Acórdão nº 50002667120208210152 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Terceira Câmara Cível, 26-05-2022

Data de Julgamento26 Maio 2022
ÓrgãoTerceira Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50002667120208210152
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001988419
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

3ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5000266-71.2020.8.21.0152/RS

TIPO DE AÇÃO: Exoneração

RELATOR: Desembargador LEONEL PIRES OHLWEILER

APELANTE: ALCIR MATHIAS (IMPETRANTE)

APELADO: PREFEITO MUNICIPAL DE ERVAL GRANDE (IMPETRADO)

APELADO: MUNICÍPIO DE ERVAL GRANDE (INTERESSADO)

RELATÓRIO

Trata-se de apelação interposta por ALCIR MATHIAS contra a sentença proferida nos autos do mandado de segurança impetrado contra ato do PREFEITO MUNICIPAL DE ERVAL GRANDE, cujo dispositivo está assim redigido:

"Em face do exposto, DENEGO a ordem postulada no Mandado de Segurança impetrado por ALCIR MATHIAS contra ato do PREFEITO MUNICIPAL DE ERVAL GRANDE/RS.

Custas pela impetrante. Sem honorários advocatícios, em função dos enunciados 105, da Súmula do STJ, e 512, da Súmula do STF, bem ainda do artigo 25 da Lei nº 12.016/09.

Suspensa a exigibilidade, diante da AJG que ora lhe defiro.

Com o trânsito em julgado, arquivem-se com baixa.

Publique-se, registre-se e intimem-se."

A parte autora apela (Ev. 39) alegando que é contribuinte do regime geral de previdência, tendo obtido aposentadoria pelo INSS, sem ter requerido o desligamento do serviço público municipal. Alude que a concessão do benefício da aposentadoria pelo regime geral de previdência não acarreta a extinção do vínculo do servidor com a Administração Pública, na medida em que somente passou a perceber o benefício previsto na legislação previdenciária (Lei Federal nº 8.213/91) por ter completado os requisitos para a concessão do benefício. Afirma que requereu e implementou o direito ao benefício ainda antes da Reforma da Previdência (Emenda Constitucional nº 103, de 12 de novembro de 2019). Sustenta que a permanência na função não caracteriza acumulação indevida de cargos, pois não se está a tratar de nova investidura após a concessão do benefício previdenciário, mas de continuidade do vínculo funcional da parte autora para com a Administração, além do que a "vacância do cargo, em razão da aposentadoria do servidor, na forma prevista no Estatuto dos Servidores Municipais, somente ocorre quando a jubilação se der sob o PS do Município, pois, em hipótese tal, a permanência do servidor em atividade violaria o disposto no §102 do artigo 37 da CF, que veda a acumulação de proventos de aposentadoria com a remuneração de cargo, emprego ou função pública de que cogitam os arts. 37, § 10, 40, 42 e 142 da Constituição Federal". No caso, "havendo o justo receio da parte impetrante de ser exonerada", em face da concessão da aposentadoria pelo INSS, "é evidente a iminência da violação ao direito líquido e certo de ser mantida no cargo público com vínculo efetivo. Assevera que a Constituição Federal prevê hipóteses restritas para a perda do cargo do servidor estável, assegurada, em qualquer caso, a ampla defesa, de modo que a "exoneração sumária atenta contra as garantias constitucionais do devido processo legal administrativo (incisos LIV e LV do art. 5º da Constituição Federal)", matéria essa sumulada pelo STF (verbete nº 20). Cita precedentes. Requer o provimento do recurso.

Em contrarrazões (Evento 42), o Município alude o julgamento do Tema 1150 pelo STF (RE 1.302.501), tendo sido pacificado o entendimento no sentido da impossibilidade do servidor ser mantido no cargo, mesmo que aposentado pelo RGPS. Cita precedentes. Requer o desprovimento do apelo.

O Ministério Público, por meio de parecer do Procurador de Justiça Eduardo Roth Dalcin, manifestou-se pelo desprovimento do recurso (Evento 8).

VOTO

I – PRESSUPOSTOS DE ADMISSIBILIDADE.

O apelo é tempestivo e foi recolhido o preparo. Presentes os demais pressupostos de admissibilidade, conheço dos recursos.

II - MÉRITO.

Cabimento do Mandado de Segurança

O artigo 5º, inciso LXIX, da Constituição Federal, prevê:

“conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público”.

A Lei nº 12.016/09, no seu artigo 1º, caput, igualmente estabelece:

Art. 1º Conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, sempre que, ilegalmente ou com abuso de poder, qualquer pessoa física ou jurídica sofrer violação ou houver justo receio de sofrê-la por parte de autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça.

O direito líquido e certo é aquele que se mostra inequívoco, sem necessidade de dilação probatória, urgindo, para sua configuração, a comprovação dos pressupostos fáticos adequados à regra jurídica. A propósito do tema, alude Hely Lopes Meirelles (Mandado de Segurança, Ação Popular, ... 29 ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2006, p. 36-37):

“... o direito invocado, para ser amparável por mandado de segurança, há de vir expresso em norma legal e trazer em si todos os requisitos e condições de sua aplicação ao impetrante: se sua existência for duvidosa; se sua extensão ainda não estiver delimitada; se seu exercício depender de situações e fatos ainda indeterminados, não rende ensejo à segurança, embora possa ser defendido por outros meios judiciais.”

