Acórdão nº 50002340820218210063 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Segunda Câmara Criminal, 21-03-2022

Data de Julgamento21 Março 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50002340820218210063
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoSegunda Câmara Criminal

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001839730
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

2ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Criminal Nº 5000234-08.2021.8.21.0063/RS

TIPO DE AÇÃO: Seqüestro e cárcere privado (art. 148)

RELATORA: Desembargadora ROSAURA MARQUES BORBA

APELANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

APELANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

APELADO: SEGREDO DE JUSTIÇA

RELATÓRIO

O Ministério Público ofereceu denúncia em face de TEDDY DECUADRA DEL PUERTO (53 anos à época dos fatos), dando-o como incurso nas sanções do art. 148, §§ 1º, inciso I e III, e 2º e dos artigos 14 e 16, caput, da Lei nº 10.826/03, na forma do art. 69, do Código Penal, nos termos da Lei nº 11.340/06, pela prática dos seguintes fatos delituosos:

1º FATO:

Em data não precisa nos autos, a partir de 2016 até o dia 15 de janeiro de 2021, na Rua Paraguai, n.º 741, no Chuí/RS, o denunciado, TEDDY DECUADRA DEL PUERTO, com vontade livre e consciente, privou, mediante sequestro e cárcere privado, a liberdade de Elinamara da Silva, sua companheira.

Na ocasião, o acusado, valendo-se de pesado armamento, de agressões físicas e de graves ameaças, privou a liberdade de sua companheira por mais de quatro anos. O denunciado manteve a vítima durante todo esse tempo sob ameaças, afirmando que se fugisse lhe procuraria e lhe mataria, assim quem com ela estivesse. Em algumas oportunidades, o denunciado colocava uma arma de fogo na cabeça da ofendida e dizia que a mataria. O denunciado também ofendia a vítima com palavras, como “puta” “vagabunda”, que “tinha vergonha da vítima” e que a mesma “era uma vergonha para sua família”. O denunciado ainda apresentou à ofendida outra companheira. Durante todo o lapso temporal do cárcere privado, de aproximadamente quatro anos, a vítima não podia manter contato com parentes, inclusive entre a guarda de sua filha menor de idade à irmã, sendo que as únicas vezes que fez foi pelo portão da residência e de maneira muito breve, dado o horror de ser flagrada.

Foram encontradas, no momento do flagrante, 04 facas, 01 canivete, 03 coldres, 02 carregadores PST P95, 01 fuzil, calibre .762, com 64 munições intactas, 01 espingarda, calibre .16, marca Rossi, e 01 pistola, calibre 9mm, marca Ruger, com 19 munições intactas e 01 munição deflagrada, tudo a caracterizar a periculosidade do denunciado.

A conduta resultou em grave sofrimento físico e moral à vítima (artigo 148, § 2º, do Código Penal), tanto que policiais civis, ao se depararem com tal situação, narraram que Elinamara estava extremamente nervosa, chorando copiosamente e nitidamente perturbada.

2º FATO:

Nas mesmas circunstâncias de tempo e local do flagrante do 1º fato, o denunciado, TEDDY DECUADRA DEL PUERTO, com vontade livre e consciente, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar, detinha em sua posse e mantinha sob sua guarda uma espingarda, calibre .16, marca Rossi, com número de série A61715, uma pistola, calibre 9mm, marca Ruger, com número de série 31894392, e registro uruguaio, 19 (dezenove) munições intactas e uma deflagrada de calibre 9mm e 02 (dois) carregadores marca Ruger, todos de uso permitido. Na ocasião, policiais civis, nas circunstâncias do flagrante acima mencionado, encontraram na residência do denunciado as armas, munições e acessórios acima referidos.

3º FATO:

Nas mesmas circunstâncias de tempo e local do flagrante do 1º fato, o denunciado, TEDDY DECUADRA DEL PUERTO, com vontade livre e consciente, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar, detinha em sua posse e mantinha sob sua guarda um fuzil, calibre .762, marca ignorada, com número de série 11462, de uso restrito, além de 64 munições intactas do mesmo calibre.

Na ocasião, policiais civis, nas circunstâncias do flagrante mencionado no 1º fato delituoso, encontraram na residência do denunciado o referido artefato bélico.

A denúncia foi recebida em 09/02/2021 (evento 04, processo de origem).

O réu foi citado (evento 15, CERTGM1, processo de origem), oferecendo resposta à acusação (evento 16, processo de origem).

Durante a instrução, foram ouvidas a vítima e testemunhas, bem como interrogado o denunciado (evento 53, processo de origem).

Sobreveio, em 01/09/2021, sentença de parcial procedência, para condenar o acusado como incurso nas sanções do art. 148, § 2º, c/c art. 61, inciso II, alínea f, ambos do Código Penal, nos termos da Lei nº 11.340/06; e nas sanções do art. 16, caput, da Lei nº 10.826/03, à pena de 07 (sete) anos e 03 (três) meses de reclusão, em regime inicial semiaberto, bem como ao pagamento de R$ 10.000,00 (dez mil reais), à titulo de indenização por danos morais à ofendida (evento 99, processo de origem).

Inconformadas, as partes interpuseram recursos de apelação (eventos 106 e 108, processo de origem).

O Ministério Público, em suas razões (evento 116, processo de origem), requer a reforma da sentença hostilizada, para que seja afastada a aplicação da consunção entre os crimes do art. 12 e art. 16, caput, ambos da Lei n° 10.826/03. Outrossim, pugna pela fixação do regime inicial fechado para o resgate da reprimenda pelo acusado.

Nesta instância, também em sede de razões de apelação (evento 10), a defesa postula a reforma da sentença, com a consequente absolvição do denunciado quanto ao delito de cárcere privado, ante à insuficiência probatória. Ademais, pugna pela absolvição do acusado quanto ao delito de posse/porte ilegal de arma de fogo de uso restrito, argumentando pela atipicidade da conduta, tendo em vista que o réu possuía autorização para portar/possuir os armamentos bélicos no Uruguai e residia em região fronteiriça, cabendo, no seu entender, o exercício de "flexibilidade" e "bom senso" na aplicação da legislação brasileira. Por derradeiro, pede pela neutralização da vetorial referente às circunstâncias do delito de porte/posse de arma de fogo de uso restrito, afirmando que a fundamentação utilizada pelo juízo a quo encontra óbice em entendimento do e. STJ.

As partes ofereceram contrarrazões (evento 122, processo de origem e evento 13).

Em parecer, o Dr. Eduardo Bernstein Iriart, Procurador de Justiça, opinou pelo conhecimento de ambos os recursos, com o provimento do recurso ministerial e improvimento do recurso defensivo (evento 16).

Vieram os autos conclusos.

É o relatório.

VOTO

Cuida-se de apelações interpostas em face de sentença proferida pelo juízo da 2ª Vara Judicial da Comarca de Santa Vitória do Palmar, que julgou parcialmente procedente a ação penal, para condenar o acusado como incurso nas sanções do art. 148, § 2º, c/c art. 61, inciso II, alínea f, ambos do Código Penal, nos termos da Lei nº 11.340/06; e nas sanções do art. 16, caput, da Lei nº 10.826/03, à pena de 07 (sete) anos e 03 (três) meses de reclusão, em regime inicial semiaberto, bem como ao pagamento de R$ 10.000,00 (dez mil reais), à titulo de indenização por danos morais à ofendida.

Ausentes questões preliminares, passo à análise do mérito.

A defesa insurge-se contra a condenação do denunciado pela prática do delito previsto no art. 148, § 1°, incisos I e III, e § 2°, do Código Penal, argumentando que a prova produzida ao longo da instrução seria insuficiente para ensejar o édito condenatório.

Sem razão.

A materialidade do delito de cárcere privado restou comprovada pelos registros de ocorrências policiais (evento 30, REGOP3; e evento 01, REGOP2, ambos do Inquérito Policial), pela conversa gravada entre a vítima e sua filha (evento 04, VÍDEO1, Inquérito Policial), pelos Autos de Apreensão (evento 01, APREENSAO3 e APREENSAO4, Inquérito Policial), pelo Auto de Prisão em Flagrante (evento 01, Inquérito Policial), pelas imagens dos armamentos apreendidos (evento 01, OUT16-20, Inquérito Policial), bem como pela prova oral colhida em juízo.

A autoria, por sua vez, é corroborada pela prova oral colacionada ao feito. Por oportuno, cito trecho da análise dos depoimentos realizada pelo juízo a quo:

A vítima, Elinamara da Silva, ouvida em Juízo, relatou que, após oito anos de convivência marital com o acusado, houve o término do relacionamento em razão de uma traição de sua parte. Posteriormente, Teddy aceitou reatar, mas dez meses depois pediu a separação novamente. Reataram pela segunda vez e, após dois ou três meses, começaram as agressões físicas e verbais, além das ameaças à vítima e sua família. A vítima referiu que: Foram quatro anos difíceis, muito difíceis, porque todos os dias era agressão psicológica. Dia sim, dia não agressão física, inclusive ele apontou arma na minha cabeça, não foi uma nem duas vezes, foram várias vezes com arma engatilhada na minha cabeça. Esse era o ambiente que eu tava vivendo”. Ele não chegava a falar - tu não vai ir na casa dos teus pais-, tratando-se de ameaças veladas, tais como - tu vai em tal lugar, pode te acontecer alguma coisa; tua família tem vergonha de ti, eles não vêm te ver porque não querem te ver -. Os familiares sabiam que se fossem visitá-la, o acusado descarregaria a raiva na vítima, que xingaria, brigaria, então os parentes evitavam ir até a casa de Teddy. Com quem mais falava era a filha, quando esta visitava a amiga que residia ao lado da casa de Teddy, ou quando a filha passava pela parada de táxi e via Teddy no ponto de táxi. Tinha a chave, mas em razão das ameças não tinha coragem de sair do portão para fora. Quando Teddy recebeu um amigo em casa, levou a vítima para ficar na casa de Jaqueline. Quando saia ou entrava na casa de Teddy ou de Jaqueline, tinha que ir deitada no banco traseiro para que ninguém a visse. Na casa de Jaqueline seguia o mesmo sistema, ninguém poderia vê-la, ninguém poderia saber que estava ali, referindo a vítima que isso era o mínimo que acontecia”. Quando alguém comentava algo sobre a vítima na rua ou quando Teddy passava pelo rapaz (envolvido na...

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