Acórdão nº 50002951220218210080 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Nona Câmara Cível, 09-12-2022

Data de Julgamento09 Dezembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50002951220218210080
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoDécima Nona Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003059295
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

19ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5000295-12.2021.8.21.0080/RS

TIPO DE AÇÃO: Esbulho / Turbação / Ameaça

RELATORA: Desembargadora MYLENE MARIA MICHEL

APELANTE: SILVANEI DA COSTA CAMARGO (RÉU)

APELADO: OSMAR LUIS BATTISTI (AUTOR)

RELATÓRIO

Trata-se de Apelação Cível interposta por SILVANEI DA COSTA CAMARGO contra sentença proferida nos autos da Ação de Reintegração de posse em que contende com OSMAR LUIS BATTISTI. Eis o dispositivo da sentença (evento 17 da origem):

Ante ao exposto, JULGO PROCEDENTE a pretensão para REINTEGRAR o autor na posse do imóvel rural de matrícula n. 13.956, situado na localidade de Linha Três Reis, interior, do município de Coqueiro Baixo/RS. Condeno o requerido ao pagamento das custas judiciais e de honorários advocatícios, que arbitro em 10% sobre o valor atualizado da causa.

Após o trânsito em julgado, expeça-se o mandado de reintegração de posse.

Em suas razões recursais (Eventos 24 e 25 da origem), a parte apelante sustenta, preliminarmente, que é pessoa pobre, no sentido legal, pequeno agricultor vivendo em situação de vulnerabilidade social conforme parecer social anexo, e que luta para sustentar a si, sua companheira e seus 05 (cinco) filhos menores impúberes, conforme documentação anexa, razão pela qual postula a concessão da gratuidade de justiça. Argui, ainda em preliminar, a nulidade da sentença por falta de outorga uxória, nos termos dos artigos 73 e 74 do CPC, pois o próprio autor faz prova de que é casado, sob o regime de comunhão universal de bens, com Anali Sbardelotto Battisti, razão pela qual a mesma deveria ter integrado o feito. No mérito alega que o apelante é proprietário e morador do local objeto da presente ação (antiga escola) desde 2004, conforme farta documentação juntada em anexo ao presente recurso, não sendo verdadeiras as alegações de que teria passado a residir no local em agosto de 2020. Refere que na ata 03/2004 de 14/10/2004 da Secretaria Municipal de Educação do Município de Coqueiro Baixo, foi outorgada autorização do antigo prédio da escola para a família do recorrente e que, na ata 11/2008 de 17/02/2008 constou a venda do imóvel por parte da Associação dos Moradores da Linha Nossa Senhora das Dores à família do ora recorrente, pelo valor de R$ 1.000,00 na época, pois o imóvel havia sido dado em doação à Associação pela municipalidade, pois não era mais utilizado como escolha há uma década, estando com sérias avarias, fato que motivou a concessão de auxílio, por Lei Municipal de 2021, a fim de dar o mínimo de habitabilidade à família do recorrente. Pugna, assim, pela concessão da gratuidade de justiça, pela declaração de nulidade da sentença por ausência de outorga uxória e, no mérito, pela improcedência da pretensão.

Intimada, a parte apelada apresentou contrarrazões (evento ??? da origem) sustentando, em síntese, que o réu/apelante não apresentou contestação na instância originária, em que pese ter sido devidamente citado, razão pela qual os argumentos e documentação que não foram discutidos e juntados na instância originária não podem ser conhecidos, por inovação recursal, pois violam os princípios da estabilidade objetiva da demanda e da Ampla Defesa que na instância revisora deve prevalecer sobre o princípio iura novit cúria. Colaciona precedentes desta Câmara. Impugna a gratuidade de justiça postulada pelo réu/apelante, o qual sequer juntou aos autos sua declaração de imposto de renda e certidão de bens que possui. Aduz ser dispensável a participação do cônjuge em ações possessórias, por força do disposto no § 2º do art. 73 do CPC, sendo este o caso dos autos em que o imóvel foi adquirido tão somente pelo autor e não pelo casal. No mérito, em que pese entenda que o recurso não deve ser conhecido, aduz que os documentos juntados, os quais vão impugnados, não demonstram que o apelante detinha a propriedade sobre a área de terras e tampouco sobre o prédio da antiga escola, sendo-lhe concedido o prazo de dois anos para residir no local, oportunidade em que transcorrido o prazo poderia adquirir o imóvel, o que não ocorreu. Destarte, não tendo o réu trazido aos autos uma prova sequer de que teria, de fato, residido no imóvel entre os anos de 2004 a 2013, quando houve a aquisição pelo autor, ora apelado, e não tendo contestado a inicial, concordou com o que fora alegado na inicial. Assevera que na área de terras existe um prédio que até o mês de agosto de 2020 estava vazio, sem habitação, o qual antigamente servia como escola, oportunidade em que o Apelante invadiu o imóvel, sem a autorização do Apelado, passando a residir no local, recusando-se a deixá-lo. Refere que sequer luz elétrica havia no imóvel, tendo o réu/apelante solicitado a ligação quando da ocorrência da invasão havida no imóvel. Assim, pugna pela não concessão do benefício da gratuidade de justiça, pelo não conhecimento do recurso ou pelo seu desprovimento.

É o relatório.

VOTO

Conheço do recurso, porquanto preenchidos os requisitos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade aplicáveis à espécie.

