Acórdão nº 50002762120178210088 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Oitava Câmara Cível, 30-06-2022

Data de Julgamento30 Junho 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50002762120178210088
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoOitava Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002174283
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

8ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5000276-21.2017.8.21.0088/RS

TIPO DE AÇÃO: Petição de Herança

RELATOR: Juiz de Direito MAURO CAUM GONCALVES

APELANTE: ANDREIA FATIMA STEFFENS (RÉU)

APELANTE: SANDRA SCHERER LUFT (RÉU)

APELADO: IRENE DA SILVA CORREA (AUTOR)

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação interposto por A. F. S. e S. S. F. em face da sentença que, nos autos da ação de petição de herança cumulada com pedido de anulação de inventário/partilha extrajudicial e indenização por danos morais e materiais, ajuizada em seus desfavores por I. da S. C., julgou procedente, nos seguintes termos do dispositivo:

Isso posto, nos termos do artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil, JULGO PROCEDENTE o pedido formulado por IRENE DA S. C. contra ANDREIA F. S. e SANDRA S. L., para DECLARAR a nulidade da escritura pública de inventário e partilha extrajudicial nº 701/2015 (fls. 16/18) e dos registros públicos a ela correlatos.

Arcará a sucessão requerida com o pagamento das custas e honorários em favor do procurador do autor, que fixo em 10% sobre o valor atualizado da causa, atendido o disposto no art. 85, § 2º, do CPC.

Em suas razões (evento 3, PROCJUDIC8 - fls. 44/50 e evento 3, PROCJUDIC9 - fls. 01/16), suscitaram, preliminarmente, a nulidade da sentença, por negativa de prestação jurisdicional, fundamentando que o Juízo a quo relegou a análise da gratuidade de justiça pleiteada e o pedido de adequação do valor da causa. No mérito, advogaram não restar caracterizada a união estável entre a apelada e o de cujus, na medida em que a relação de ambos se resumia a um namoro e o contrato firmado, que reconhece união estável, possuía objetivos patrimoniais, visando a concessão de pensão por morte no INSS. Afirmaram que, caso seja reconhecida a união, a apelada não faz jus ao imóvel, que foi adquirido com recurso exclusivo do falecido, frisando, outrossim, que o regime de bens adotado no contrato é o da separação total. Ressaltaram que a inconstitucionalidade do artigo 1.790 do CC só foi declarada em 2017, portanto após a lavratura da escritura pública de partilha. Colacionou jurisprudência em sufrágio de seus argumentos e pleiteou o provimento do apelo, reformando-se a sentença, julgando-se improcedente o pedido. Subsidiariamente, caso não seja esse o entendimento desta Corte, requereu a limitação da partilha ao único bem adquirido na constância da união.

Foram apresentadas contrarrazões.

Ascenderam os autos a esta Corte, sendo a mim distribuídos.

O Ministério Público junto a esta Câmara ofertou parecer, manifestando-se pela não intervenção.

É o relatório.

VOTO

Presentes os pressupostos de admissibilidade (art. 1.009 do Código de Processo Civil), conheço do apelo.

Da negativa de prestação jurisdicional. Nulidade do decisum.

Consoante a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, só há falar em negativa de prestação jurisdicional quando o órgão julgador insiste em omitir pronunciamento sobre questão que deveria ser decidida, e não foi (AgInt no REsp 1679832/RS, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 07/12/2017, DJe 14/12/2017).

De fato, relegou o Juízo singular a análise do pedido de gratuidade de justiça e de readequação do valor da causa. No entanto, tal não torna nulo o provimento, na medida em que a extensão dos vícios não alcançam a análise de mérito, tornando viável o ajuste neste grau recursal, sem necessidade de desconstituição.

A decisão reputada citra petita é passível de adequação pelo Tribunal, sem desconsideração da parte apreciada pelo Juízo a quo, em homenagem à celeridade e à instrumentalidade. Vale dizer, ainda, que há de ser privilegiada, sempre, a deliberação sobre o mérito, a fim de evitar prolongamento na discussão e eternização do litígio.

Portanto, rejeito a prefacial que pleiteava a desconstituição da sentença.

Apesar disso, considerando possível readequar-se o decisum quanto às partes carentes, analisando a documentação acostada ao feito, constato demonstrada a escassez econômica das apelantes a permitir a concessão da gratuidade de justiça.

De igual sorte, faz-se impositiva a adequação do valor da causa, pois a escritura pública, objeto do litígio, traz montante específico em seu bojo, que deve balizar a petição inicial, posto que ela o objetivo da demanda. Assim, é possível o ajuste em qualquer fase do processo, cabendo à parte autora a quitação de eventual diferença nas custas, sem prejuízo à tramitação.

Desta forma, concedo a gratuidade de justiça às apelantes e determino a readequação do valor da causa, de molde a espelhar o valor contido na Escritura Pública de Partilha.

Superadas tais questões, adentro o mérito.