A partir da regulação constitucional e da própria Lei nº 12.016/09, também se exige a presença de ilegalidade ou abuso de poder. Ao examinar tais expressões, M. Seabra Fagundes, em obra clássica (O Controle dos Atos Administrativos pelo Poder Judiciário. Atual. Gustavo Binenbojm. 7ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 322) sobre o tema do controle dos atos administrativos, destacou a abrangência do conteúdo “ilegalidade” tanto em relação à ilegalidade infraconstitucional, como a oriunda de violações de dispositivos constitucionais, sendo até desnecessária a referência ao abuso de poder. De qualquer modo, conforme Marçal Justen Filho (Curso de Direito Administrativo. 7ª ed. Belo Horizonte: Fórum, 2011, p. 1142):

“O mandado de segurança destina-se a atacar a ação ou a omissão que configurem ilegalidade ou abuso de poder. A fórmula constitucional é tradicional e revela, em última análise, a tutela, não apenas aos casos de vício no exercício de competência vinculada, mas também no caso de defeito no desempenho de competência discricionária. Há casos em que a lei condiciona a existência ou a fruição de um direito subjetivo a pressupostos determinados, caracterizando-se uma disciplina vinculada. Se, numa hipótese dessas, houver indevida denegação do direito subjetivo assegurado a alguém, o interessado poderá valer-se do mandado de segurança para atacar essa ilegalidade. Alude-se à ilegalidade para indicar que a decisão atacada infringe a disciplina legal, uma vez que recusa ao interessado um direito cujos pressupostos e extensão constam da lei.

“Mas também cabe a impetração para proteger direito líquido e certo nos casos de abuso de poder, que se verifica diante das hipóteses de disciplina legislativa discricionária. A garantia constitucional impede que a denegação de uma pretensão individual se faça mediante a mera invocação da titularidade de uma competência discricionária. Assim, a previsão legislativa de que a autoridade pública poderá deferir um pedido não legitima todo e qualquer indeferimento. Se a denegação do direito do particular evidenciar abuso de poder, o mandado de segurança será cabível.”

A situação dos autos, em tese, admite a utilização do mandado de segurança.

A Análise do Caso Concreto e a Manutenção da Sentença

Na inicial do "mandamus", a parte impetrante requereu a não exoneração do cargo ou a reintegração, uma vez que a aposentadoria concedida pelo Regime Geral de Previdência Social – RGPS não acarreta a vacância do cargo público.

A sentença denegou a segurança, aplicando ao caso o decidido no Tema 1150 do STF. Ainda segundo o Magistrado de origem, o "entendimento consolidado do STF é de que, nas aposentadorias pelo RGPS anteriores à EC 103/19, desde que haja previsão legal na legislação local de regência da vacância do cargo em caso de aposentadoria, o servidor público NÃO tem direito de manter-se no cargo que exerce".

Registro que a jurisprudência desta Câmara sobre o tema tinha outro sentido, assim como o entendimento que até então vinha sendo adotado pelo Supremo Tribunal Federal.

Em vários acórdãos, assim fiz referência ao posicionamento do STF:

"AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. ADMINISTRATIVO. POSSIBILIDADE DE ACUMULAÇÃO DE PROVENTOS DECORRENTES DE APOSENTADORIA NO REGIME GERAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL COM REMUNERAÇÃO DE CARGO PÚBLICO. PRECEDENTES. CONTRARRAZÕES APRESENTADAS. VERBA HONORÁRIA MAJORADA EM 1%, PERCENTUAL O QUAL SE SOMA AO FIXADO NA DECISÃO AGRAVADA, OBEDECIDOS OS LIMITES DO ART. 85, § 2º, § 3º E § 11, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL/2015, COM A RESSALVA DE EVENTUAL CONCESSÃO DO BENEFÍCIO DA JUSTIÇA GRATUITA. AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO.
(ARE 914547 AgR, Relator(a): Min.
CÁRMEN LÚCIA, Segunda Turma, julgado em 09/08/2016, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-182 DIVULG 26-08-2016 PUBLIC 29-08-2016)

A decisão aludida não se trata de entendimento isolado, pois ao julgar o Recurso Extraordinário nº 1.020.183-RS, j. 16.02.2017, Rel. Min. Dias Toffoli, exatamente sobre a mesma questão, de acórdão da 4ª Câmara Cível deste Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Município de Erechim, manteve-se o entendimento segundo o qual não é possível interpretar a obtenção de aposentadoria pelo regime geral como causa de vacância e, por consequência, exoneração do servidor público.

A primeira questão discutida pelo Ministro Dias Toffoli foi com relação à caracterização de violação da cláusula de plenário, por força da Súmula...

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