Acórdão nº 50002766920128210064 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Vigésima Câmara Cível, 29-06-2022

Data de Julgamento29 Junho 2022
ÓrgãoVigésima Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50002766920128210064
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002275998
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

20ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5000276-69.2012.8.21.0064/RS

TIPO DE AÇÃO: Usucapião Extraordinária

RELATOR: Desembargador DILSO DOMINGOS PEREIRA

APELANTE: KELI MAYER (AUTOR)

APELANTE: MARCOS RODRIGO SOARES MAYER (AUTOR)

APELADO: ANGELINA CORREA (RÉU)

RELATÓRIO

Trata-se de apelação cível interposta por MARCOS RODRIGO SOARES MAYER E OUTRA contra sentença que julgou improcedente a ação de usucapião extraordinária n. 064/1.12.0001075-5 (eproc n. 5000276-69.2012.8.21.0064), constando no dispositivo (Evento 3, Doc. 4, p. 39):

(...) DIANTE DO EXPOSTO, JULGO IMPROCEDENTE o pedido ajuizado por MARCOS RODRIGO SOARES MAYER e KELI MAYER em face de ANGELINA CORREA, nos termos do artigo 487, inciso I, do NCPC.

Condeno os autores ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, os quais fixo no valor de 10% sobre o valor atualizado da causa, o que faço atento à exegese do artigo art. 85, § 2º, incs. I, II, III e IV do CPC. Entretanto, suspendo a exigibilidade da cobrança dos ônus sucumbências, pois a parte autora litiga sob o pálio da AJG.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se. (...)

Em suas razões (Evento 3, Doc. 5, p. 7/21), discorrem sobre a situação fática envolvendo os litigantes. Afirmam que a genitora dos autores, ora recorrentes, durante muitos anos exerceu a posse mansa, pacífica, contínua e ininterrupta com relação ao imovel objeto do litígio, com área total de 560,16m², situado em Santiago/RS. Destacam que após o falecimento da genitora a posse se transferiu aos dois filhos, ora recorrentes, que passaram a alugar o bem a terceiros. Acrescentam que residiam no imóvel em questão, preenchendo o requisito temporal. Frisam que ocuparam o bem com ânimo de dono, quitando os tributos pertinentes ao imóvel. Apontam que a sentença merece reforma. Frisa que apenas ANGELINA, proprietária registral de 25% do imóvel usucapiendo, contestou o feito, sendo que ELOI (proprietária dos 75% restantes) deixou transcorrer in albis o prazo contestacional. Aduzem que, sendo ELOI revel, não pode ser beneficiada pela prova testemunhal produzida exclusivamente pela corré ANGELINA. Observam que o fato de o apelante MARCOS receber locativos atinentes ao bem evidencia o respectivo ânimo de dono. Entendem que a sentença deve ser reformada. Citam a transmutação da posse, eis que o falecido proprietário registral havia concedido permissão para que o imóvel fosse ocupado; contudo, o passamento do de cujus ocorreu ainda no ano de 1992, interrompendo a permissão. Colacionam precedentes.

Ao final, pugnam pelo provimento do recurso, para que seja reformada a sentença apelada, julgando-se procedente a ação. Alternativamente, pedem que seja reconhecida a prescrição aquisitiva quanto a 75% do imóvel usucapiendo.

Intimada, a parte ora recorrida apresentou contrarrazões (Evento 3, Doc. 5, p. 23/24).

A seguir, subiram os autos a esta Corte, ocasião em que o Ministério Público opinou pelo desprovimento do recurso (Evento 19).

A seguir, vieram-me conclusos para julgamento.

É o relatório.

VOTO

Eminentes Colegas.

Preenchidos os requisitos de admissibilidade, conheço do recurso.

De plano, antecipo o voto no sentido de que não merece guarida a irresignação.

Trata-se de ação em que os autores postulam seja declarado, por meio da usucapião extraordinária, seu domínio sobre o imóvel assim descrito (Evento 2, Doc. 1, p. 4):

(...) Um terreno, situado nesta cidade de Santiago, RS, na rua Ciro Melo, distando 51,88m da esquina com a rua Batista Colpo, de forma irregular, no quarteirão formado pelas ruas Ciro Melo, Batista Colpo, Coronél Tuca, General Neto e com trilhos da RFSSA, com as seguintes medidas e confrontações: pela frente, limitando-se com a rua Ciro Melo, onde mede 10,00m; pelo lado direito, olhando o terreno da rua, limitando-se com o terreno pertencente a Sonia Odete Leitemperger, onde mede 54,65m; pelo lado esquerdo, limitando-se com o terreno pertencente a Claudemir Santos de Souza, onde mede 54,65m; pelos fundos, limitando-se com terreno pertencente a Edi T erezinha Vargas Diniz, onde mede 10,50m. Com área total de 560m2. Contendo uma casa mista com área de 31,58m2. (...)

Nas circunstâncias, a genitora dos requerentes teria passado a ocupar o imóvel há vinte anos, quando o bem fora cedido pelo falecido proprietário registral, HERMENEGILDO SOARES GOMES. Revela-se incontroverso, nesse contexto, que houve permissão do então proprietário para que no imóvel residissem as respectivas sobrinha e irmã, mãe e avó dos usucapientes, situação que veio a se manter até o ano de 1992, quando do falecimento do proprietário (Evento 3, Doc. 2, p. 29).

Posteriormente ao aludido falecimento do proprietário, o imóvel usucapiendo foi objeto de acordo, no ano de 1996, tocando a ELOI SOARES (ex-esposa do titular) 50%; 25% ao filho JOCEMAR SOARES; 25% a ANGELINA CORREA, ora apelada (Evento 3, Doc. 3, p. 14 na origem).

Assim, o conjunto probatório dos autos indica que os sucessores dos titulares mantiveram a permissão para que IVA e JUSSARA, juntamente com os ora apelantes, permanecessem residindo no imóvel, de modo que não se observa o exercício de posse com animus domini até o falecimento de JUSSARA, genitora dos demandantes e sobrinha do falecido proprietário registral, ou seja, até o mês de maio do ano de 2011.

Como bem apontado pelo Ministério Público, somente a partir de então poderia ser cogitada a hipótese de interversão, qualificada para fins de reconhecimento da prescrição aquisitiva.

Logo, não se constata o preenchimento do requisito temporal, eis que a presente demanda veio a ser ajuizada no mês de abril do ano de 2012, conforme indicado pelo parquet (Evento 19, Doc. 1, p. 5/6):

(...) Quanto a esta época, deve ser considerada a prova testemunhal, obtida em audiência realizada ema 22/02/2017 (evento 3, proc3, p. 46, origem – mídia no sistema Eproc), no sentido de que os sucessores do titular mantiveram a permissão para IVA e JUSSARA – juntamente com os apelantes, filhos desta, familiares sem ter para onde ir – permanecerem residindo no imóvel. Com efeito, foram nesse sentido os testemunhos das vizinhas Carmen Luci Maciel Floriano, Rosangela Aparecida Cavalli e Josefina de Deus Brites. Assim, entende que não houve posse com ânimo de dono até o falecimento de JUSSARA, mãe dos autores, em 23/05/2011.
Vale lembrar que a tolerância entre os familiares pode decorrer inclusive de presunção relativa, pela solidariedade inerente ao vínculo de parentesco (CCB, art. 1.2082 ).

Somente a partir de então é que se poderia cogitar de interversão, modificação da natureza da posse, para se tornar qualificada para fins de usucapião.

Sobre isso, deve ser considerado, primeiro, que não há prova da afirmação de que os usucapientes residiam no local ao tempo do falecimento da mãe, constante na inicial, o que contrasta com o alegado pelas mesmas testemunhas suprarreferidas, que afirmam que os filhos já residiam fora da cidade de Santiago.

A contar de 13/06/2011, os apelantes passaram a explorar economicamente o imóvel, mediante locação para terceiros.
Foram trazidos contratos de aluguel em que eles figuram como locadores. O primeiro, único com firma reconhecida, é referente ao lapso de 13/06/2011 a 12/06/2012 (evento 3, proc1, p. 17/19, origem). Após, foram juntados mais dois contratos, ambos sem firma reconhecida, sendo um relativo ao interregno de 13/06/2013 a 12/06/2014 (evento 3, proc3, p. 25/27, origem) e, outro, com início apenas em 01/04/2017, até 31/03/2018 (evento 3, proc4, p. 4/6, origem). Em 2012, ingressaram com a pressente.
Assim, ainda que, neste período final, considere-se tenha se configurado posse ad usucapionem, não foi completado o lapso temporal necessário para a aquisição da propriedade pela usucapião, na modalidade extraordinária (CCB, art. 1.238).

A parte autora, ora apelante, não conseguiu se desincumbir do ônus de provar os fatos constitutivos do direito que alega, conforme exige a lei (NCPC, art. 373, II).

Tratando-se de ação de usucapião, que tem efeito erga omnes, é imprescindível a existência de prova robusta a propósito da posse pelo prazo exigido em lei e dos demais requisitos legais, o que não se verifica no caso.
(...)

No mesmo sentido, apontou a sentença ora apelada que a liberalidade dos proprietários afasta o ânimo de dono (Evento 3, Doc. 4, p. 31/36):

(...) No caso em tela, não restam preenchidos os requisitos legais necessários ao deferimento do pedido formulado na inicial, conforme previsão do artigo 1238, do Código Civil, pois muito embora comprovado o tempo de posse, resta ausente o ânimo de donos.
Restou evidenciado através da prova testemunhal carreada aos autos que a avó e a mãe dos autores residiram no imóvel por muitos anos, todavia, por liberalidade dos proprietários, o que afasta o ânimo de dono.

A testemunha CARMEM LUCI FLORIANO -(depoimento gravado no CD de fl. 124)- afirmou que com o falecimento do Sr. Hermenegildo o imóvel...

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