Acórdão nº 50002871920148210100 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Nona Câmara Cível, 04-02-2021

Data de Julgamento04 Fevereiro 2021
ÓrgãoDécima Nona Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50002871920148210100
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20000487550
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

19ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5000287-19.2014.8.21.0100/RS

TIPO DE AÇÃO: Usucapião Especial (Constitucional)

RELATOR: Desembargador EDUARDO JOAO LIMA COSTA

APELANTE: AURORA FERREIRA VENITE (AUTOR)

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação interposto por AURORA FERREIRA VENITE contra a sentença que julgou improcedente a ação de usucapião n. 50002871920148210100.

O dispositivo da sentença está assim redigido (ev. 2 - Sentença 11):

"Diante do exposto JULGO IMPROCEDENTE o pedido de usucapião formulado por AURORA FERREIRA VENITE.

Custas processuais pela autora. Ausente lide, descabida a condenação em honorários de advogado. Suspenda-se a exigibilidade de tais verbas em razão de ser beneficiária da AJG (artigo 98, § 1º do NCPC).

Ao fim, arquive-se os autos com baixa.

Publique-se.

Registre-se.

Intimem-se."

A parte apelante, AURORA FERREIRA VENITE, em suas razões, sustenta que nada impede que se faça usucapião de bem em condomínio, desde que a posse seja exercida com animus domini.

Diz que deve ser acolhido o parecer do Ministério Púiblico e julgada procedente a ação de usucapião.

Requer o provimento do apelo.

Recurso dispensado do preparo por litigar com amparo no benefício de assistência judiciária gratuita.

Sem contrarrazões.

Vieram os autos conclusos.

É o relatório.

VOTO

Conheço do recurso, pois presentes seus requisitos de admissibilidade.

FATO LITIGIOSO

A parte autora, AURORA FERREIRA VENITE, ajuizou a presente ação de usucapião a fim de ver declarado seu domínio sobre área de terras de 1,3350 hectares, recebida em razão do falecimento de sua mãe, com a concordancia dos demais herdeiros quando da tratativa da partilha extrajudicial.

A sentença julgou improcedente o pedido.

Apela a parte autora.

Enfrento a tese.

DA USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA

A posse contínua e incontestada é a que não sofreu discussão, contestação, impugnação ou dúvida alguma, pois qualquer ato contrário nesse sentido poderia interromper a continuidade da posse. A instrução probatória demonstra que a parte autora preencheu os requisitos legais, autorizadores da prescrição aquisitiva, à medida que exerceu a posse de forma mansa, pacífica, ininterrupta e sem oposição.

O artigo 1.238 do Código Civil define a usucapião extraordinária:

Art. 1.238. Aquele que, por quinze anos, sem interrupção, nem oposição, possuir como seu um imóvel, adquirir-lhe-á o domínio, independentemente de título e boa fé; podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual lhe servirá de título para o registro no Cartório de Registro de Imóveis.

Parágrafo único. O prazo estabelecido neste artigo reduzir-se-á a dez anos se o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual, ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo.

Nessa modalidade de usucapião não se exige do possuidor título algum e nem que esteja imbuído de boa-fé, pois esses são requisitos dispensados pela norma legal.

Assim, o possuidor, mesmo que de má-fé, se mantiver a coisa como sua por quinze anos, de maneira ininterrupta e sem oposição, poderá adquirir a propriedade.

No caso dos autos, a parte apelante recebeu a área em questão em razão do falecimento de sua mãe, que detinha posse ad usucapionem há aproximados quinze anos.

Ainda que se trata de bem em condomínio, porquanto há outros herdeiros, é possível o reconhecimento da usucapião em imóvel em condomínio, desde que haja animus domini.

Necessário destacar que todos os herdeiros foram citados, nada tendo oposto ao pedido formulado pela parte autora/apelante, do que se extrai a concordância em relação ao pedido de declaração de domínio.

Ademais, a prova testemunhal colhida nos autos evidencia o exercício da posse ad usucapionem da genitora da parte apelante, há mais de dez anos e que exerce atividade produtiva no local, por intermédio de seus filhos.

Do contexto dos autos, observo que o imóvel já estava na posse da falecida mãe da parte autora, modo pelo qual era impositivo ação de usucapião para regularização do domínio. E a parte daquele não altera a circunstância que a declaração de domínio requer ação especifica. Ademais, a circunstância que há outros herdeiros da falecida mão da autora, no caso seus irmãos, não desnatura a posse exclusiva que enseja a legitimidade da ação de usucapião, conforme entendimento deste colegiado.

De outro passo, o entendimento explanado na respeitável sentença da ilustre Juíza de Direito, no que consiste na impossibilidade de maneja de ação de usucapião para contornar regularização de modo derivado da propriedade, é correta e também é entendimento deste Colegiado. Todavia, s.m.j., é a necessária distinção que a mãe da autora já detinha a posse com animus domini e sem necessário reconheicmento judicial, o que evidencia que uma ação de usucapião deveria ser ajuizada; e, aqui, de forma exclusiva pela autora diante da posse que exercia em exclusão de seus irmão, não obstante tenham feito cessão de direitos à autora.

A fim de evitar tautologia, transcrevo e incorporo às razões de decidir a fundamentação do Parecer de lavra do Dr. André Cipele, que fez minuciosa análise dos fatos:

"Percebe-se que a parte autora da ação de usucapião pretende ver reconhecido o seu domínio exclusivo por força da usucapião em detrimento dos demais herdeiros.

Na lição de TUPINAMBÁ MIGUEL CASTRO DO NASCIMENTO, “diz a lei em que momento a transmissão causa mortis se dá: desde logo, com a morte do de cujus. Naquele preciso instante, a propriedade se constitui em favor dos herdeiros, legítimos e testamentários, e dos legatários. É o denominado direito de saisina, visto que, como ensina Carlos Maximiliano (p. 55, 1958), ‘todos os direitos que se incluem na sucessão causa mortis, ficam transferidos ao herdeiro no momento do transpasse do de cujus; imediatamente o domínio deste se torna domínio daquele...’” (NASCIMENTO, Tupinambá Miguel Castro, Posse e Propriedade, 3ª ed., Porto Alegre: Livraria do Advogado. 2003 p. 155).

Pelo princípio da saisine, aberta a sucessão, a posse se transmite, dede logo, aos sucessores. Nesse contexto, o sucessor recebe o direito de posse do seu antecessor com as mesmas características, nos termos dos artigos 1.206 e 1.207 do Código Civil.

Nada obstante, forçoso reconhecer que, de fato, tem-se admitido a possibilidade de que o condômino mova com êxito ação de usucapião em desfavor dos demais, na hipótese de demonstrar o exercício de posse exclusiva e com ânimo de dono sobre o imóvel usucapiendo.

JOSÉ CARLOS DE MORAES SALLES observa que a orientação jurisprudencial majoritária admite que o condômino venha a usucapir, desde que sua posse seja exclusiva e com ânimo de dono sobre o bem usucapiendo (SALLES, José Carlos de Moraes, Usucapião de bens móveis e imóveis, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991, p. 65).

No TJRS, destacam-se os seguintes julgados:

(...)

Assim, ao contrário do que foi afirmado em sentença, era viável o pleito de usucapião formulado por um dos sucessores em desfavor dos demais, cumprindo, portanto, verificar se estão preenchidos os requisitos da usucapião e se a posse foi exercida com o indispensável ânimo de dona.

Trata-se de apreciar o preenchimento dos requisitos da usucapião extraordinária, assim disciplinada no CCB:

(...)

No “caput” do aludido dispositivo legal, exige-se o exercício de posse mansa, pacífica e incontestada, com ânimo de dono, pelo prazo mínimo de 15 anos, dispensada a boa-fé e o justo título, enquanto que, no parágrafo único, o prazo é reduzido para 10 anos, desde que o usucapiente tenha estabelecido no imóvel a sua moradia habitual ou nele tenha realizado obras ou serviços produtivos.

Na lição de FARIAS e ROSENVALD, “O fato objetivo da posse, unido ao tempo – como força que opera a transformação do fato em direito -, e a constatação dos demais requisitos legais confere juridicidade a uma situação de fato, convertendo-a em propriedade. A usucapião é a ponte que realiza...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT