Acórdão nº 50002859320188210040 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Nona Câmara Cível, 30-03-2022

Data de Julgamento30 Março 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualRemessa Necessária
Número do processo50002859320188210040
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoNona Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001798165
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

9ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Remessa Necessária Cível Nº 5000285-93.2018.8.21.0040/RS

TIPO DE AÇÃO: Auxílio-Acidente (Art. 86)

RELATOR: Desembargador CARLOS EDUARDO RICHINITTI

PARTE AUTORA: ANTONIO ADEMAR DE MELO FREITAS (AUTOR)

PARTE RÉ: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)

RELATÓRIO

Trata-se de reexame necessário da sentença (evento 5, SENT4, dos autos de primeira instância) que, no bojo da ação que ANTÔNIO ADEMAR DE MELO FREITAS move em desfavor do INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL (INSS), julgou procedente o pedido formulado na inicial, nos termos do seguinte dispositivo:

“(...)

(...)

Nesta instância, o Ministério Público opinou pela confirmação da sentença em sede de remessa necessária.

Sem recurso voluntário de qualquer das partes, vieram os autos conclusos em virtude do duplo grau obrigatório de jurisdição.

É o sucinto relatório.

VOTO

Eminentes Colegas.

Antecipo, desde logo, a minha compreensão de que o novo regime processual do duplo grau obrigatório torna absolutamente descabida a reapreciação desta controvérsia em sede de remessa oficial.

Porém, devo consignar, de antemão, que a manutenção, na ordem processual nacional, de um instituto tão vetusto como o reexame necessário – sabidamente radicado em ultrapassado modelo inquisitorial de jurisdição – está em patente desarmonia com os anseios de um sistema processual civil que se pretende concreta e constantemente alinhado aos valores e garantias fundamentais estabelecidos na Constituição, entre os quais sobressaem a duração razoável dos processos, a isonomia entre os litigantes e a efetividade da prestação jurisdicional.

Ora, afora a duvidosa constitucionalidade de um instituto que implica trabalho adicional aos Tribunais, acarreta acúmulo de processos nas instâncias superiores e privilegia uma das partes com a atuação oficiosa da jurisdição em seu favor, é preciso reconhecer, por outro lado, que as razões de ser do reexame necessário – notoriamente concebido como mecanismo de tutela dos interesses fazendários – não mais se justificam no estágio atual do processo civil e da realidade institucional das pessoas de direito público.

Isso porque é cediço que as Fazendas Públicas da União, dos Estados, do Distrito Federal, de muitos Municípios e das respectivas autarquias e fundações de direito público contam, nos dias de hoje, com estruturas distintamente qualificadas de representação judicial e de consultoria e assessoramento jurídicos, as quais são exercidas por profissionais da Advocacia Pública previamente aprovados em concursos públicos de provas e títulos.

Nesse diapasão, não há dúvida de que a manutenção da remessa oficial importa – na atual quadra do processo civil brasileiro, do Poder Judiciário e das funções essenciais à Justiça – em um excesso injustificado, desproporcional e desarrazoado na tutela dos interesses patrimoniais dos entes públicos, tendo em conta que a defesa judicial dessas entidades já se encontra suficientemente assegurada por meio da atuação exclusiva de advogados públicos devidamente habilitados e tecnicamente capacitados para representá-las em juízo.

Não mais subsiste, assim, a deficiência da tutela judicial dos interesses das Fazendas Públicas (que outrora justificava a reapreciação obrigatória das causas que as envolviam), porquanto cediço e notório que as pessoas de direito público dispõem, atualmente, de aparato material e humano com nível de qualificação tal que lhes permite exercer regularmente o contraditório e a ampla defesa em pé de igualdade com os particulares contra os quais litigam.

É bem de ver, nesse diapasão, que o reexame necessário – na fase contemporânea do processo civil brasileiro e em vista dos princípios constitucionais e democráticos que o conformam – termina por assumir, em certa medida, a feição de “privilégio processual odioso”, já que o tratamento diferenciado que ele promove entre as partes não mais encontra uma base justa e razoável de legitimação.

Forçoso reconhecer, aliás, que as advocacias públicas de algumas pessoas estatais compõem-se de profissionais com elevado nível de especialização técnica em seus âmbitos de atuação funcional (como sabidamente ocorre com as carreiras da Advocacia-Geral da União).

Em razão disso, os entes públicos a que se vinculam tais procuradores não só são beneficiados com representações judiciais adequadas como também têm seus interesses protegidos, de raro em raro, por defesas tecnicamente superiores àquelas apresentadas por seus adversos.1 É o que sucede, por exemplo, em ações previdenciárias como esta, no bojo das quais a entidade autárquica federal é representada e defendida por profissionais integrantes de uma unidade especializada da Procuradoria Federal da Advocacia-Geral da União (Procuradoria Federal Especializada junto ao Instituto Nacional do Seguro Social – PFEINSS).

