Acórdão nº 50002606620158210014 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Quarta Câmara Cível, 24-03-2022

Data de Julgamento24 Março 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50002606620158210014
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001531263
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

14ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5000260-66.2015.8.21.0014/RS

TIPO DE AÇÃO: Reserva de Domínio

RELATORA: Desembargadora JUDITH DOS SANTOS MOTTECY

APELANTE: JESSICA DIESEL SCHMITT (RÉU)

APELANTE: JOACEL NELINO DE CAMARGO (RÉU)

APELANTE: TRANSPORTES DIESEL 448 LTDA (RÉU)

APELADO: EDILSOM CORREA DE OLIVEIRA (AUTOR)

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação interposto por JÉSSICA DIESEL SCHMITT, JOACEL NELINO DE CAMARGO e TRANSPORTES DIESEL 448 LTDA, visando modificar em parte a sentença, proferida em ação anulatória cumulada com indenizatória e manutenção na posse (014/1.15.0006789-5), ajuizada por EDILSON CORRÊA DE OLIVEIRA, que julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados, nos seguintes termos:

Ante o exposto julgo parcialmente procedente a ação anulatória ajuizada por Edilson Corrêa de Oliveira em face de Joacel Nelino de Camargo. Transportes Diesel 448 Ltda. EPP e Jéssica Diesel Schmitt para:

a) declarar nulas as contratações e desconstituir os contratos e débitos adjacentes, bem como todas as demais obrigações que vinculem o autor em relação aos réus relativa ao conjunto de contratos analisados;

b) condenar o réu Joacel a restituir ao autor o valor total adimplido, no montante de R$ 39.688.28. que deverá ser corrigido monetariamente pelo IGP-M a contar dos desembolsos e juros de 1% ao mês a incidir da citação;

c) condenar o réu Joacel à reparação de danos morais ao autor no valor de R$ 7.937,65, com juros moratórios de 1% ao mês desde a ocorrência do evento danoso (05/12/2014 - data da recontratação da dívida - fis. 102-110) e corrigido pelo IGP-M desde a presente data.

Não procede o pedido de transferência da reserva de domínio do caminhão para a pessoa do autor.

Considerando a sucumbência recíproca, condeno o autor ao pagamento de 30% das custas processuais e de honorários ao procurador das demandadas no valor de R$1.500.00. Entretanto, suspendo a exigibilidade dos encargos de sucumbência em virtude da concessão da AJG. Condeno o demandado Joacel Nelino de Camargo pagamento de 70% das custas processuais e de honorários ao procurador do autor no valor de R$ 1.500,00.

Sustentam, em síntese, que o réu Joacel Nelino de Camargo simplesmente organizou e auxiliou o demandante e outros motoristas, para garantir que adimplissem o valor ajustado pela compra do caminhão, não tendo qualquer gerência sobre a atividade laboral deles, tampouco havendo subordinação e vulnerabilidade em suas negociações. Referem que Joacel Nelino de Camargo era proprietário de sociedade empresária CA & CA Transportes com vinte e sete caminhões e que ele prestava serviços com exclusividade para a sociedade empresária Eichemberg, sucedida pela atual Kuehne, e que decidiu encerrar as atividades, vendendo seus caminhões já credenciados pela tomadora de serviços e com todas as licenças para viagens nacionais e internacionais, bem como com os equipamentos nos padrões exigidos pela empresa Eichemberg. Destacam que a tomadora de serviços Kuehne (antiga Eichemberg) não admitia pessoas naturais como prestadoras de serviços, de modo que foram criadas pessoas jurídicas para os adquirentes dos caminhões poderem dar continuidade à prestação de serviços e postular financiamento juntos aos bancos. Apontam que Joacel celebrou financiamento com a parte autora, parcelando 50% do valor em 24 prestações mensais e consecutivas, sem entrada, e uma parcela única no saldo restante de 50% do valor, e que isso seria pago mediante mão de obra, porém a parte autora não conseguiu honrar seus compromissos e devolveu o veículo. Asseveram que as testemunhas ouvidas no processo tem interesses próprios na causa, pois são partes em outros processos de mesma natureza que tramitam contra os réus. Alegam que os contratos foram firmados por pessoas maiores, capazes que tinham conhecimento das atividades desenvolvidas e que o autor era motorista profissional, não havendo vícios de consentimento. Sustentam, por fim, ausência de dano moral, uma vez que o autor somente se sentiu injustiçado depois que o advogado que o representa, genro de um dos demandantes (José Luiz Oliveira), foi em sua casa e na de todos os outros motoristas, para convencê-lo a ajuizar a presente demanda. Requerem o provimento da apelação, reformando a sentença, para julgar integralmente improcedentes os pedidos da parte autora, condenado-a ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios da sucumbência (ev. 03, Processo Judicial 11, pgs. 36/46 e ev. 03, docs. 12, pgs. 01/03).

Apresentadas contrarrazões (ev. 03, Processo Judicial 12, pgs. 08/10).

VOTO

Preenchidos os requisitos extrínsecos e intrínsecos de admissibilidade do recurso interposto.

Inicialmente é pertinente transcrever os fundamentos da sentença, porquanto servem como solução jurídica absolutamente escorreita ao caso posto sob julgamento:

Quanto à ilegitimidade passiva, não merece acolhimento, pois a contratação se deu por intermédio dos demandados. Afasto, portanto, a preliminar arguida.

Trata-se de ação anulatória de negócio jurídico em que a parte autora pleiteia, em suma, a nulidade dos negócios jurídicos entabulados com os réus, bem como transferência da reserva de domínio do caminhão para si, além da suspensão das cobranças das parcelas do negócio.

Depreende-se da versão do autor que assumiu um negócio inicialmente entabulado entre um ex motorista de caminhão contratado pela empresa do réu e que em 2012 o réu deu baixa na sua carteira e lhe ofertou a compra do caminhão em 24 vezes. O ex funcionário do réu desistiu do negócio, o qual foi ofertado e aceito pelo autor nas mesmas condições. O negócio foi realizado mediante a abertura de empresa onde figurariam autor e réu como sócios, sendo que Joacel seria o sócio majoritário com 51% das quotas. Em troca o autor trabalharia como motorista e receberia um salário “disfarçado" de pró-labore e ao final das 24 parcelas receberia a propriedade plena do caminhão.

O autor alegou que demandado Joacel, realizou unilateralmente todos os trâmites que incluíram a abertura de empresas, pondo a condição de sócio majoritário e mantendo-se no controle integral das atividades empresariais, com o fim de evitar passivo trabalhista.

Referiu, ainda, que ao final do ano de 2013, o réu decidiu sair da sociedade e transferiu suas quotas para sua secretária, Jéssica Diesel Schmitt, a qual assumiu sua posição a seu interesse e a seu mando. Na ocasião, Joacel fez com que o autor firmasse um novo contrato com Jéssica.

Sustentou o autor que, ao final do ano de 2014, às vésperas da quitação dos financiamentos do caminhão, Joacel o coagiu a assinar documentos que lhe transferiam a propriedade do caminhão e a fazer um refinanciamento total, a partir de um novo contrato no valor total do caminhão e 60 parcelas de R$ 3.860,00, 0 que, para ser feito, Jéssica teve que ser retirada da empresa para poder financiar pessoalmente o caminhão, o qual ficou com reserva de domínio a favor de uma das empresas de Jéssica. Ressaltou que para tanto foi criada a empresa Transportes Diesel 448 Ltda. - EPP, cuja única sócia é Jéssica. Alegou, o autor, que pagou as parcelas até o mês de novembro de 2015, no valor de R$ 3.860,00 mensais, mas só juntou comprovantes de pagamentos até o mês de janeiro de 2015 (fls. 40, 57-58). Sustentou vício de consentimento.

Apesar de o autor afirmar que negociou com Joacel o caminhão e o reboque em 24 vezes, o preço do contrato é controvertido. O réu afirma se tratar de 24 parcelas referentes a 50% e que havia uma 25ª parcela posterior correspondente aos outros 50% do preço do contrato, abrangia não apenas o caminhão e o reboque, mas todo o estabelecimento empresarial.

O réu, por sua vez, tanto em sede de contestação, como por ocasião do depoimento pessoal do demandado nos autos do processo nº 014/1.15.0006788-7, que tramita na 3ª Vara Cível desta Comarca e trata de relação comercial idêntica a destes autos, relataram que Joacel decidiu deixar o ramo de transportes e vender os caminhões. Questionado sobre o motivo, referiu que em virtude das mudanças legislativas que estavam ocorrendo no setor de transportes, bem como pelo fato de que a empresa pra quem prestava serviço Einchemberg (sucedida pela Kuehne Nagel) teria sido vendida pra uma multinacional. Sustentou que propôs a criação das empresas atuando como sócio porque os compradores não conseguiram financiamento bancário, e ficou como garantidor da dívida.

Por ocasião do negócio, cada contratante adquiriria um caminhão, uma carreta e uma "empresa", da qual Joacel seria responsável por organizar juridicamente e administrar, e ainda teriam garantiriam a renda, por conta do contrato que as empresas do depoente possuía com a Einchemberg para transporte de cargas. O preço abrangia ainda todo o preparo dos veículos para os padrões exigidos pela Einchemberg. Assim, 50% do valor do negócio foi feito em 24 parcelas e, ao final, haveria uma 25ª parcela referente aos outros 50% a ser paga mediante novo financiamento bancário. Joacel afirmou que, na condição de fiador, pagava ao banco as parcelas do financiamento e descontava os valores despesa das empresas das quais era sócio dos caminhoneiros ("desconto" no pró-labore) e devolvia a nota promissória.

Do conjunto probatório se infere que os contratantes, pessoas físicas, sao capazes e tinham vontade de contratar, bem como os objetos são lícitos, possíveis e determinados. Assim sequer há discussão de invalidade no primeiro contrato de formação da sociedade e de compra e venda dos veículos no geral. O que está em discussão é se houve ou não vício de vontade na segunda contratação, a validade da alegada contratação de um 25ª parcela no contrato inicial e se houve, na execução dos...

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