o ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL e o MUNICIPIO DE TUPANCIRETÃ a fornecer, gratuitamente, à parte autora, os seguintes medicamentos Clopim, Xarelto, Cebralat, Medicorten, Metrexato, AAS protec, Predsin, Omeoprazol e Lozartana, enquanto necessário e conforme prescrição médica. A necessidade do fármaco acima mencionado poderá ser reavaliada a cada seis meses, mediante a apresentação de atestados médicos que justifiquem o prosseguimento do tratamento.

Condeno os réus ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, que fixo em R$ 400,00 (quatrocentos reais), conforme o art. 85, § 8º, do CPC. 11 64-1-076/2020/14967 - 076/1.14.0000746-2 (CNJ:.0001226- 59.2014.8.21.0076) Considerando que a presente demanda foi ajuizada antes de 15/06/2015, não há a incidência da Lei Estadual nº 14.634/14 que dispõe da Taxa Única de Serviços Judiciais, de forma que as custas e despesas serão cobradas conforme o Regimento de Custas, acima referido (Lei Estadual nº 8.121/85).

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Havendo recurso, proceda-se nos termos do art. 1.010 e seguintes do CPC.

Em suas razões, discorre sobre a necessidade da observância da normativa atinente à Denominação Comum Brasileira, em particular a Lei nº 9.787/99 (Lei do Medicamento Genérico), em que as aquisições de medicamento no âmbito do Sistema Único de Saúde adotarão obrigatoriamente a DCB. Aduz acerca da impossibilidade de fornecer medicamento com indicação de marca específica, pois fornecimento de um fármaco de marca determinada viola art. 15, §7º da Lei nº 8.666/93. Pugna para que seja consignada a obrigatoriedade de apresentação pela parte autora de exames médicos que atestem a necessidade de continuidade do tratamento, em periodicidade não superior a três meses. Requer o provimento do recurso para que seja reformada a sentença, a fim de que os medicamentos fornecidos estejam de acordo com a Denominação Comum Brasileira, sem marca específica e seja apresentado laudo médico a cada pelo menos três meses.

Foram apresentadas contrarrazões.

O Parquet manifestou-se pelo parcial provimento do recurso.

Após, vieram os autos conclusos para julgamento.

É o relatório.

VOTO

Conheço do recurso, visto que presentes os pressupostos de admissibilidade, e passo à sua análise.

MARINA VERÔNICA DOS SANTOS MACHADO ajuizou a presente ação em desfavor do ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL e do MUNICÍPIO DE TUPANCIRETÃ, para obter o fornecimento dos medicamentos Xarelto (Rivaroxabana) 20mg c/28 cp; Clopin (Bissulfato de Clopidogrel) 75mg c/30 cp; AAS Protect (Ácido Acetilsalicilico) 100mg c/ 30 cp; Milgamma (Benfotiamina) 150mg c/ 30cp e Predsim (Prednisolona) 5mg c/ 20 cp, para uso contínuo e regular.

Deferida a tutela de urgência.

Ao longo da demanda, incluídos os medicamentos Omeprazol 20mg, Losartana 50mg, Cebralat (Cilostazol) 50mg, Meticorten (Prednisona) 5mg e Metrexato (Metotrexato) 2,5mg; excluído o Milgamma.

Após regular trâmite da lide, sobreveio sentença, a qual confirmou a tutela provisória de urgência, condenando os réus ao fornecimento dos medicamentos postulados.

Dessa decisão, insurgiu-se o Estado quanto à inobservância da Denominação Comum Brasileira dos fármacos constantes na sentença, impossibilitando a aquisição de fórmulas genéricas.

Pois bem, ainda que assista razão ao Estado do Rio Grande do Sul quanto à Denominação Comum Brasileira, há questão processual preliminar a ser solvida, qual seja, a competência para processamento e julgamento da demanda em face da necessidade de complementação do polo passivo.

Vejamos.

Nos termos do art. 196 da Constituição Federal, a saúde é direito de todos e dever do Estado, sendo assegurado o acesso universal e igualitário às ações e serviços para a promoção, proteção e recuperação da saúde.

Compete ao Poder Público, independentemente da esfera institucional a que pertença, a responsabilidade de cuidar do sistema de saúde posto à disposição da população, o que permite ao cidadão direcionar a busca por seus direitos a qualquer dos entes públicos. Dessa forma, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios detêm competência comum, em matéria administrativa, para cuidar da saúde e assistência pública, consoante dispõe o art. 23, inciso II, da Constituição Federal, inexistindo ordem na busca dos serviços e ações.

