Acórdão nº 50002462020178210012 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Primeira Câmara Criminal, 30-03-2022

Data de Julgamento30 Março 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50002462020178210012
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoPrimeira Câmara Criminal

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001783544
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

1ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Criminal Nº 5000246-20.2017.8.21.0012/RS

TIPO DE AÇÃO: Ameaça (art. 147)

RELATOR: Desembargador JAYME WEINGARTNER NETO

APELANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

APELADO: SEGREDO DE JUSTIÇA

RELATÓRIO

O Ministério Público ofereceu denúncia contra FELIPE LINDEMANN DE LIMA, dando-o como incurso nas sanções do artigo 21, caput, do Decreto-Lei n.º 3.688/41 e, artigo 147, caput, do Código Penal, pela prática dos seguintes fatos delituosos:

1º FATO:

No dia 1º de janeiro de 2017, por volta das 22h55min, na via pública, em frente ao Pronto Socorro, o denunciado FELIPE LINDEMANN DE LIMA, prevalecendo-se das relações de convivência, praticou vias de fato contra Amanda dos Santos Simas, sua ex-companheira.

Na ocasião, o denunciado, após desentendimento com a vítima, agrediu-a fisicamente, desferindo-lhe um tapa no rosto, bem como a agarrou pelos braços, contudo sem causar-lhe lesçoes aparentes.

2º FATO:

Na mesma data e local do fato anterior, o denunciado FELIPE LINDEMANN DE LIMA, prevalecendo-se das relações de convivência, ameaçou sua ex-companheira Amanda dos Santos Simas, por meio de palavras, de causar-lhe mal injusto ou grave.

Na oportunidade, o denunciado, após agredir a vítima fisicamente ameaçou que caso fosse à Delegacia registrar ocorrência sairia de lá dentro de um caixão.

A denúncia foi recebida em 14 de setembro de 2017.

Após regular instrução, sobreveio sentença de procedência da ação penal para condenar o réu como incurso nas sanções do artigo 21, caput, do Decreto-Lei n.º 3.688/41, combinado com o artigo 147, caput, do Código Penal, à pena privativa de liberdade fixada em 01 (um) mês e 10 (dez) dias de prisão simples e 02 (dois) meses de detenção, a ser cumprida em regime aberto. Foi concedido o sursis mediante condições.

Irresignada, a defesa busca a reforma da decisão. Em razões, postula o reconhecimento da ausência de violência de gênero, com a consequente anulação do processo e encaminhamento para o Juízo Especial Criminal. Subsidiariamente, requer seja reformada a decisão para afastar as condições fixadas no item "b" e "c" do sursis.

Foram apresentadas contrarrazões.

Nesta instância, a Procuradoria de Justiça manifestou-se pelo desprovimento do recurso.

Vieram os autos conclusos para julgamento.

É o relatório.

VOTO

Da preliminar.

A defesa insurge-se, preliminarmente, quanto à aplicação da Lei nº 11.340/06, uma vez que o caso concreto não configuraria violência de gênero. Por esta razão, requer a adoção do rito sumaríssimo, previsto na Lei nº 9.099/95.

Cumpre analisar, inicialmente, o disposto no artigo 5º da Lei nº 11.340/06, no qual estão descritas as hipóteses em que configurada a violência doméstica contra a mulher, in verbis:

Art. 5o Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial:

I - no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas;

II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa;

III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.

Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual.

Ressalta-se que não é necessário que o acusado tenha agido violentamente, perpetrando agressões ou proferindo ameaça à vítima, somente pelo fato de a mesma ser mulher. A Lei nº 11.340/06 destina-se a proteger a mulher da violência doméstica perpetrada, na qual o homem, prevalecendo-se da presumida condição de vulnerabilidade da mulher, proveniente de relação de poder e submissão, agride-a ou a ameaça.

É nesse sentido, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. LESÃO CORPORAL EM AMBIENTE DOMÉSTICO SUPOSTAMENTE COMETIDO POR FILHO CONTRA MÃE. APLICAÇÃO DA LEI MARIA DA PENHA. PRESUNÇÃO DE VULNERABILIDADE DA MULHER. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.
1. Para os efeitos de incidência da Lei Maria da Penha, o âmbito da unidade doméstica engloba todo espaço de convívio de pessoas, com ou sem vínculo familiar, ainda que esporadicamente agregadas. Ademais, a família é considerada a união desses indivíduos, que são ou se consideram aparentados, por laços naturais, afinidade ou vontade expressa e o âmbito doméstico e familiar é caracterizado por qualquer relação íntima de afeto, em que o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.
2. Esta Corte Superior entende ser presumida, pela Lei n. 11.340/2006, a hipossuficiência e a vulnerabilidade da mulher em contexto de violência doméstica e familiar. É desnecessária, portanto, a demonstração específica da subjugação feminina para que seja aplicado o sistema protetivo da Lei Maria da Penha. Isso porque a organização social brasileira ainda é fundada em um sistema hierárquico de poder baseado no gênero, situação que o referido diploma legal busca coibir.
3. Na espécie, deve ser reconhecida a competência do Juizado de...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT