Acórdão nº 50002829520178210001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Oitava Câmara Cível, 29-06-2022

Data de Julgamento29 Junho 2022
ÓrgãoDécima Oitava Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50002829520178210001
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002282578
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

18ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5000282-95.2017.8.21.0001/RS

TIPO DE AÇÃO: Direito de Vizinhança

RELATOR: Desembargador JOAO MORENO POMAR

APELANTE: VERA REGINA MONJELO MEDEIROS (RÉU)

APELADO: LETICIA CUNHA DA ROSA (AUTOR)

APELADO: MARCELO QUINTANILHA AZEVEDO (AUTOR)

APELADO: ANA MARIA MONJELO MEDEIROS (RÉU)

APELADO: CLARISSA MONJELO MEDEIROS (RÉU)

RELATÓRIO

VERA REGINA MONJELO MEDEIROS apela da sentença que julgou a ação de dano infecto c/c reparação de danos que lhe movem LETÍCIA CUNHA DA ROSA E MARCELO QUINTANILHA AZEVEDO, assim lavrada:

Marcelo Quintanilha Azevedo e Letícia Cunha da Rosa ajuizaram ação ordinária contra Vera Regina Monjelo Medeiros, Ana Maria Monjelo Medeiros e Clarissa Monjelo Medeiros.

Alegaram que são proprietários do apartamento nº 603 do prédio situado na Avenida Independência, nº 98, nesta cidade, onde também reside a ré Vara, apartamento nº 503, da propriedade das corrés. Disseram que desde abril de 2015 enfrentam com a ré problemas de vizinhança, já que é por ela praticada poluição sonora no ambiente ao deixar o aparelho de TV ligado durante toda a noite, com volume alto, bem como escuta música em alto volume antes das 7 horas e depois da 22 horas. Indicaram as tentativas de solução da questão a partir de reclamações realizadas no âmbito do condomínio e por meio de boletins de ocorrência registrados na polícia. Indicaram que a situação só se agravou até 2017, o que culminou com notificação extrajudicial remetida por vários condôminos para que a síndica do prédio tomasse providências em relação a conduta da ré. Defenderam o direito ao ambiente não prejudicial ao sossego e indicaram fundamentos legais encontrados inclusive na legislação municipal. Alegaram danos morais e o direito a indenização. Pediram, inclusive em medida liminar, que a ré se abstenha de realizar barulhos excessivos, sob pena de multa, bem como que seja condenada ao pagamento de indenização por danos morias. Juntaram documentos.

Foi concedida tutela de urgência.

Citada, a ré Vera contestou argumentando que o pedido de indenização por dano moral é inepto, já que não quantificado o valor pretendido. Indicou ainda que o pedido de exclusão do condomínio deve ser rejeitado de plano por ilegitimidade passiva. Defendeu depois que as demais corrés não ilegítimas para a causa, uma vez que não descritas condutas por elas praticadas contra os autores. Alegou ainda que a transação penal não configura assunção de culpa, garantia contida em lei. No mérito, argumentou que não há prova no sentido de que a conduta indicada extrapolou da normalidade, sem comprovação do volume indicativamente praticado além do que seria tolerado. Argumentou que a notificação remetida por alguns condôminos não inclui aqueles que em tese seriam os mais prejudicados se os fatos descritos fossem verdadeiros. Alegou ainda a inexistência de outras medidas por parte da administração do condomínio e disse que há a possibilidade de interferência de terceiro em relação aos seus aparelhos. Concluiu com o pedido de improcedência da demanda. Requereu o benefício da gratuidade e juntou documentos.

As corrés contestaram alegando ilegitimidade passiva e, no mérito, reiterando que se trata de demanda em que há pretensão fundada em conduta pessoal da corré Vera, o que não justifica a permanência no polo passivo e responsabilização. Pediram a improcedência.

Houve réplica.

Foram juntados documentos e laudo pericial acústico.

Realizada audiência de instrução, foram colhidos depoimentos pessoais e de testemunhas.

Novos documentos foram juntados.

As partes contaram com oportunidade final para a apresentação de razões finais por escrito.

É o relatório. Decido.

Trata-se de demanda decorrente da relação de vizinhança mantida entre as partes no prédio da Avenida Independência, nº 98, onde os autores ocupam o apartamento 603 e a ré Vera o apartamento situado imediatamente abaixo, 503.

A pretensão dos autores está amparada em conduta praticada pela corré Vera, pessoalmente, sem que se relacione ou conte com alguma vinculação com o imóvel propriamente dito.

Com isso, é certo entender que se trata de pretensão limitada a essa relação de caráter estritamente pessoal, decorrente do comportamento atribuído à corré Vera.

A condição das demais requeridas, filhas de Vera e proprietárias do imóvel, é de ilegitimidade para a demanda, já que não respondem pessoalmente pelos atos da mãe nas circunstâncias referidas.

Assim, deve ser acolhida a preliminar suscitada pelas corrés Ana Maria e Clarrisa com a extinção da pretensão contra elas também deduzida sem resolução do mérito.

No mais, o pedido relativo aos danos morais não contém defeito, uma vez que a pretensão desafia o arbitramento em relação ao valor, sendo caso de reconhecimento da responsabilidade de indenizar.

Não houve pedido de exclusão da ré Vera do condomínio, mesmo porque condômina não é dada a condição que guarda em relação ao imóvel onde reside, de propriedade das filhas.

Portanto, possível o exame do mérito da pretensão.

É certo compreender que a pretensão dos autores desafia prova clara acerca da prática de conduta ilícita ou abusiva por parte da ré, em especial se atribuída a ela conduta indevida praticada no interior de sua casa e em horário noturno.

O ônus da prova, já que fatos constitutivos do direito alegado, pertence aos autores na esteira do que previsto no artigo 373, inciso I, do Código de Processo Civil.

No mais, cumpre destacar ainda que as obrigações condominiais e legais impostas àqueles que residem em condomínios são conhecidas, não controvertidas nos autos, destacadamente aquelas envolvendo o dever de silêncio, o direito ao sossego e a convivência em comunidade.

A longa tramitação do processo permitiu a reunião de conjunto de elementos de convicção suficiente para amparar a pretensão dos autores.

No ponto, necessário sublinhar que não é uma a prova definitiva, assim compreendida como suficiente, por si só, para amparar o reconhecimento de que a ré agiu de forma indevida. Na verdade, o conjunto dos elementos reunidos é que amparam a conclusão agora antecipada, formado aquele pelos registros formalizados pelos autores no curso do tempo, por outros condôminos, individualmente ou em grupo, mensagens remetidas, manifestações e providências pela administração do condomínio, o laudo acústico produzido pelos autores e os depoimentos colhidos em audiência.

Os autores demonstram que no curso do tempo foram vários os registros indicado as perturbações com origem na conduta da ré. Vejam-se as mensagens remetidas para a síndica de então, os registros policiais que geraram depois termos circunstanciados, por exemplo.

Dentre os registros de ocorrência policial, porque ultrapassa o limite da sempre alegada unilateralidade do mesmo, deve ser destacado um dos primeiros, aquele que contém registro do relato de policial militar que esteve no imóvel a partir de solicitação do autor – Evento 3 – INIC E DOCS1.

As condutas capazes de perturbar o sossego da vizinhança foram demonstradas ainda por reclamações de outros vizinhos, destacando-se, além daquelas individuais reproduzidas nos autos, uma notificação assinada por dezenas de moradores do prédio com pedido de providências por parte da administração do prédio.

É relevante o fato de que os motivos da notificação incluem aqueles que amparam a pretensão dos autores e, ainda, que mesmo não sendo exatamente lindeiros do apartamento da ré, na disposição das unidades do prédio, há vários moradores próximos que firmaram o documento.

No mais, a própria iniciativa da administração condominial ao notificar a ré sobre a necessidade de alteração da sua conduta também corrobora o que alegado pelos autores e, no conjunto da prova, ampara a pretensão posta.

O laudo acústico produzido pelos autores materializa a perturbação, apontando decibéis acima do tolerado a partir dos ruídos produzidos no imóvel da ré. Ainda que seja elemento de convicção que possa ser compreendido unilateral, não pode ser simplesmente por isso desconsiderado.

A unilateralidade do laudo acústico deve ser considerada no contexto da controvérsia posta, uma vez que, sendo avaliação técnica realizada com o conhecimento da ré, teria o seu resultando evidentemente afetado. Por isso, não impressiona no caso concreto o fato de que tenha sido providenciado pelos autores sem o conhecimento da vizinha, sendo suficiente compreender que, nos limites de sua atuação e ética, o profissional contratado não produziria documento não correspondente com a realidade.

De qualquer modo, também no conjunto da prova, somadas as reclamações dos demais moradores do prédio, a constatação leiga feita pelo policial militar no local em dia diverso e tudo o que mais registrado pelos autores, é o laudo também um elemento de prova que deve ser considerado.

Por fim, em audiência, os relatos das testemunhas fecham esse conjunto de elementos que demonstram a conduta inadequada e perturbadora praticada pela ré no curso do tempo.

Os depoimentos prestados por Maria Isabel, Greice e Juliano, em especial aqueles das duas senhoras, são claros ao determinar que o agir da ré passou a contar, no curso do tempo, com a intenção de causar o incômodo e o desequilíbrio do bem-estar dos autores.

Para tanto, suficiente a referência aos relatos no sentido de que o barulho já não era gerado apenas pelos aparelhos eletrônicos, TV e som, mas também que havia um indicado uso de objeto, provavelmente cabo de vassoura, para gerar barulho com batidas no teto da unidade ocupada pela autora, além de batidas de postas e janelas, mais gritos.

Os depoimentos dos demais, Sônia e os porteiros que trabalharam no prédio, não retiram dos outros relatos o poder de convencimento que...

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