Acórdão nº 50002466820228210101 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Sétima Câmara Cível, 23-11-2022

Data de Julgamento23 Novembro 2022
ÓrgãoDécima Sétima Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50002466820228210101
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002857570
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

17ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5000246-68.2022.8.21.0101/RS

TIPO DE AÇÃO: Promessa de Compra e Venda

RELATORA: Desembargadora ROSANA BROGLIO GARBIN

APELANTE: ALEXANDRO ANDRADE E SILVA (AUTOR)

APELANTE: ROBERTA ADAMOLI LOPES (AUTOR)

APELANTE: GRAMADO PARKS INVESTIMENTOS E INTERMEDIACOES S.A. (RÉU)

APELADO: OS MESMOS

RELATÓRIO

Trata-se de recursos de apelação interpostos por ALEXANDRO ANDRADE E SILVA e ROBERTA ADAMOLI LOPES e por GRAMADO PARKS INVESTIMENTOS E INTERMEDIACOES S.A. da sentença em que, apreciando ação de rescisão contratual manejada pelos primeiros em face do último, a Magistrada a quo julgou parcialmente procedente a pretensão autoral, nos seguintes termos (evento 50, SENT1):

"(...)

Ante o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido deduzido na ação ajuizada por ROBERTA ADAMOLI LOPES e ALEXANDRO ANDRADE E SILVA contra GRAMADO PARKS INVESTIMENTOS E INTERMEDIAÇÕES LTDA. para o fim de, confirmando a decisão liminar, declarar rescindidos os contratos de promessa de compra e venda celebrados entre as partes, restabelecendo o status quo ante, bem como condenar a parte ré a restituir à parte autora a quantia de R$ 262.238,85, relativamente aos valores adimplidos, verba esta a ser corrigida monetariamente pela variação do IGP-M a contar do respectivo desembolso e acrescida de juros de mora de 1% ao mês a contar da citação.

Diante da sucumbência recíproca, condeno a parte autora ao pagamento de 1/3 das custas processuais e honorários advocatícios aos procuradores da parte ré, que fixo em 10% sobre o seu decaimento (pedido de inversão da cláusula penal), observadas as diretrizes do art. 85, §2º, do Código de Processo Civil, valor a ser corrigido, pela variação do IGP-M, desde a data da publicação da sentença, e acrescido de juros de mora de 1% ao mês, a contar do trânsito em julgado. Entretanto, a exigibilidade resta suspensa em decorrência da gratuidade de justiça deferida.

Condeno a parte ré, por sua vez, ao pagamento de 2/3 das custas processuais e honorários advocatícios aos procuradores da parte autora, que fixo em 10% sobre o valor da condenação, observadas as diretrizes do art. 85, §2º, do Código de Processo Civil, valor a ser corrigido, pela variação do IGP-M, desde a data da publicação da sentença, e acrescido de juros de mora de 1% ao mês, a contar do trânsito em julgado.

(...)"

Em suas razões (evento 57, APELAÇÃO1), a parte autora sustenta ter sido pacificado pelo Superior Tribunal de Justiça, nos termos do Tema 971, que, na hipótese de inadimplemento pela construtora, ainda que haja rescisão do contrato, impõe-se a inversão de cláusula contratual penal em favor do adquirente. Chama atenção para a previsão de penalidade apenas ao promitente-comprador fere o espírito do Código de Defesa do Consumidor (CDC). Requer, nesse passo, o provimento do recurso, a fim de que seja invertida a cláusula penal de 20% sobre o valor integralizado e à redistribuição dos ônus sucumbenciais que deverão ser inteiramente suportados pela Ré.

A seu turno (evento 59, APELAÇÃO1), a parte demandada insurge-se quanto à sentença prolatada sob o argumento de que "a análise do instrumento firmado entre as partes demonstra que o objeto do contrato é uma fração de tempo de um imóvel com destinação hoteleira, não tendo as unidades das quais a Apelada adquiriu uma fração sofrido nenhuma alteração". Destaca a ausência de prejuízo aos postulantes e a regularidade das alterações de projeto, de modo que não se verificaria situação capaz de caracterizar a culpa da ré, inclusive a justificar o afastamento da integralidade da multa contratual a ela devida. Pondera que "a decisão de primeiro grau reconhece que a averbação da retificação da incorporação não afrontou os termos do artigo 43, IV, da lei n. 4.591/1964, mas entendeu que as alterações deveriam ter sido comunicadas à Apelada “especialmente no que diz respeito à unidade autônoma”". Pondera que não se trata de compra e venda ad mensuram. Chama atenção que a área privativa das unidades habitacionais não foi alterada. Pondera que "a exigência de prévia anuência dos promitentes compradores para alteração da incorporação se limitaria a obtenção de anuência dos adquirentes que tivessem gravado na matrícula o registro dos seus instrumentos de promessa de compra e venda de fração", o que se depreenderia "da análise conjunta dos termos dos artigos 129, § 5º e 176, §§ 10 e 11, da Lei de Registro Públicos, n. 6.015/73". Afirma que a averbação de área de preservação permanente fez parte da matrícula do imóvel. Requer "seja provido o presente recurso de Apelação para reformar a decisão de primeiro grau, afastando a culpa da Apelante pela rescisão contratual, reconhecendo que a rescisão contratual decorreu de interesse pessoal da Apelada e, portanto, deve ser mantida a obrigação da Apelada de efetuar o pagamento da multa prevista na Cláusula Sexta, item 8, do Contrato firmado entre as partes".

Foram ofertadas contrarrazões (evento 63, CONTRAZAP1 e evento 64, CONTRAZAP1).

Remetidos os autos a esta Corte, vieram os autos conclusos para julgamento.

É o relatório.

VOTO

Preenchidos os requisitos de admissibilidade, conheço dos recursos.

Cuida-se o feito subjacente de "ação declaratória de rescisão contratual cumulada com reparação de danos materiais" manejada por ALEXANDRO ANDRADE E SILVA e ROBERTA ADAMOLI LOPES em face de GRAMADO PARKS INVESTIMENTOS E INTERMEDIACOES

Consta da exordial que, em 18/09/2018, a parte autora adquiriu três frações no empreendimento Gramado Buona Vitta Resort Spa, por meio de promessa de compra e venda, no regime de multipropriedade (unidades 208-F, 211-F e 110-F), tendo sido avençado o preço de R$ 129.900,00 para cada uma, a ser pago de forma parcelada. Historia a demandante que, sem a anuência dos adquirentes e com falha no dever de informação, a ré alterou o projeto original apresentado, aumentando o número de unidades autônomas (de 445 para 583 apartamentos), o que reduziu o espaço das áreas comuns, além da inclusão de área de preservação ambiental na matrícula do imóvel. Tergiversa sobre direito do consumidor e práticas de venda abusivas, inclusive com propaganda enganosa. Requer, ao final, a procedência da ação para o fim de ser declarada a rescisão do contrato por culpa da ré, bem como a condenação desta à restituição dos valores adimplidos, com consectários, inclusive com a inversão da cláusula penal.

Instruído o feito, a demanda restou julgada parcialmente procedente, para declarar resolvidos os contratos de promessa de compra e venda celebrados entre os litigantes, condenando a requerida a restituir à parte autora a quantia de R$ 262.238,85, relativamente aos valores adimplidos, com correção monetária pelo IGP-M a partir do desembolso e acrescida de juros de mora de 1% ao mês a contar da citação.

Contra tal pronunciamento judicial insurgem-se ambas as partes, nos termos do relatório supra.

Incontroverso que, depois de celebrado o contrato, o empreendimento imobiliário sofreu alterações substanciais em seu projeto, sem a anuência dos adquirentes das frações de tempo das unidades autônomas, entre os quais, a parte autora, o que ensejou o reconhecimento do inadimplemento contratual da parte ré pelo juízo monocrático, dando eco à resolução do contrato celebrado.

Malgrado o esforço argumentativo da parte ré, a tese defensiva de que não se verificaria ilícito da requerida apto a ensejar a resolução do contrato nos moldes postulados não se sustenta.

Como bem consignado na sentença, "embora os adquirentes não possuam direitos reais registrados na matrícula do imóvel e decorrentes do empreendimento, uma vez que o instrumento particular de promessa de compra e venda não foi levado a registro no Cartório Imobiliário, o que, aliás, possibilitou a averbação da retificação da incorporação sem afronta ao disposto no art. 43, inc. IV, da Lei nº 4.591/1964, tal situação não afasta o dever da parte ré de informar à parte autora sobre as alterações parciais ocorridas, especialmente no que diz respeito à unidade autônoma" - grifou-se.

Do que se depreende dos autos, aludido aumento das unidades imobiliárias impactou, de alguma forma, as dimensões das frações adquiridas pela parte demandante, ainda que a ré alegue que os compradores não sofreram efetivos danos.

E isto porque, do acervo probatório, infere-se que houve efetiva redução na área comum, na área global e na fração ideal da unidade imobiliária adquirida pelos requerentes no regime de multipropriedade, bastando a tal conclusão o exame da matrícula de nº 32.786 (evento 1, MATRIMÓVEL11).

A falha da requerida exsurge, outrossim, quanto à apontada Área de Preservação Ambiental (APP), em relação a que nada teria constado dos contratos objeto da ação, não tendo sido bem observado o dever de informação insculpido no art. 6º, III, do CDC.

Caberia ao fornecedor prestar as devidas informações e atentar para a boa-fé, princípio que embasa a busca do equilíbrio nas relações contratuais (sobretudo nas de consumo), e orienta a análise das avenças, examinando a conduta concreta das partes nos negócios, tendo aplicação em todas as fases dos contratos.

Daí porque vai mantida a resolução contratual por culpa exclusiva da requerida.

Dito isto, impende consignar que os contratos celebrados entre as partes estabelecem cláusula penal estipulada exclusivamente em desfavor do consumidor, em caso de rescisão por inadimplemento ou por culpa do promitente comprador (vide...

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