Acórdão nº 50002733220178210067 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Câmara Cível, 28-11-2022

Data de Julgamento28 Novembro 2022
ÓrgãoDécima Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50002733220178210067
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002809865
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

10ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5000273-32.2017.8.21.0067/RS

TIPO DE AÇÃO: Indenização por dano material

RELATOR: Desembargador TULIO DE OLIVEIRA MARTINS

APELANTE: COMPANHIA ESTADUAL DE DISTRIBUIÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA - CEEE-D (RÉU)

APELADO: ARLEI EHLERT (AUTOR)

RELATÓRIO

Adoto inicialmente o relatório da sentença:

ARLI EHLERT, já qualificado, ajuizou a presente ação indenizatória contra COMPANHIA ESTADUAL DE DISTRIBUIÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA – CEEE-D, igualmente qualificada, objetivando o ressarcimento dos prejuízos que alegam ter sofrido em razão da falta de energia elétrica ocorrida na localidade em que reside, situação que teria provocado danos ao fumo que estava em processo de secagem na ocasião, acarretando a desclassificação do produto para classes inferiores e perda de parte da produção. Aduziu que o prejuízo teria atingido o montante de R$12.846,66. Disseram que a interrupção ocorreu no dia 11/03/2017 a partir das 21h50min até as 22h15m do dia 12/03/2017. Discorreu sobre a culpa da concessionária e previsão do CDC. Colacionou jurisprudência. Postulou a procedência do pedido para fins de condenar a requerida ao pagamento de indenização por danos materiais. Pleiteou a gratuidade judiciária. Com a inicial, juntou documentos.

Indeferido o pedido de gratuidade judiciária (f. 76), o autor interpôs agravo de instrumento, que foi provido (f. 93-94), sendo assim recebida a petição inicial (f. 98).

Citada, a parte requerida contestou (f. 100-130). Referiu a ausência de eventos na rede, sustentando a inaplicabilidade do CDC. Defendeu a ausência de culpa da concessionária, tendo em vista que os fatos decorreram de força maior, em razão da queda de uma árvore. Sustentou a inexistência de serviço de distribuição de energia elétrica sem interrupção. Teceu comentários sobre a responsabilidade do produtor de fumo, alegando culpa exclusiva da vítima e/ou, subsidiariamente, culpa concorrente. Asseverou a inexistência de prova do efetivo dano, não se desincumbindo o autor de seu ônus. Impugnou as declarações de perdas apresentadas na inicial. Sustentou estar ausente o dever de indenizar, tecendo comentários acerca de sua responsabilidade. Pugnou pela improcedência. Juntou procuração e documentos (f. 131-149).

Houve réplica (f. 151-155).

Instadas as partes acerca do interesse na dilação probatória (f. 156), a parte autora requereu a produção de prova testemunhal (f. 159).

A requerida, por sua vez, postulou a exibição das notas fiscais para demonstração da venda do fumo na classificação apontada no laudo acostado pelo autor; a oitiva do técnico agrícola que elaborou a declaração de perdas; a juntada de documentos que comprovem a recusa da empresa fumageira em receber o produto e/ou recebendo-o com classificação inferior à esperada; bem como a realização de prova pericial para demonstração efetivo prejuízo (f. 160-161).

Indeferido o pedido de produção de prova testemunhal dos autores e acolhidos os pedidos da ré (f. 164).

A requerida indicou assistente técnico e apresentou quesitos à perícia (f. 167-168)

Os autores juntaram os documentos solicitados pela ré (f. 174-187).

Aportou o laudo pericial (f. 208-210).

A parte ré impugnou o laudo pericial (f. 216). Aportou manifestação complementar do perito (f. 222).

O laudo pericial restou homologado (f. 226).

Sobreveio sentença de procedência:

Pelo exposto, com fulcro no art. 487, inciso I, do CPC, JULGO PROCEDENTE o pedido formulado por ARLEI EHLERT contra COMPANHIA ESTADUAL DE DISTRIBUIÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA – CEEE-D, para o fim de CONDENAR a requerida ao pagamento de R$ 12.846,66, a título de danos materiais, cujo valor deverá ser corrigido monetariamente pelo IGP-M a contar da data da vistoria do laudo técnico que aferiu o dano (27.03.2017), e acrescido de juros legais de 1% ao mês, a partir da citação. Em razão da sucumbência, condeno a demandada ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios ao procurador da parte adversa, os quais fixo em 10% sobre o valor da condenação, nos termos do art. 85, § 2º, do CPC.

Apelou a requerida. Em suas razões alegou que a interrupção no fornecimento de energia elétrica deu-se por motivo de força maior. Disse que em 11/03/2017 houve uma ocorrência programada para implantar poste de concreto na rede e o usuário do serviço foi avisado com antecedência. Referiu que em 12/03/2017 árvores caíram sobre fios de energia, causando interrupção no serviço de abastecimento. Sustentou que é público e notório que nesta data fortes temporais atingiram o Estado, inclusive São Lorenço do Sul. Defendeu a inexistência de danos materiais, porque não comprovados. Destacou que não há demonstração de que a empresa fumageira tenha rejeitado as folhas do tabaco, sendo que sequer foram juntadas notas fiscais de venda do produto. Impugnou o laudo que acompanha a inicial por se tratar de prova unilateral. Disse que o autor não permitiu a vistoria do fumo pela CEEE-D. Ressaltou que com o passar do tempo as folhas perdem sua característica ficando prejudicada a perícia. Discorreu sobre a obrigação do autor em adotar medidas para minimizar seus prejuízos, porquanto a falta de luz é fato previsível que impacta na produção, o que pode fazer por meio da aquisição de um gerador. Afirmou ser inaplicável ao caso o CDC por não se tratar de consumidor final. Insurgiu-se contra o índice de correção monetária e alíquota de juros aplicados, bem como os respectivos termos iniciais. Pediu provimento.

Foram apresentadas contrarrazões.

Foi o relatório.

VOTO

O autor alegou que houve perda da qualidade do fumo produzido, pois em razão de interrupção no fornecimento de energia elétrica as estufas elétricas utilizadas para secagem das folhas pararam de funcionar no dia 11/03/207, às 21h50, até às 22h15 do dia 12/03/2017, em São Lourenço do Sul.

A ré é uma concessionária de serviço público de caráter essencial e, nesta condição, fica obrigada a prestá-lo de modo contínuo, sob pena de ter de reparar os danos causados pelo descumprimento desta obrigação, conforme art. 22 do Código de Defesa do Consumidor:

Art. 22. Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos.

Parágrafo único. Nos casos de descumprimento, total ou parcial, das obrigações referidas neste artigo, serão as pessoas jurídicas compelidas a cumpri-las e a reparar os danos causados, na forma prevista neste código.

As normas do Código de Defesa do Consumidor aplicam-se à causa porque o autor, embora seja consumidor intermediário - eis que utiliza a energia elétrica numa atividade profissional sem lhe dar destinação privada -, é vulnerável frente à requerida.

E, de acordo com a teoria finalista mitigada, é possível a proteção especial da pessoa que não é destinatária final de um produto ou serviço, desde que ela apresente algum traço de vulnerabilidade, seja esta de ordem técnica, econômica ou jurídica.

Neste sentido, é a preleção de Cristiano Chaves de Farias, conforme doutrina que segue:

Excepcionalmente haverá uma mitigação da teoria finalista e elações extraconsumo serão objeto de tutela pela Lei nº 8.078/90 quando a concretude do caso denote claramente o traço da vulnerabilidade do consumidor intermediário - normalmente pequenas empresas e profissionais liberais - que adquire bens e serviços, mesmo com o intuito profissional. Fundamental é que na hipótese seja constatada a vulnerabilidade técnica, jurídica ou econômica desse consumidor profissional.

(FARIAS. Cristiano Chaves de. Curso de direito civil: obrigações. 10 ed. rev., ampl. e atual. Salvador: Ed. JuPodivm, 2016. p. 71.)

No caso, o demandante é pequeno agricultor rural que exerce sua atividade em regime de economia familiar, sendo evidente, portanto, sua vulnerabilidade econômica e técnica pelo desconhecimento sobre os serviços prestados pela ré.

Por outro lado, não pode ser tratado exatamente como o são os consumidores que utilizam a energia elétrica em suas residências, porque não deixa de ser empresário, e como tal, deve também assumir os riscos da sua atividade.

Atento a isto e após aprofundado estudo de causa, é que integrantes do 5º Grupo Cível do qual esta Câmara faz parte, decidiram que, a depender do tempo da interrupção, a indenização pela perda do fumo poderá não ser integral. Explico.

Considerando a frequência com que ocorrem chuvas e fortes ventos, bem como a inevitabilidade de que tais condições climáticas atinjam a rede de energia, resta impraticável a continuidade ininterrupta da prestação do serviço, o que significa que, vez ou outra, haverá queda de luz nas unidades consumidoras.

Embora não deixe de ser uma falha da ré, trata-se de uma falha previsível da qual é possível precaver-se através da aquisição de um gerador com chave automática. E, apesar de não se poder exigir do consumidor comum que adquira um aparelho deste tipo, há uma série de fatores que permitem exigi-lo do fumicultor.

Primeiro, inobstante sua vulnerabilidade técnica em relação ao serviço da ré, o produtor de fumo conhece o seu trabalho e sabe que as folhas de fumo são sensíveis, e que apenas duas horas de interrupção da energia elétrica são suficientes para acarretar perda total do produto que estava...

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