Acórdão nº 50002724020188210058 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Oitava Câmara Cível, 03-11-2022

Data de Julgamento03 Novembro 2022
ÓrgãoOitava Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50002724020188210058
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002330004
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

8ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5000272-40.2018.8.21.0058/RS

TIPO DE AÇÃO: Alimentos

RELATOR: Desembargador RUI PORTANOVA

RELATÓRIO

A titulo de relatório sigo o rumo daquele que veio no parecer do Ministério Público neste grau de jurisdição.

"Trata-se de recurso de apelação interposto por AUGUSTO contra decisão proferida pelo Juízo de primeiro grau nos autos da ação de alimentos movida contra JAIME, que julgou parcialmente procedente o pedido formulado na inicial, para condenar o réu ao pagamento de alimentos ao autor, no montante de 20% de seus rendimentos (Proc Orig – EV 3- PROCJUDIC 8 – fls. 11/13).

Em suas razões, o apelante, em síntese, afirma ter o apelado condições financeiras de alcançar uma quantia maior a título de alimentos ao filho. Diz que o apelado apresenta estilo de vida bastante superior ao que alega, não sendo crível que perceba apenas R$1.130,00 por mês. Alega que o fato de não haver muitas ações judiciais patrocinadas pelo apelado, que é advogado, não significa que não atue na área jurídica, auferindo mais renda.

Conclui que o apelado detém ótimo padrão de vida e tem condições financeiras para pagar alimentos ao filho em valor bem maior do que o determinado na sentença.

Postula a reforma da decisão, para condenar o réu ao pagamento de prestação alimentícia em valor não inferior a um salário mínimo nacional (Proc Orig – EV 3- PROCJUDIC 8 – fls. 20/26)".

Vieram contrarrazões.

O Ministério Público promoveu pelo improvimento do recurso.

É o relatório.

VOTO

Obrigação alimentar.

Restou induvidosa a questão sobre a obrigação alimentar.

A sentença condenou o apelado alimentante a pagar 20% dos seus rendimentos e o alimentante não recorreu.

A questão que sobra por se analisar diz com o montante a ser pago.

Necessidades do alimentado.

Não há indicação de que estamos diante de alimentado com necessidades extraordinárias.

Trata-se de criança, atualmente com seis anos de idade, que vive sob a guarda de sua mãe professora.

Possibilidades do alimentante.

A questão mais candente diz com as possibilidades de alimentante.

Há questões incontroversas.

A questão mais relevante diz com o fato de o alimentante ser advogado regularmente inscrito na OAB.

Contudo, veio certidão dando conta de que não tem nenhum processo ativo em seu nome (Evento 3- PROCJUDIC 6, fl. 225 dos autos originais)

E não há notícia ou prova (a não ser de ouvir dizer conforme testemunhas) de efetivo e concreta existência de escritório de advocacia onde ele esteja exercendo a atividade.

Até a sentença, o alimentante fazia um segundo curso, agora História, e estaria trabalhando como estagiário junto à Prefeitura de Nova Prata.

Valor dos alimentos.

Aqui tem uma questão peculiar.

A sentença fixou os alimentos, somente, como referencial os rendimentos fixos de trabalho do alimentante. E o percentual é em 20%.

Ou seja, não há previsão sentencial para hipótese de inexistência de vínculo labora.

E não há recurso do alimentante.

Por sua vez, o alimentado apelante, pede em seu apelo a fixação dos alimentos em 1 (um) salário mínimo

E nada refere sobre viabilidade de pagamento em percentual incidente sobre eventual labor.

Eis as razões pelas quais a sentença fixou o valor dos alimentos:

“Ainda, comprovou que, por anos, sua renda se restringiu ao benefício previdenciário, no valor de um salário mínimo, e que, após cessar o benefício, passou a desempenhar a função de estagiário, percebendo o montante de R$ 775,00. Cabível consignar que, apesar de ser advogado e estar cursando um segundo curso superior, restou demonstrado que o demandado não possui processos judiciais em seu nome, concluindo-se que não exerce a profissão, tanto que optou por exercer estágio remunerado, e no presente feito é representado pela Defensoria Pública”

Análise.

A peculiaridade do presente caso está no fato de termos dois extremos num mesmo alimentante.

Com efeito, o alimentante é advogado devidamente inscrito na OAB/RS , mas ao mesmo tempo é defendido pela Defensoria Pública.

A respeito de sua defesa pública vale a pena ter em conta o que é dito pela eminente Defensora:

A defesa do réu é patrocinada peia Defensoria Pública do Estado, que segue rigorosamente um critério de renda para atendimento (renda familiar de até três salários mínimos nacionais e patrimônio que não exceda a trezentos mil reais). Foi realizada, inclusive, conferência junto à Corregedoria do Órgão, que orientou que a defesa do demandado fosse realizada pela Instituição, enquadra-se no critério econômico (negritei).

Ao mesmo tempo, se retira das razões da apelante, alguma informação que projeta a possibilidade outra ideia:

Ainda nessa esteira, se frise novamente que o requerido cursou o Bacharelado de Direito em uma universidade particular, qual seja. Universidade de Caxias do Sul - UCS. Nessa passo, necessário ressaltar novamente que o valor da mensalidade monta aproximadamente R$ 1.100,00 (um mil e cem reais), conforme prova documental à exordial e não impugnado na contestação. Observe ainda Excelência que na peça contestatória o requerido não alegou qualquer tipo de auxílio de custo, bolsa estudantil ou Financiamento para a oportunização dos pagamentos da mensalidade”.

Veja que a resposta para tais questionamentos está na declaração fornecida pelo próprio requerido quando da confecção de documento público emitida pelo Ofício de Registro de Imóveis da Comarca de Veranópolis, juntado aos autos às fis. 39 dos autos), onde ele próprio afirmou que era professor.

Por igual os documentos juntados na inicial, que são retirados do facebook do requerido, pode levar a ideia de que o alimentante e sua família atual (esposa e filho), vivem com razoável conforto. Há também postagens de 2017 de o de embarque/desembarque aéreo utilizando aviões da Avianca e Gol (fis. 51/52 dos autos).

Seja como for, no rigor, ou seja, nos estritos limites da prova (seja documental, seja testemunhal), não há como se ter um convencimento pleno a respeito das reais condições financeiras do apelado, que viabilize prover às inteiras o pedido do alimentado para fixar os alimentos em um salário mínimo.

ADVOGADOS EM MACHADO DE ASSIS.

A situação revelada no presente processo, faz lembrar a forma como o extraordinário Machado de Assis se referia aos advogados.

Raimundo Faoro aponta em sua clássica obra A Pirâmide e o Trapézio que o bacharel é mais um símbolo de profissão liberal do que de advogado propriamente dito. E nota que o bacharel é onipresente no panorama da obra de Machado: “está em toda parte”; aparece como “político, jornalista, orador, advogado profissional, empregado público”.

Eis duas das abordagens referidas por Faoro faz a abordagem de três tipos:

- I-Há os “bacharéis sem vínculo com a advocacia: ricos”. O título lhes serve para dourar o nome. São bacharéis sem vocação e sem clientes, dotados do emprego suave de não fazer nada. São membros da classe proprietária, filhos de rendas permanentes e do ócio. O diploma, para eles, é uma relíquia, ou seja, não lhes serve para ganhar o pão.

-II -Existem também os bacharéis pobres. São empregados numa repartição pública ou entregues a uma promotoria. Guardam, junto ao diploma, o bastão do futuro. O sonho, nessa camada, cria, livremente, todos os projetos. O bacharel sem dinheiro ou não opulento está no mundo com muitas estradas abertas diante de si, iludido com suas possibilidades, as quais supõe infinitas. Nas suas esperanças de futuro está todo o compêndio do que a sociedade esperava dele, com a grande carreira pela frente. Mas, para estes, havia um lado enganador: não era com o escritório, com as causas e o foro que alcançariam as alturas. “Este caminho calça-se de outras pedras, o casamento rico, o favorecimento e a proteção política, elementos necessários para a situação numa classe superior ou no estamento vigente.” De fato, eles percebem depois dos primeiros reveses que a carta de bacharel não abarrota sozinha os bolsos."

(Código de Machado de Assis: Migalhas Judídicas de Miguel Matos. Disponível em: https://amz.onl/di9Akj ).

POTENCIAL.

Há, contudo, um elemento de convicção bastante relevante que pode projetar uma pequeno aumento no valor fixado na sentença.

Falo do “potencial”.

Ou seja, o...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT