Acórdão nº 50002919820218210039 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Terceira Câmara Cível, 24-02-2022

Data de Julgamento24 Fevereiro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50002919820218210039
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoDécima Terceira Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001285764
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

13ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5000291-98.2021.8.21.0039/RS

TIPO DE AÇÃO: Alienação fiduciária

RELATORA: Desembargadora ELISABETE CORREA HOEVELER

APELANTE: BV FINANCEIRA SA CREDITO FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO (RÉU)

APELADO: JOAO BATISTA BRASIL FLORES (AUTOR)

RELATÓRIO

Trata-se de apelação cível interposta por BV FINANCEIRA SA CREDITO FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO e recurso adesivo interposto por JOAO BATISTA BRASIL FLORES contra sentença que julgou parcialmente procedentes os pedidos da ação revisional que tramita entre as partes. Referido decisum (evento 27) teve o dispositivo assim redigido:

Isso posto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a ação, fulcro no art. 487, I, do CPC, para o fim de tornar definitiva a tutela concedida, com a suspensão do cumprimento do Aditivo à Cédula de Crédito Bancária nº 12194000003481, até 10/06/2021, com a concessão de mais noventa dias, contados de 10/06/2021, findando em 10/09/2021, conforme fundamentos acima. A suspensão abrange, também, a aplicação de quaisquer multas, juros moratórios ou encargos, permitindo-se apenas a incidência de juros remuneratórios, acrescidos de correção monetária.

Tendo em vista a sucumbência mínima do autor, condeno o réu no pagamento das custas e honorários ao procurador da parte adversa, estes fixados em R$ 1.000,00 (um mil reais), firme no art. 85, § 8º do CPC.

Nas suas razões de apelação (evento 33) a financeira ré discorreu sobre a impossibilidade de revisão do contrato no presente caso. Aduziu que o pagamento das parcelas foi renegociado por duas vezes dentro do contexto da pandemia do novo coronavírus. Sustentou que não estão presentes os pressupostos à aplicação das teorias da imprevisão e da onerosidade excessiva. Afirmou que também sofreu prejuízos em decorrência do evento pandêmico. Mencionou a disponibilização de canais de renegociação dos pagamentos. Referiu que as aulas no município em que labora o apelado já retornaram. Postulou o provimento do recurso.

Em seu apelo adesivo (evento 38, doc. 43), a parte autora defendeu a majoração dos honorários sucumbenciais, asseverando que tal verba deve ser arbitrada de acordo com os parâmetros do artigo 85, §2º, do Código de Processo Civil. Postulou o provimento do recurso.

Em suas contrarrazões (evento 38, doc. 42), a parte autora discorreu sobre a possibilidade de suspensão das parcelas e sobre a observância ao princípio da boa-fé objetiva. Pugnou pela manutenção dos termos da sentença. Pleiteou o desprovimento do apelo.

Subiram os autos à Corte.

Instada para apresentação de contrarrazões ao recurso adesivo, a instituição financeira arguiu a ilegitimidade da parte para postular a majoração dos honorários advocatícios devidos ao causídico. Suscitou a necessidade de preparo do recurso adesivo ou a demonstração da pessoal necessidade do benefício da gratuidade de justiça pelo patrono. Asseverou que o montante fixado na origem aos honorários advocatícios é adequado à hipótese. Postulou o não conhecimento ou desprovimento do apelo (evento 14).

Instado a recolher o preparo do recurso adesivo, sob pena de inadmissibilidade (evento 16), o autor silenciou (evento 20).

Vieram conclusos.

VOTO

APELAÇÃO DA PARTE RÉ

Atendidos os requisitos de admissibilidade, conheço do apelo.

Em sua exordial, o autor sustentou que atua como transportador autônomo em Viamão/RS, com permissão para transportar alunos das redes de ensino pública e privada do município. Aduziu que entabulou contrato de financiamento junto à instituição financeira ré para aquisição de um veículo I/M BENZ SPRT SITNEI, ano/modelo 2010, o qual foi entregue em garantia fiduciária no negócio. Mencionou que adimpliu as parcelas originalmente avençadas até junho de 2020, momento em que renegociou o pagamento, sendo que apenas conseguiu satisfazer duas das prestações repactuadas. Sustentou que a Pandemia do Novo Coronavírus, como fato extraordinário e imprevisível, atingiu frontalmente sua atividade, uma vez que os atos do Poder Público para contenção do contágio estabeleceram a suspensão das atividades escolares presenciais no muncípio em que labora. Em razão disso, postulou a suspensão das parcelas do financiamento a partir de setembro/2020 até 60 dias após o retorno da normalidade das atividades escolares.

Efetivamente, os elementos de prova coligidos nos autos dão amparo à situação fática exposta pelo demandante, tendo este demonstrado sua atuação no transporte escolar no Município de Viamão (evento 1, docs. 7 e 8).

Ademais, denota-se que, após a renegociação da dívida, realizada por meio de aditivo contratual firmado em junho/2020 (evento 14, CONTR4), o demandante procedeu ao pagamento de duas parcelas, sendo a última em agosto/2020 (evento 1, OUT8; evento 14, EXTR5). Tal circunstância, somada ao adimplemento de todas as prestações avençadas até o início da pandemia, demonstra a boa-fé do recorrido quanto ao cumprimento de sua obrigação de pagamento, e reforça sua tese de que houve substancial quebra na base objetiva do negócio, em decorrência de evento [pandemia] superveniente à sua celebração.

No que tange à relação estabelecida pelas partes, por sua vez, cuida-se de vínculo alcançado pelo Código de Defesa do Consumidor. Isso porque, a despeito de evidente a utilização do veículo financiado na atividade econômica do fiduciante, não há como ser negada a desigualdade entre os contratantes, mormente no que tange à capacidade financeira, expertise bancária e apoio jurídico. Aplica-se, portanto, a Teoria Finalista Mitigada, consagrada na jurisprudência do egrégio Superior Tribunal de Justiça, e.g.:

RECURSO ESPECIAL. CONSUMIDOR. PROCESSUAL CIVIL. MONITÓRIA. CONCEITO DE CONSUMIDOR. TEORIA FINALISTA MITIGADA. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. REEXAME DO ACERVO FÁTICO-PROBATÓRIO. DESPACHO SANEADOR. FIXAÇÃO DOS PONTOS CONTROVERTIDOS. AGRAVO DE INSTRUMENTO. DECISÃO DE MÉRITO. POSSIBILIDADE, EM TESE. NO JULGAMENTO, INCABÍVEL.
1. Agravo de instrumento interposto em 05/12/2016, recurso especial interposto em 30/10/2017 e distribuído a este gabinete em 27/09/2018.
2. Os propósitos recursais consistem em: (i) verificar a possibilidade de classificação dos recorridos como consumidores, para fins de inversão do ônus da prova; (ii) a possibilidade de, na hipótese, inverter o ônus probatório; (iii) possibilidade de arguir, em sede de agravo de instrumento, matéria relativa à fixação dos pontos controvertidos.
3. A jurisprudência desta Corte Superior tem ampliado o conceito de consumidor e adotou aquele definido pela Teoria Finalista Mista, isto é, estará abarcado no conceito de consumidor todo aquele que possuir vulnerabilidade em relação ao fornecedor, seja pessoa física ou jurídica, embora não seja tecnicamente a destinatária final do produto...

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