No que tange ao funcionamento do SUS, vale destacar que há responsabilidade solidária dos entes federativos, detendo, todos, legitimidade passiva para figurar no polo passivo de ações que versem sobre os serviços e ações de saúde. Os entes públicos possuem o dever de fornecer os meios indispensáveis à promoção da saúde, direito social assegurado pela Constituição Federal, não se podendo isentar da obrigação que lhe cabe.

Nessa moldura, o entendimento dantes adotado por este Órgão Fracionário frente ao julgamento do Tema 793 do Supremo Tribunal Federal mantinha a interpretação da responsabilidade solidária entre os entes federativos em litisconsórcio passivo facultativo, considerando-se desnecessária a inclusão da União nos casos em que o medicamento não constasse das listas do SUS.

Todavia, dia após dia estão surgindo novos julgamentos monocráticos da Corte Suprema, demonstrando que não houve tão simplesmente a reafirmação da responsabilidade solidária como até então empregada, mas espécie híbrida, na medida em que se exige a presença obrigatória da União nas ações em que seja requerido tratamento/medicamento que não faça parte das listas do SUS. Em outros termos, caracterizado o litisconsórcio passivo necessário, em tal hipótese.

O chamado "desenvolvimento da tese da solidariedade" deu-se do seguinte modo, segundo o relator, Ministro Edson Fachin:

[...]

3) Quanto ao desenvolvimento da tese da solidariedade enuncia-se o seguinte:

I) A obrigação a que se relaciona a reconhecida responsabilidade solidária é a decorrente da competência material comum prevista no artigo 23, II, CF, de prestar saúde, em sentido lato, ou seja: de promover, em seu âmbito de atuação, as ações sanitárias que lhe forem destinadas, por meio de critérios de hierarquização e descentralização (arts. 196 e ss.CF);

II) Afirmar que “o polo passivo pode ser composto por qualquer um deles (entes), isoladamente ou conjuntamente” significa que o usuário, nos termos da Constituição (arts. 196e ss.) e da legislação pertinente (sobretudo a lei orgânica do SUS n. 8.080/90) tem direito a uma prestação solidária, nada obstante cada ente tenha o dever de responder por prestações específicas;

III) Ainda que as normas de regência (Lei 8.080/90 e alterações, Decreto 7.508/11,e as pactuações realizadas na Comissão Intergestores Tripartite) imputem expressamente a determinado ente a responsabilidade principal (de financiar a aquisição) pela prestação pleiteada, é lícito à parte incluir outro ente no polo passivo, como responsável pela obrigação, para ampliar sua garantia, como decorrência da adoção da tese da solidariedade pelo dever geral de prestar saúde;

IV) Se o ente legalmente responsável pelo financiamento da obrigação principal não compuser o polo passivo da relação jurídico processual, compete a autoridade judicial direcionar o cumprimento conforme as regras de repartição de competências e determinar o ressarcimento a quem suportou o ônus financeiro, sem prejuízo do redirecionamento em caso de descumprimento;

V) Se a pretensão veicular pedido de tratamento, procedimento, material ou medicamento não incluído nas políticas públicas (em todas as suas hipóteses), a União necessariamente comporá o polo passivo, considerando que o Ministério da Saúde detém competência para a incorporação, exclusão ou alteração de novos medicamentos, produtos, procedimentos, bem como constituição ou a alteração de protocolo clínico ou de diretriz terapêutica (art. 19-Q, Lei 8.080/90), de modo que recai sobre ela o dever de indicar o motivo da não padronização e eventualmente iniciar o procedimento de análise de inclusão, nos termos da fundamentação;

VI) A dispensa judicial de medicamentos, materiais, procedimentos e tratamentos pressupõe ausência ou ineficácia da prestação administrativa e a comprovada necessidade, observando, para tanto, os parâmetros definidos no artigo 28 do Decreto Federal n. 7.508/11". (Grifei)

Com efeito, denota-se, de plano, que não se está diante de hipótese de reconhecimento de ilegitimidade passiva, porquanto mesmo que a responsabilidade pela dispensação, à vista da forma como regrada a repartição das obrigações entre os entes federados, eventualmente não venha a tocar aos entes demandados, à parte necessitada, autora da demanda, é dado colocá-los no polo passivo da demanda como forma de ampliar sua garantia de que verá o seu direito realizado.

Todavia, robusteceu-se o entendimento nos Tribunais, sedimentado por julgados inclusive monocráticos da Corte Suprema, no sentido de reclamar necessariamente a presença da União no polo passivo de demanda que objetiva fornecimento de medicamento não incluído nas listas do SUS. Preservou-se a...

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