E foi sob tal perspectiva, por sinal, que a Comissão de Juristas responsável pela elaboração do anteprojeto do novo Código de Processo Civil quase decidiu pela abolição do reexame necessário do processo civil pátrio.

Com efeito, a extinção do instituto constituía-se em uma das proposições da referida Comissão, notadamente quando a demanda envolvesse interesses da União ou dos Estados, tendo em vista a existência de advocacias públicas bem estruturadas no âmbito dessas pessoas federativas. Porém, após ponderar as realidades de muitos municípios brasileiros que nem sequer contam com órgãos próprios de representação judicial, optou-se pela manutenção do reexame necessário como condição legal de eficácia das sentenças proferidas contra pessoas de direito público.2

É interessante notar, nesse ensejo, que a supressão do reexame necessário também já havia sido proposta por Buzaid no anteprojeto do Código de Processo Civil de 1973, sob o justo fundamento de que a missão do Judiciário é declarar relações jurídicas e não suprir as deficiências dos representantes da Fazenda ou do Ministério Público.3

De qualquer forma, é importante sinalar que a remessa necessária – como hoje é legalmente denominada – foi objeto de algumas alterações normativas que influem diretamente em sua incidência na rotina dos Tribunais.

Considerando a especificidade da presente abordagem, ganha relevo a mudança instituída pelo novo CPC quanto ao montante mínimo que deve ser atingido por uma sentença condenatória proferida contra a Fazenda Pública para fins de remessa oficial dos autos à superior instância.

Segundo a redação do artigo 496, § 3º, I, do novo CPC, não haverá remessa obrigatória do processo ao Tribunal quando a condenação ou o proveito econômico obtido em demandas movidas contra a União, suas autarquias e fundações de direito público for de valor certo e líquido inferior a 1.000 (mil) salários mínimos. No CPC de 1973, dispensava-se o duplo grau obrigatório de jurisdição apenas quando a condenação ou o proveito econômico superasse 60 (sessenta) salários mínimos (artigo 475, § 2º, do velho Código), independentemente da espécie de pessoa de direito público atingida pelo pronunciamento condenatório.

A mudança é relevante e traduz o evidente propósito legislativo de restringir o campo de incidência do instituto em comento.

Afinal, se o legislador comum – embora tivesse o intuito inicial de fazê-lo – deixou, ao fim e ao cabo, de extinguir o reexame necessário por conta da ausência de advocacias públicas bem aparelhadas em diversos municípios brasileiros, certo é, por outro lado, que ele buscou compensar a relativa inutilidade do instituto com a elevação das importâncias condenatórias que condicionam sua incidência, sobretudo nas causas em que a defesa do ente estatal é pública e notoriamente promovida por órgãos de representação judicial adequadamente estruturados e integrados por advogados públicos de carreira.

Na hipótese de condenações proferidas contra autarquias federais, como é o caso em apreço, o aumento do teto da remessa oficial foi, como visto, o de expressão mais elevada, passando de sessenta para mil salários mínimos.

E, diante da vultosa expressão econômica que a condenação deve assumir – atualmente – para fins de remessa dos autos ao Tribunal, não vejo mais como justificar, efetivamente, a apreciação oficiosa de controvérsias como esta por força do duplo grau obrigatório de jurisdição.

Com efeito, é consabido que ações acidentárias como a presente são constantemente reexaminadas em sede de remessa oficial devido à aparente iliquidez da condenação imposta à autarquia previdenciária, em atenção ao teor do enunciado nº 490 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça (STJ).4

Não se pode olvidar, porém, que o precitado verbete sumular foi editado à luz das disposições do CPC de 1973 e de acordo com uma realidade que não se reproduz no novo Código.

Deveras, a possibilidade de condenações impostas ao INSS excederem sessenta salários mínimos (o que corresponde, atualmente, a R$ 72.720,00) é bastante aceitável dentro da realidade forense que cinge as demandas relacionadas a pedidos de concessão ou revisão de benefícios resultantes de acidente de trabalho. A experiência demonstra, de fato, que as parcelas vencidas de um benefício deferido em juízo, mormente quando acrescidas dos consectários legais que lhes são aplicáveis, podem superar a soma acima apontada após a conclusão da fase de liquidação.

Por essa razão, esta Câmara sempre apreciou – em sede de reexame necessário – as sentenças condenatórias prolatadas em desfavor do INSS, ante a possibilidade real de que o montante total da condenação viesse a extrapolar o limite de sessenta salários mínimos.

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