Acórdão nº 50002719520178210056 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Primeira Câmara Criminal, 27-01-2022

Data de Julgamento27 Janeiro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50002719520178210056
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoPrimeira Câmara Criminal

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001412367
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

1ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Criminal Nº 5000271-95.2017.8.21.0056/RS

PROCESSO ORIGINÁRIO: Nº 5000271-95.2017.8.21.0056/RS

TIPO DE AÇÃO: Crimes de Tráfico Ilícito e Uso Indevido de Drogas (Lei 11.343/06)

RELATORA: Juiza de Direito ANDREIA NEBENZAHL DE OLIVEIRA

APELANTE: JOSÉ FRANCISCO DOS SANTOS PORTELLA (ACUSADO)

ADVOGADO: CRISTIANO VIEIRA HEERDT (DPE)

APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (AUTOR)

INTERESSADO: VANDERLEI JUNIOR DE OLIVEIRA FIUZA (INTERESSADO)

RELATÓRIO

O Ministério Público ofereceu denúncia contra JOSÉ FRANCISCO DOS SANTOS PORTELA, já qualificado, dando-o como incurso nas sanções do art. 33, caput, da Lei nº11.343/06:

Narra a denúncia que:

"No dia 7 de outubro de 2016, por volta das 2 horas, na Rua Dom Érico Ferrari, 555, Vila Santo Antonio, nesta Cidade, o denunciado JOSÉ FRANCISCO DOS SANTOS PORTELA, vendeu, teve em depósito, guardou, entregou a consumo e forneceu maconha e cocaína – apreendidas, fl. 6-, sem autorização e em desacordo com determinação legal e regulamentar.

Na ocasião, os Policiais Militares, algumas horas antes da abordagem do denunciado, abordaram Denise Aquino da Rosa, sendo que encontraram com ela, no interior de sua bolsa, uma bucha de cocaína. Esta, por sua vez, informou à Brigada Militar que havia comprado droga de Lulu, alcunha de José Francisco. Desse modo, os milicianos foram diligenciar em via pública, momento em que passaram em frente a residência do denunciado, sendo que este e Vanderlei Junior de Oliveira Fiuza estavam conversando próximos à porta e quanto avistaram a guarnição, ambos evadiram do local. Vanderlei foi abordado em via pública, portando um pedaço de tijolo de maconha, no bolso direito, e também informou que havia comprado a referida droga de Lulu. Ato contínuo, os Policiais Militares dirigiram-se até a residência de JOSÉ FRANCISCO, abordaram-no e revistaram sua residência. Foi apreendido no local um tijolo de maconha, sete petecas de maconha, quatro petecas de cocaína e o valor de, aproximadamente, R$ 5.784,00.

As substâncias foram submetidas a exame, verificando-se que se tratavam de maconha e cocaína, conforme laudos periciais das fl. 44/47."

A denúncia foi recebida em 16/03/2018 e, após regular instrução, foi prolatada sentença, condenando o réu nas sanções do art. 33, caput, da Lei 11.343/06, às penas de 05 (cinco) anos de reclusão, em regime semiaberto, além de 500 dias multa, no valor unitário de 1/30 do salário mínimo mensal vigente ao tempo do fato.

Inconformada, a defesa apelou (ev. 3, PROCJUD4 e 5). Em razões, preliminarmente, arguiu a inconstitucionalidade do art. 33 da Lei de Drogas, diante da configuração de dependência química (autolesão); atipicidade material em razão do princípio da insignificância e violação de domicílio. No mérito, alegou insuficiência probatória, vez que não comprovada a traficância, estando a prova baseada apenas na palavra dos policiais. Defendeu que a droga encontrada era para consumo pessoal, diante da dependência química do réu, bem como se insurgiu à muta aplicada, postulando sua isenção ou redução. Ao final, pugnou pelo provimento do recurso.

Foram apresentadas contrarrazões (ev. 3, PROCJUDIC5).

A Procuradoria de Justiça lançou parecer, opinando pelo desprovimento do recurso defensivo e pelo provimento do apelo ministerial (ev. 3, PROCJUDIC5 e 6).

É o relatório.

VOTO

De início, o recurso é tempestivo e preenche os pressupostos processuais, razão pela qual vai conhecido.

Passo a analisar as preliminares, à exceção da violação de domicílio invocada, visto que esta depende da análise da prova. Logo, será analisada com o mérito.

1) Preliminares:

1.1) Da atipicidade material em razão do princípio da insignificância

Adianto, a preliminar não merece acolhimento.

Não se aplica o princípio da insignificância ao delito de tráfico de drogas, pois trata-se de crime de perigo abstrato ou presumido, sendo irrelevante para esse específico fim, a quantidade de entorpecentes.

Além disso, o delito de tráfico traz várias consequências negativas, por estar muitas vezes associado à prática de outros tipos de crimes. Assim, desimporta a quantidade de entorpecentes apreendida.

Ainda, é entendimento pacífico no Superior Tribunal de Justiça que o simples fato de praticar quaisquer das condutas insculpidas no tipo penal previsto no art. 33 do Lei de Drogas, independentemente de demonstração fática de perigo, já é lesiva ao bem jurídico, qual seja, a saúde pública da coletividade (HC 104108/, Relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, julgado em 27/09/2011).

Trata-se, como se sabe, de crime de perigo abstrato, de mera conduta. No caso concreto, foram apreendidos dois tipos de entorpecentes (maconha e cocaína), sendo evidente a lesividade da conduta.

1.2) Da inconstitucionalidade do artigo 33 da Lei de Drogas

Ressalto, também, que a tese de inconstitucionalidade dos crimes de perigo abstrato apresentada pela defesa é desprovida de amparo jurídico.

Em determinadas hipóteses de incriminação, o perigo advindo da conduta é absolutamente presumido por lei (crime de perigo abstrato), como no tráfico de drogas. A conduta do traficante é crime independentemente do efetivo dano à saúde pública, bastando o perigo, que é presumido por lei.

Neste sentido, julgado do STJ:

HABEAS CORPUS. IMPETRAÇÃO EM SUBSTITUIÇÃO AO RECURSO CABÍVEL.UTILIZAÇÃO INDEVIDA DO REMÉDIO CONSTITUCIONAL. VIOLAÇÃO AO SISTEMA RECURSAL. NÃO CONHECIMENTO.
1. A via eleita revela-se inadequada para a insurgência contra o ato apontado como coator, pois o ordenamento jurídico prevê recurso específico para tal fim, circunstância que impede o seu formal conhecimento. Precedentes.
2. O alegado constrangimento ilegal será analisado para a verificação da eventual possibilidade de atuação ex officio, nos termos do artigo 654, § 2º, do Código de Processo Penal.
TRÁFICO DE DROGAS E POSSE ILEGAL DE ARMAS, ACESSÓRIOS E MUNIÇÕES DE USO PERMITIDO E RESTRITO.
INCONSTITUCIONALIDADE DOS CRIMES DE PERIGO ABSTRATO. INOCORRÊNCIA CONDUTAS QUE LESIONAM A SEGURANÇA PÚBLICA E A PAZ COLETIVA. COAÇÃO ILEGAL NÃO CARACTERIZADA.
1. Os crimes de perigo abstrato são os que prescindem de comprovação da existência de situação que tenha colocado em risco o bem jurídico tutelado, ou seja, não se exige a prova de perigo real, pois este é presumido pela norma, sendo suficiente a periculosidade da conduta, que é inerente à ação.
2. As condutas punidas por meio dos delitos de perigo abstrato são as que perturbam não apenas a ordem pública, mas lesionam o direito à segurança, daí porque se justifica a presunção de ofensa ao bem jurídico, não havendo que se falar, assim, na inconstitucionalidade de tais ilícitos. Precedentes do STF.

(...)
(HC 351.325/RS, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 21/08/2018, DJe 29/08/2018) (grifou-se)

Dito isto, vão afastadas as preliminares.

2) Mérito

Conforme consta na denúncia, José Francisco “vendeu, teve em depósito, guardou, entregou a consumo e forneceu” um tijolo de maconha, sete petecas de maconha, quatro petecas de cocaína e o valor de, aproximadamente, R$ 5.784,00.

A apreensão teria ocorrido na casa do acusado, após dois usuários serem detidos na posse de entorpecentes e ambos terem afirmado aos policiais que compraram as drogas deste.

Aproveito a transcrição da prova oral realizada pelo MM Juízo de origem, na sentença:

"Vlademir Sanches recordou que realizou abordagem nas proximidades da casa do réu, de um indivíduo que estava saindo da casa deste. A casa do réu era conhecida como ponto de tráfico de drogas, viu bastante comercialização de drogas, razão pela qual foram produzidos vários termos circunstanciados.

Vanderlei Junior de Oliveira Filho, relatou que estava na Expojuc, onde comprou R$ 80,00 de maconha, e colocou a substância na meia. Quando estava passando pela frente da casa do denunciado, foi abordado por policiais militares, os quais questionaram acerca das drogas encontradas na sua meia, sendo que relatou ter adquirido na Expojuc. No entanto, aduziu que os policiais disseram para confirmar que havia comprado do denunciado. Disse que não conhecia o réu antes dos fatos.

Adriano Castilhos Pereira, Policial Militar, referiu que o réu é conhecido por ser traficante, sendo um dos que mais vendem drogas na cidade. A maioria de Tcs lavrados por posse de drogas são de usuários que adquirem drogas do réu. No dia dos fatos tinha movimento da cidade, pois tinha o evento denominado Expojuc. Ficaram nas proximidades da casa do réu, momento em que chegaram na residência deste com um usuário. Encontrou drogas na meia do usuário, junto ao usuário e no interior na casa do denunciado. Em revista, encontraram quantidade expressiva de dinheiro, grande quantidade de relógio (que usuário troca por drogas), drogas fracionadas dentro de um pote e sacolinhas plásticas para colocar drogas. Não tinha mandado, pois atuaram em flagrante. O usuário estava sozinho quando foi abordado."

A acusado não foi ouvido, posto que revel.

Com base na prova produzida, impositiva a manutenção da condenação de José Francisco.

A materialidade restou demonstrada pela ocorrência policial, auto de apreensão e laudos toxicológicos definitivos, evidenciando a apreensão de entorpecentes de diferentes espécies (cocaína e maconha), assim como a prova oral.

Em relação à autoria, os policiais militares responsáveis pela apreensão prestaram depoimentos uníssonos, tanto em inquérito quanto em juízo, ao apontar a localização das substâncias na casa do réu, conhecida como ponto de tráfico.

Além disso, abordaram sujeitos que confirmaram ter adquirido drogas do acusado e já tinham conhecimento prévio de que...

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