Acórdão nº 50002348220208210082 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Quinta Câmara Cível, 29-06-2022

Data de Julgamento29 Junho 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50002348220208210082
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoQuinta Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002241852
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

5ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5000234-82.2020.8.21.0082/RS

TIPO DE AÇÃO: Indenização por Dano Material

RELATORA: Desembargadora LUSMARY FATIMA TURELLY DA SILVA

APELANTE: ALVERI ANGELO DESENGRINI (AUTOR)

APELANTE: RGE SUL DISTRIBUIDORA DE ENERGIA S.A. (RÉU)

APELADO: OS MESMOS

RELATÓRIO

Trata-se de recursos de apelação interpostos por ambas as partes contra a sentença de parcial procedência (evento 91, SENT1), proferida nos autos desta ação indenizatória por danos materiais ajuizada por ALVERI ANGELO DESENGRINI em face de RGE SUL DISTRIBUIDORA DE ENERGIA S/A.

Adoto o relatório da r. sentença, pois bem narrou o presente caso:

Trata-se de AÇÃO INDENIZATÓRIA ajuizada por ALVERI ANGELO DESENGRINI em face de RGE SUL DISTRIBUIDORA DE ENERGIA S.A., ambos qualificados nos autos. Aduziu o autor que é consumidor de energia elétrica junto a ré e eque sofreu com a falta de energia em sua propriedade das 13h do dia 20/01/2020 até as 19h do dia 21/01/2020; entre as 06h do dia 08/02/2020 até as 10h do dia 09/02/2020; entre as 07h do dia 18/02/2020 até as 11h e 30 min do dia 19/02/2020. Alegou que planta fumo e que se utiliza de uma estufa elétrica para secagem durante o período de safra. Relatou que, com a falta de energia, teve uma perda de R$ 36.423,00 (trinta e seis mil e quatrocentos e vinte e três reais). Teceu considerações sobre o direito que entende aplicável. Requereu a procedência do pedido, com a condenação da requerida ao pagamento dos danos sofridos. Pugnou pela gratuidade da justiça. Juntou procuração e documentos (Evento 1, INIC1).

Recebida a inicial e deferida a gratuidade judiciária (Evento 8, DESPADEC1).

Citada, a ré contestou o feito (Evento 19, CONT1). Sustentou, em síntese, que a interrupção no dia 18 de fevereiro de 2020 foi única exclusivamente em razão dos eventos climáticos sucessivos na região; ao passo que, nos dias 20 de janeiro de 2020 e 08 de fevereiro de 2020 não houve interrupção do fornecimento de energia na região, aduzindo inexistir defeito na prestação do serviço, mas sim caso fortuito ou de força maior. Discorreu acerca da excludente de responsabilidade civil e da inexistência de comprovação dos alegados danos materiais. Pugnou pela improcedência do pedido veiculado na inicial. Juntou documentos (Evento 19, LAUDO2).

Houve réplica (Evento 26, RÉPLICA1).

Em sede de despacho saneador, foram instadas as partes para que declinassem quanto ao interesse na produção de outras provas (Evento 28 DESPADEC1), sendo que a parte autora se manifestou apresentando o rol de testemunhas para produção de prova oral (Evento 32, TESTEMUNHAS1), ao passo que a ré requereu a produção de provas testemunhais e documentais (Evento 34, PET1).

Oficiadas às empresas fumageiras para que apresentassem os contratos firmados com o autor (Eventos 41, 42, 43).

Sobrevieram as respostas aos respectivos ofícios (Eventos 44, 45, 48).

Durante a instrução, foram inquiridas três testemunhas (Evento 85, TERMOAUD1).

Declarada encerrada a instrução, a parte autora apresentou memoriais remissivos e a requerida deixou transcorrer o prazo para tanto.

Vieram os autos conclusos para sentença.

E o dispositivo sentencial foi exarado nos seguintes termos:

Diante do exposto, julgo PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido formulado pela parte autora ALVERI ANGELO DESENGRINI em face de RGE SUL DISTRIBUIDORA DE ENERGIA S.A. para o fim de condená-la ao pagamento de R$ 23.971,50 (vinte e três mil, novecentos e e setenta e um reais e cinquenta centavos), montante que deverá ser corrigido pelo IGP-M desde a data do efetivo prejuízo (29 de março de 2020 – Evento 1, LAUDO6) e acrecido de juros de mora a contar da citação.

Condeno a requerida ao pagamento de 60% das custas judiciais e de honorários advocatícios, que arbitro em 10% sobre o valor da condenação. De outro lado, condeno o autor ao pagamento de 40% das custas judiciais e de honorários advocatícios, que arbitro em 10% sobre a diferença entre o valor do pedido e o valor da condenação. Esclareço que não é admitida a compensação dos honorários advocatícios (art. 85, § 14, CPC). Entretanto, a exigibilidade fica suspensa à parte autora em face da gratuidade de justiça anteriormente deferida, a qual ora mantenho.

A parte autora, em suas razões recursais (evento 95, APELAÇÃO1) sustenta que a sentença, ao calcular média entre o preço do laudo acostado à petição inicial e o menor preço encontrado em uma das notas fiscais juntadas ao processo, decidiu de forma dissonante daquela aplicada pelo mercado fumageiro. Aduz que o laudo acostado à exordial foi elaborado por profissional da área e de acordo com parâmetros oficiais. Discorre acerca do preço considerado correto para o fumo danificado, referindo que o valor do laudo é inclusive menor que aquele constante na tabela oficial da Afubra (Associação dos Produtores de Fumo do Brasil). Tece comentários quanto à maneira como é efetuada a colheita do fumo. Afirma ser inaplicável o artigo 944 do Código Civil ao caso, arguindo que, em sendo a responsabilidade da demandada objetiva, não se há que falar em culpa. Ressalta que a parte ré foi devidamente notificada para que averiguasse as condições do fumo danificado, mas que permaneceu inerte. Requer o provimento do recurso.

Por seu turno, a parte ré, em suas razões de apelação (evento 99, APELAÇÃO1) aduz que não houve interrupção no fornecimento de energia elétrica em algumas das datas informadas pelo autor. Discorre acerca das condições climáticas do estado que acarretaram a interrupção do serviço em 18/02/2020. Refere que foram realizadas diversas melhorias em suas estruturas de atendimento. Menciona que o autor deveria possuir gerador de energia próprio, já que o processo de secagem do fumo depende do fornecimento de energia elétrica. Defende que não houve defeito na prestação do serviço, o que exclui o seu dever de indenizar, tendo em vista que configurado caso fortuito ou força maior, a teor do disposto no art. 393 do Código Civil. Ressalta, ademais, o prazo de 48 horas para religação da unidade consumidora, consoante art. 176 da Resolução 414/2010 da ANEEL. Colaciona jurisprudência. Sustenta que inexiste serviço de distribuição de energia elétrica que opere de forma ininterrupta, discorrendo que os prazos para religação foram respeitados. Tece considerações acerca da tentativa de imputação da responsabilidade civil por ato omissivo, aludindo à necessidade da presença do requisito da culpa. Aponta que o autor deveria ter providenciado um meio de abastecimento secundário de energia, como um gerador próprio, e, como não o fez, assumiu o risco de que, em caso de falta de energia elétrica, alegando restar configurada a culpa exclusiva da vítima. Aduz, ainda, que não houve comprovação do dano material. Argumenta que se trata de relação de insumo e não de consumo, a fim de afastar a aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor. Diz que não deve ser invertido o ônus probatório, ainda que reconhecida a aplicação da legislação consumerista. Pontua que a prova documental coligida ao feito pelo autor foi produzida de maneira unilateral. Requer o provimento do recurso, a fim de que a demanda seja julgada improcedente ou, subsidiariamente, seja reconhecida a culpa concorrente do autor fins de reduzir o valor da indenização.

Sobrevieram as contrarrazões de ambas as partes (evento 103, CONTRAZAP1 e evento 105, CONTRAZAP1), com preliminar suscitada pela parte autora de não conhecimento do recurso da ré diante da ausência de preparo.

A parte ré foi intimada para recolher o preparo recursal em dobro (evento 6, DESPADEC1), colacionando posteriormente aos autos os comprovantes de seu pagamento (evento 13, OUT2 e evento 13, COMP3).

Vieram os autos conclusos.

É o relatório.

VOTO

Eminentes Colegas.

De início, é de ser afastada a prefacial contrarrecursal suscitada pela parte autora de não conhecimento do recurso da ré por deserção (ausência de preparo), tendo em vista que, restando intimada para juntar aos autos o preparo recursal em dobro, fulcro nos artigos 932, parágrafo único e 1.007, §4º, do Código de Processo Civil, a demandada realizou o seu recolhimento.

Assim, preenchidos os pressupostos de admissibilidade recursal, conheço dos recursos, tempestivamente interpostos, comprovado o recolhimento do devido preparo pela ré (evento 13, OUT2 e evento 13, COMP3) e dispensado o preparo pelo autor em razão de litigar sob o amparo da gratuidade judiciária (evento 8, DESPADEC1), passando a analisá-los de forma conjunta.

O autor postula que seja reconhecida a responsabilidade integral da ré pelo prejuízo que sofreu, no montante de R$ 36.423,00 consignado no laudo técnico que acompanha a exordial. A demandada, por sua vez, aduz a possibilidade da interrupção do serviço, requerendo que seja reconhecida a ocorrência de força maior ou, então, de culpa exclusiva da vítima, como excludentes da responsabilidade civil.

De pronto, em convergência ao entendimento do magistrado a quo, importa ressaltar que são aplicáveis às relações existentes entre as empresas concessionárias de serviços públicos e às pessoas físicas e jurídicas que se utilizam dos serviços como destinatárias finais do serviço as normas do Código de Defesa do Consumidor, dentre outras, quanto à responsabilidade independentemente de culpa (art. 14) e quanto à essencialidade, adequação, eficiência e segurança do serviço (art. 22).

No caso, o autor é fumicultor, sua subsistência é baseada na agricultura familiar, identificando-se como destinatário final (consumidor) do serviço de energia elétrica oferecido pela empresa demandada, nos termos do que dispõem os artigos 2º, “caput”1, e 3º, § 2º2, da legislação consumerista.

Importante destacar que o Código de...

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