1. Gratuidade de Justiça Requerida em Recurso. Concessão. Efeitos ex nunc.

Conforme previsão do art. 98, caput, do CPC, "A pessoa natural ou jurídica, brasileira ou estrangeira, com insuficiência de recursos para pagar as custas, as despesas processuais e os honorários advocatícios tem direito à gratuidade da justiça, na forma da lei".

Dispõe o art. 99, §3º, do CPC que "Presume-se verdadeira a alegação de insuficiência deduzida exclusivamente por pessoa natural”.

Conquanto milite em favor da pessoa natural presunção relativa de veracidade da declaração de insuficiência de recursos, (§ 3º do art. 99 do Código de Processo Civil), a natureza pública das custas e emolumentos devidos ao Poder Judiciário autoriza o juiz a instar a parte a comprovar documentalmente a alegada necessidade, sob pena de concessão indiscriminada do benefício e desnaturação de sua nobre finalidade, que consiste em assegurar o acesso ao Poder Judiciário àqueles que efetivamente precisam.

Nesse sentido, refiro precedentes do Superior Tribunal de Justiça:

AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. DISTRIBUIÇÃO DO ÔNUS DA PROVA. REVOLVIMENTO DO QUADRANTE FÁTICO-ROBATÓRIO DA CAUSA. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 07/STJ. GRATUIDADE DA JUSTIÇA. ALEGAÇÃO DE HIPOSSUFICIÊNCIA. PRESUNÇÃO RELATIVA. ENTENDIMENTO DOMINANTE. SÚMULA 568/STJ. ELEMENTOS DOS AUTOS QUE COLOCAM EM DÚVIDA A CONDIÇÃO FINANCEIRA DO PETICIONÁRIO. REVOLVIMENTO DO QUADRANTE FÁTICO-PROBATÓRIO DOS AUTOS. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 07/STJ. DISSÍDIO JUSIRSPRUDENCIAL. NÃO DEMONSTRAÇÃO. DECISÃO AGRAVADA MANTIDA. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO. (AgInt no AREsp 1560032/MS, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 15/03/2021, DJe 18/03/2021)

AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS. AGRAVO DE INSTRUMENTO. JUSTIÇA GRATUITA. INDEFERIMENTO. MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. SÚMULA 7/STJ. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO.

1. Não configura ofensa ao art. 535 do CPC/1973 o fato de o Tribunal de origem, embora sem examinar individualmente cada um dos argumentos suscitados pelo recorrente, adotar fundamentação contrária à pretensão da parte, suficiente para decidir integralmente a controvérsia. 2. A jurisprudência firmada no âmbito desta eg. Corte de Justiça delineia que o benefício da assistência judiciária gratuita pode ser indeferido quando o magistrado se convencer, com base nos elementos acostados aos autos, de que não se trata de hipótese de miserabilidade jurídica.

3. Considerada a presunção relativa de veracidade da declaração de hipossuficiência jurídica da parte, é facultado ao juízo, para fins de concessão do benefício da gratuidade de justiça, investigar a real situação financeira do requerente. Precedentes.

4. No caso, o Tribunal a quo entendeu que os documentos constantes dos autos demonstram a existência de patrimônio valioso e o auferimento de renda mensal incompatíveis com o alegado estado de necessidade para fins de concessão do benefício pretendido. A modificação de tal entendimento demandaria a análise do acervo fático-probatório, o que é vedado pela Súmula 7 do STJ.

5. Agravo interno a que se nega provimento.

(AgInt no AREsp 1059924/SP, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 07/11/2019, DJe 03/12/2019)

Assim, a qualquer pessoa, física ou jurídica, é possível conceder o benefício da gratuidade judiciária, desde que se verifique a existência de elementos que apontem efetiva insuficiência de recursos.

Esta Câmara, alinhada com o restante do Tribunal de Justiça, vem adotando como patamar de referência para o deferimento do benefício a pessoas físicas, rendimentos brutos mensais que não superem 05 (cinco) salários mínimos nacionais.

Nesta toada, a conclusão n.º 49 do Centro de Estudos do TJ/RS:

O benefício da gratuidade judiciária pode ser concedido, sem maiores perquirições, aos que tiverem renda mensal bruta comprovada de até (5) cinco salários mínimos nacionais.

Sobre o tema, colaciono os seguintes precedentes (grifei):

AGRAVO DE INSTRUMENTO. SUCESSÕES. ALVARÁ JUDICIAL. PEDIDO DE AJG. PARTE AGRAVANTE QUE COMPROVOU PERCEBER RENDA INFERIOR A CINCO SALÁRIOS MÍNIMOS, VALOR TIDO COMO PARÂMETRO POR ESTA CÂMARA, DE ACORDO COM O ENUNCIADO Nº 49 DO CENTRO DE ESTUDO DESTE TRIBUNAL.DEFERIMENTO DO BENEFÍCIO DA ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA COMO MEDIDA QUE SE IMPÕE. AGRAVO DE INSTRUMENTO PROVIDO EM DECISÃO MONOCRÁTICA. (Agravo de Instrumento, Nº 70084785385, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Rosana Broglio Garbin, Julgado em: 04-03-2021)

AGRAVO DE INSTRUMENTO. SERVIDOR PÚBLICO ESTADUAL. EXECUÇÃO. AJG. REVOGAÇÃO. RENDA SUPERIOR AO PADRÃO PARA AUFERIR...

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