Acórdão nº 50002403720188210122 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Nona Câmara Cível, 08-07-2022

Data de Julgamento08 Julho 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50002403720188210122
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoDécima Nona Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002420051
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

19ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5000240-37.2018.8.21.0122/RS

TIPO DE AÇÃO: Cobrança indevida de ligações

RELATOR: Desembargador ANTONIO MARIA RODRIGUES DE FREITAS ISERHARD

APELANTE: MOISES SANTOS DE BRUM (AUTOR)

APELANTE: TELEFONICA BRASIL S.A. (RÉU)

APELADO: OS MESMOS

RELATÓRIO

MOISÉS SANTOS DE BRUM, autor, e TELEFÔNICA BRASIL S.A, ré, apelam da sentença que julgou parcialmente procedente a ação de obrigação de fazer c/c repetição do indébito e indenização por danos morais n.º 5000240-37.2018.8.21.0122. Constou no dispositivo da sentença:

(...)
Diante do exposto, confirmo a tutela de urgência e JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos para condenar a parte requerida à devolução do valor cobrado indevidamente pelos serviços “vivo turbo – franquia”, “outros lançamentos”, “SDPA – Vivo Protege voce” e “cobrança tarifação default”, não contratados, em dobro (art. 42 do CDC), na forma da fundamentação, devendo o valor ser atualizado monetariamente pelo IGP-M desde cada desembolso, bem como acrescido de juros de mora de 12% ao ano, contados da citação.

Em consequência da sucumbência recíproca, condeno parte requerida ao pagamento de 70% das custas e dos honorários advocatícios, enquanto a parte autora ao pagamento de 30% das custas e dos honorários advocatícios, estes fixados em 10% sobre o valor da causa, vedada a compensação, com fulcro no artigo 85, § 2º, e artigo 86, ambos do CPC. Suspendo a exigibilidade da referida verba, em relação a parte autora, em razão do benefício de gratuidade da justiça.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Oportunamente, arquive-se com baixa.

Nas razões recursais, Evento 4 - PROCJUDIC4 - Páginas 9 a 15, a parte autora requer a reforma da sentença para que seja declarada a incidência da prescrição decenal, nos termos do artigo 205 do Código Civil. Alude que o termo inicial do juros de mora referente aos valores a serem repetidos deve contar a partir do evento danoso. Discorre sobre os transtornos sofridos em razão dos fatos noticiados nos autos. Informa ter tentado resolver de forma administrativa os fatos, indicando o número dos protocolos de atendimento. Pugna pela condenação da parte ré ao pagamento de indenização por danos morais. Requer a majoração dos honorários advocatícios. Postula pelo provimento do recurso.

Já a parte ré, Evento 4 - PROCJUDIC4 - Páginas 16 a 37, sustenta a inexistência de cobranças abusivas. Informa que o consumidor possui um plano pré-pago com o réu, denominado Plano Pré Diário, cadastrado também na Promoção Vivo Pré Turbo. Ressalta que, de acordo com a cláusula 2.3.5 da Promoção Pré Diário, o pacote promocional só será cobrando utilizado o serviço. Enfatiza que o serviço foi habilitado e utilizado pelo consumidor. Esclarece que as cobranças do serviço “Tarifação Default", são oriundas da habilitação do Plano Pré Diário na linha da consumidora. Destaca que com a reformulação do plano a “Tarifação Default" foi desmembrada, passando a constar "Diária de Voz" e "Diária de Internet" e serviços digitais, conforme o plano escolhido. Ressalta que o serviço "Outros Lançamentos" se refere a outro pacote de internet, ligações e SMS que fazem parte da promoção "Vivo Turbo". Discorre sobre a promoção "Vivo Turbo". Acrescenta que a forma de contratação da referida promoção é através de SMS para o número *9003. Aduz que o serviço "Vivo Protege Você" é contratado através do aparelho celular da parte consumidora. Enfatiza ser descabida a determinação de repetição do indébito, eis que não houve cobranças irregulares por parte da empresa apelante. Postula pelo provimento do recurso.

Contrarrazões no Evento 4 - PROCJUDIC4 - Páginas 42 a 49 e Evento 4 - PROCJUDIC5 - Páginas 2 a 31.

Vieram-me os autos conclusos.

É o relatório.

VOTO

Atendidos os requisitos de admissibilidade, recebo os recursos.

Eminentes Colegas.

Recurso do réu.

Serviço não Contratado. Plano Pré-Pago. Repetição do Indébito.

Inicialmente, oportuno ressaltar que a relação jurídica travada entre as partes está sujeita às regras dispostas pelo Código de Defesa do Consumidor, pois há a figura do consumidor e do fornecedor denominados pelos artigos 2º1 e 3º2 da Lei Consumerista.

Ainda, incide na espécie a inversão do ônus da prova, a teor do artigo 6º, inciso VIII do mesmo diploma legal3, na medida em que, alegada a inexistência de relação jurídica, incumbe à ré comprovar a efetiva contratação entre as partes.

Sobre o ônus da prova nas relações consumeristas, cita-se a lição de Sérgio Cavalieri Filho4:

É universal o entendimento de que aos direitos materiais fundamentais devem corresponder as garantias processuais indispensáveis à sua efetivação. Sem as garantias processuais, os direitos materiais tornam-se normas programáticas, promessas não cumpridas, sem realidade prática na vida do consumidor.

A facilitação da defesa dos interesses dos consumidores decorre do reconhecimento de sua hipossuficiência fática e técnica – e, não raro, econômica –, o que acentua a sua vulnerabilidade, inclusive no âmbito do processo judicial. Esta garantia também é ampla e instrumental. Vale tanto para a esfera extrajudicial quanto para a esfera judicial, e não se restringe, apenas, à inversão do ônus da prova que, na hipótese, é tão somente um exemplo do princípio que se quer preservar.
(...)
Consciente das desigualdades existentes entre os sujeitos de uma relação jurídica de consumo e da vulnerabilidade processual que também caracteriza o consumidor, estabeleceu o art. 6º, VIII, da Lei nº 8.078/90, como direito básico deste, a facilitação da defesa dos seus interesses em juízo, inclusive com a possibilidade de ser invertido o ônus da prova, em seu favor e a critério do juiz, quando estiver convencido o julgador da verossimilhança das alegações daquele, ou, alternativamente, de sua hipossuficiência (em sentido amplo).

A finalidade do dispositivo em questão é muito clara: tornar mais fácil a defesa da posição jurídica assumida pelo consumidor, na seara específica da instrução probatória. Distanciou-se o legislador, assim, dos tecnicismos e das formalidades inúteis, conferindo autêntico caráter instrumental ao processo, na busca da verdade real e da solução justa da lide.

Isso porque, de regra e tradicionalmente, o ônus da prova de um fato ou de um direito é incumbência daquele que os alega. Daí o art. 373 do Código de Processo Civil (2015) dispor que ao autor compete a prova do fato constitutivo de seu direito (inciso I) e, ao réu, a prova de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do alegado direito do autor (inciso II). Tal proposição é compreensível quando se está diante de partes em igualdade de condições e quando a causa verse sobre direitos disponíveis, o que não ocorre nas hipóteses subsumidas à legislação consumerista.

O Código de Defesa do Consumidor, destarte, rompendo dogmas e estabelecendo novos paradigmas para as relações entre desiguais, fê-lo, também, no que se refere à carga probatória, ora transferindo o ônus da prova ao fornecedor (inversão ope legis), do que nos dão exemplos os arts. 12, § 3º, 14, § 3º, e 38, ora admitindo que tal se opere por determinação do julgador (inversão ope judicis), conforme art. 6º, VIII.

Nessa segunda hipótese, o juiz pode inverter o ônus da prova quando entender verossímil a alegação do consumidor e/ou em face da sua hipossuficiência. Verossímil é aquilo que é crível ou aceitável em face de uma realidade fática. Não se trata de prova robusta e definitiva, mas da chamada prova de primeira aparência, prova de verossimilhança, decorrente das regras da experiência comum, que permite um juízo de probabilidade.

Conquanto não se esteja a discutir que, ordinariamente, os dispositivos sobre a produção de provas estão direcionados à formação da convicção do julgador e, assim sendo, constituiriam regras de julgamento, não se pode deixar de observar que as disposições sobre repartição do ônus probatório consubstanciam, de igual modo, parâmetros de comportamento processual para os litigantes, razão pela qual respeitáveis juristas nelas identificam regras de procedimento. A justificativa é simples: ao se dispensar o consumidor do ônus de provar determinado fato, supostamente constitutivo de seu alegado direito, está-se transferindo para o fornecedor o ônus da prova de algum outro que venha a elidir a presunção estabelecida em benefício do consumidor. Equivale dizer que, em relação ao consumidor, a inversão tem efeito de isenção de um ônus, mas, para o fornecedor, a inversão importa em criação de novo ônus probatório, que se acrescenta aos demais, como leciona o insigne Carlos Roberto Barbosa Moreira (Notas sobre a inversão do ônus da prova em benefício do consumidor, Revista de Direito do Consumidor, nº 22, p. 136).

Na mesma linha, transcreve-se o entendimento Humberto Theodoro Júnior5:

O CDC, no inciso VIII do art. 6º do CDC, prevê a facilitação da defesa dos direitos do consumidor, especialmente mediante a inversão do ônus da prova no processo civil. Essa inversão, todavia, é admitida, a critério do juiz quando “for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências”. Nessa linha, deve-se reconhecer como abusiva a cláusula que inverta o ônus da prova em prejuízo do consumidor (CDC, art. 51, VI). A inversão que a lei admite é tão somente em prol do consumidor.

Essa distribuição dinâmica do ônus da prova quebra a tradicional regra de processo, na qual ao autor cabe a prova dos fatos constitutivos de seu direito, enquanto ao réu, a do fato impeditivo ou extintivo do direito do autor. Ela é admissível, contudo, de forma extraordinária, e deve ser compatibilizada com os princípios informativos do próprio Código de Defesa do...

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