O de cujus e a apelada formalizaram, em 16/01/2014, contrato particular de união estável, com início estabelecido dessa em 11/05/2012. Assim, não há fundamento que desconstitua o pacto firmado, pois inexiste, nos autos, qualquer evidência de que as partes estivessem incapazes ao tempo da assinatura do documento, tratando-se a relação, então, de união estável, para todos os efeitos jurídicos e legais.

Indo além, o artigo 1.725 do CC dispõe que, Na união estável, salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-se às relações patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens.

E tal restou estabelecido pelos ex-companheiros.

É o que se extrai da cópia acostada na inicial, DO REGIME DE BENS, Cláusula quarta: (Processo Judicial 1, Doc. 2, Origem):

Portanto, não faria jus a autora-apelada a divisão de bens, porquanto adotado o regime de bens, pelos ex-companheiros, da separação total. Note-se que, a despeito do que diz a sentença, não há exigência de que a separação total de bens seja formalizada por escritura pública, bastando, nos termos legais, o contrato escrito, caso dos autos.

A propósito:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE SEPARAÇÃO JUDICIAL. RECONVENÇÃO. PARTILHA DE BENS ADQUIRIDOS NA CONSTÂNCIA DA UNIÃO. CONTRATO PARTICULAR DE CONVIVÊNCIA ESTABELECENDO SEPARAÇÃO TOTAL DE BENS. VALIDADE. O art. 1725, do CCB, exige apenas que o contrato seja escrito, nenhuma outra formalidade é exigida para sua validade. Sendo o Instrumento Particular manifestação de vontade das partes válido e eficaz e, não tendo havido comprovação de que o casal adquiriu bens outros na constância da união, é de ser confirmada a sentença que declarou não haver bens a partilhar. RECURSO DESPROVIDO. (SEGREDO DE JUSTIÇA)(Apelação Cível, Nº 70017144338, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ricardo Raupp Ruschel, Julgado em: 25-04-2007)

De qualquer sorte, a questão trazida à discussão está relacionada ao campo sucessório, pois a autora-apelada sustenta ser herdeira necessária, nos termos da legislação civil (art. 1.829 do CC), tendo sido preterida na escritura de partilha extrajudicial formalizada entre as filhas do falecido.

O Supremo Tribunal Federal, ao apreciar os RE 878.694/MG e RE 646.721/RS, sob o rito da repercussão geral (Tema 498/STF), reconheceu a inconstitucionalidade do art. 1.790 do Código Civil, tornando inviável a distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros, devendo ser aplicado, em ambos os casos, a determinação trazida no art. 1.829 do Código Civil.

No entanto, no julgamento dos segundos embargos de declaração opostos em face do acórdão, o Relator, Min. Luis Roberto Barroso, assentou que A decisão recorrida é clara em estabelecer que o entendimento ora firmado é aplicável apenas aos inventários judiciais em que não tenha havido trânsito em julgado da sentença de partilha e às partilhas extrajudiciais em que ainda não haja escritura pública, em acórdão de seguinte ementa:

Ementa: DIREITO CONSTITUCIONAL E CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL . APLICABILIDADE DO ART. 1.845 DO CÓDIGO CIVIL ÀS UNIÕES ESTÁVEIS HOMOAFETIVAS. AUSÊNCIA DE OMISSÃO OU CONTRADIÇÃO . 1. Embargos de declaração em que se questiona (i) a aplicabilidade do art. 1.845 do Código Civil às uniões estáveis homoafetivas e (ii) o marco temporal de aplicabilidade do art. 1.829 do Código Civil às uniões estáveis homoafetivas. 2. A repercussão geral que foi reconhecida pelo Plenário do STF diz respeito apenas à aplicabilidade do art. 1.829 do Código Civil às uniões estáveis homoafetivas. Não há omissão a respeito da aplicabilidade do art. 1.845 do Código Civil a tais casos. 3. A decisão recorrida é clara em estabelecer que “o entendimento ora firmado é aplicável apenas aos inventários judiciais em que não tenha havido trânsito em julgado da sentença de partilha e às partilhas extrajudiciais em que ainda não haja escritura pública”. Ausência de contradição. 4. Embargos de declaração rejeitados.

Dito isso, considerando que o de cujus faleceu em 12.06.2014, a Escritura Pública de Partilha Amigável restou lavrada em 24.03.2015, e a tese firmada no Tema 498/STF restou publicada em 11.09.2017, portanto, em momento posterior à lavratura da Escritura, a ela seus efeitos não se alastram.

Assim, não há falar em condição de herdeira necessária à autora, na medida em que sua eventual meação decorreria da união estável havida com o falecido, devendo, entretanto, no ponto, ser observado o regime de bens escolhido. Como referido, o regime de bens pactuado, da separação total de bens, não confere a autora direito à partilha, nem como meeira, nem como sucessora, tornando-se equivocada a conclusão alcançada no decisum.

Portanto, sendo inaplicável a tese firmada pelo STF no Tema 498, merece acolhida a insurgência recursal, para reformar o decreto sentencial, julgando-se improcedente o pedido.

Considerando o deslinde dado ao feito, neste grau recursal, inverto os ônus sucumbenciais, majorando a verba honorária...

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