Acórdão nº 50002423120228210101 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Nona Câmara Cível, 09-12-2022

Data de Julgamento09 Dezembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50002423120228210101
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoDécima Nona Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003031498
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

19ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5000242-31.2022.8.21.0101/RS

TIPO DE AÇÃO: Promessa de Compra e Venda

RELATORA: Desembargadora MYLENE MARIA MICHEL

APELANTE: MONICA GONCALVES DA SILVA (AUTOR)

APELANTE: GRAMADO PARKS INVESTIMENTOS E INTERMEDIACOES S.A. (RÉU)

APELADO: OS MESMOS

RELATÓRIO

MONICA GONCALVES DA SILVA e GRAMADO PARKS INVESTIMENTOS E INTERMEDIACOES S.A. apelam da sentença que julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados nos autos da ação de rescisão contratual em que contendem. Transcrevo o dispositivo sentencial (Evento 21):

Ante o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido deduzido na ação ajuizada por MONICA GONCALVES DA SILVA contra GRAMADO PARKS INVESTIMENTOS E INTERMEDIAÇÕES LTDA. para o fim de, confirmando a decisão liminar, declarar rescindido o contrato de promessa de compra e venda celebrado entre as partes, restabelecendo o status quo ante, bem como condenar a parte ré a restituir à parte autora a quantia de R$ 64.103,93, relativamente aos valores adimplidos, verba esta a ser corrigida monetariamente pela variação do IGP-M a contar do respectivo desembolso e acrescida de juros de mora de 1% ao mês a contar da citação.

Diante da sucumbência recíproca, condeno a parte autora ao pagamento de 1/3 das custas processuais e honorários advocatícios aos procuradores da parte ré, que fixo em 10% sobre o seu decaimento (pedido de inversão da cláusula penal), observadas as diretrizes do art. 85, §2º, do Código de Processo Civil, valor a ser corrigido, pela variação do IGP-M, desde a data da publicação da sentença, e acrescido de juros de mora de 1% ao mês, a contar do trânsito em julgado.

Condeno a parte ré, por sua vez, ao pagamento de 2/3 das custas processuais e honorários advocatícios aos procuradores da parte autora, que fixo em 10% sobre o valor da condenação, observadas as diretrizes do art. 85, §2º, do Código de Processo Civil, valor a ser corrigido, pela variação do IGP-M, desde a data da publicação da sentença, e acrescido de juros de mora de 1% ao mês, a contar do trânsito em julgado.

Em razões (Evento 27) a parte ré sustenta que a sentença reconhece que a averbação da retificação da incorporação não afrontou os termos do artigo 43, IV, da lei n. 4.591/1964, mas entendeu que o aumento do número de unidades ocasionou prejuízo aos adquirentes, contudo a unidade habitacionai adquirida pela parte autora não sofreu redução em sua dimensão. Aduz que a decisão desconsiderou as particularidades da multipropriedade, recentemente regulamentada pela Lei 13.777/18, que define que é vedado ao multiproprietário até mesmo alterar ou substituir o mobiliário do seu apartamento e que o proprietário adquire a propriedade plena de uma fração de tempo, demonstrando que o fato de se tratar de multipropriedade impõe regras e limitações ao exercício do direito de propriedade, em razão da sobreposição de diversos direitos reais de propriedade periódica sobre a mesma unidade, como única forma de viabilizar o funcionamento do empreendimento no referido sistema. Alega que no caso em comento o contrato deixa claro que se trata de imóvel com destinação hoteleira, constando na definição da fração ideal descrita no Contrato Particular de Promessa de Compra e Venda de Unidade Imobiliária, que se trata do Gramado Exclusive Resort e as alterações efetuadas e devidamente averbadas à margem da matrícula corroboram com os termos da promessa ofertada, no sentido de entregar um empreendimento totalmente voltado para o sistema de multipropriedade, considerando a promessa de um resort, destinado ao lazer e com capacidade de atender hóspedes e usuários. Assevera que as alterações efetuadas com o intuito de aumentar o conforto dos proprietários e hóspedes. Refere que em se tratando da incorporação de um resort, a exigência de prévia anuência dos promitentes compradores para alteração da incorporação se limitaria à obtenção de anuência dos adquirentes que tivessem gravado na matrícula o registro dos seus instrumentos de promessa de compra e venda de fração, conforme se depreende da análise conjunta dos termos dos artigos 129, § 5º e 176, §§ 10 e 11, da Lei de Registro Públicos, n. 6.015/73. Sustenta que a promessa de compra e venda à prazo seria consolidada através da quitação do preço e/ou da averbação do instrumento particular de promessa de compra e venda na matrícula do imóvel, não tendo ocorrido, in casu, nenhuma das situações. Postula o provimento do apelo.

A parte autora, por sua vez (Evento 28) pretende a modificação da sentença com relação à improcedência da pretensão de inversão da cláusula penal de 17%, pugnando pela aplicação do entendimento estabelecido no Tema 971 do STJ. Refere que no caso a inversão se aplica pela existência da cláusula 6ª, item 8 do contrato firmado entre as partes. Cita jurisprudência em casos análogos. Aduz, ainda, que a sucumbência foi distribuída de modo equivocado, devendo ser redimensionada, pois foram julgados procedentes os pedidos de (i) rescisão do contrato em razão do inadimplemento exclusivo da apelada/ré; (ii) devolução integral da quantia paga com a devida correção, (iii) confirmação da liminar requerida de suspensão das quotas condominiais, tendo a parte autora sucumbido apenas em relação ao pedido de inversão da cláusula penal que representa 17% sob os valores integralizados. Pugna pelo provimento do recurso, a fim de que seja deferida a aplicação inversa da cláusula penal e atribuídos os ônus sucumbenciais de modo exclusivo à parte ré.

Foram apresentadas as contrarrazões pela partes (Eventos 32 e 33 dos autos originários).

É o relatório.

VOTO

Os recursos atendem aos pressupostos de admissibilidade e comportam conhecimento.

Resolução contratual. Culpa da promitente vendedora. Retorno das partes ao status quo ante.

De início, imperioso destacar que estamos diante de uma relação de consumo, regulada pela Lei nº 8.078/90, pois os autores se enquadram como consumidores (art. 2º), enquanto a parte ré, como fornecedora (art. 3º).

Em 19/01/2018, a parte autora firmou com a parte ré contrato de promessa de compra e venda de unidade imobiliária, no regime de multipropriedade, cujo objeto era fração ideal indivisível no empreendimento Gramado Exclusive Resort, localizado na cidade de Gramado (Evento 1, CONTR4).

No quadro de “descrição da fração ideal indivisível, objeto do presente contrato” do contrato, está previsto que a unidade autônoma adquirida (223-VDG - BLOCO B) possuía 36,42m², enquanto a área comum era de 74,52m², com área total de 110,94m² (fl. 1 do contrato).

Ainda, na matrícula do imóvel (Evento 1, MATRIMÓVEL6), consta que, no dia 21 de outubro de 2015, foram registradas as unidades autônomas e suas áreas comuns, em que constava como área comum a de 74,52m² e total de 110,94m² (fl. 5). No entanto, em 18 de julho de 2019, houve a retificação das áreas, passando a constar a unidade autônoma da parte autora, apartamento 223B, com área coletiva de 57,11m² e área total de 93,53m² (fl.10).

Dessa forma, resta cristalino que houve alteração no projeto inicial.

E, de acordo com o art. 43, IV, da Lei nº 4.591/64, que dispõe sobre condomínio em edificações e incorporações imobiliárias:

Art. 43. Quando o incorporador contratar a entrega da unidade a prazo e preços certos, determinados ou determináveis, mesmo quando pessoa física, ser-lhe-ão impostas as seguintes normas:

(…)

IV - é vedado ao incorporador alterar o projeto, especialmente no que se refere à unidade do adquirente e às partes comuns, modificar as especificações, ou desviar-se do plano da construção, salvo autorização unânime dos interessados ou exigência legal;

Assim, incumbia à parte ré demonstrar que essa alteração foi autorizada por todos os proprietários dos imóveis, o que não o fez.

Apesar dos argumentos de que a alteração traria maiores benefícios aos proprietários, o consumidor não é obrigado a aceitar modificações sem o seu consentimento, mesmo que essas sejam feitas para beneficiá-lo.

Diante disso, é possível concluir que a rescisão contratual não se deu por mera disposição de vontade da compradora, pois a vendedora acabou por alterar o projeto, modificando o objeto disposto no pacto celebrado entre as partes.

No que concerne à alegação de que a obrigação legal é de comunicação apenas dos proprietários com instrumentos registrados na matrícula, não procede, porquanto, na hipótese, a outorga de escritura definitiva dependia da efetiva entrega das unidades pela vendedora, conforme expressa disposição da cláusula décima terceira (Evento 1, CONTR4, fl. 14 do contrato). Assim, o registro somente não foi realizado pela parte autora, promitente compradora, porque não houve entrega da obra e da escritura pública definitiva, o que incumbia à vendedora, a qual não pode se beneficiar da própria torpeza.

Destarte, não merece reforma a decisão proferida pelo juízo a quo, pois a rescisão, a hipótese, não justifica a aplicação da multa contratual, porquanto decorrente de culpa da parte ré que não informou a parte autora acerca da alteração das áreas comuns do empreendimento.

Em situações fáticas semelhantes, já se manifestou esse Tribunal, inclusive em precedente de minha relatoria:

APELAÇÃO CÍVEL. PROMESSA DE COMPRA E VENDA. VENDA DE UNIDADE IMOBILIÁRIA SOB REGIME DE MULTIPROPRIEDADE. TIME SHARING. RESCISÃO CONTRATUAL. ALTERAÇÃO DO PROJETO DE FORMA UNILATERAL PELA PROMITENTE VENDEDORA. NA HIPÓTESE, A PARTE AUTORA ADQUIRIU UNIDADE IMOBILIÁRIA EM REGIME DE MULTIPROPRIEDADE, COM ÁREA TOTAL DE 87,68M². NO ENTANTO, A PARTE RÉ ALTEROU O PROJETO IMOBILIÁRIO, REDUZINDO A ÁREA COMUM SEM O CONSENTIMENTO DOS PROPRIETÁRIOS, EM DESACORDO COM O PREVISTO NO ART. 43, IV, DA LEI Nº 4.591/64. RESCISÃO CONTRATUAL QUE...

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