Acórdão nº 50003030520158210078 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Quarta Câmara Cível, 23-06-2022

Data de Julgamento23 Junho 2022
ÓrgãoQuarta Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50003030520158210078
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002256965
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

4ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5000303-05.2015.8.21.0078/RS

TIPO DE AÇÃO: Enriquecimento ilícito

RELATOR: Desembargador FRANCESCO CONTI

APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (AUTOR)

APELADO: JULIAN CARLOS DETOGNI CECCATO (RÉU)

RELATÓRIO

Trata-se de apelação interposta pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL em face de sentença que reconheceu a prescrição nos autos da ação por improbidade administrativa movida contra JULIAN CARLOS DETOGNI CECCATO, nos seguintes termos (evento 3, PROCJUDIC19, fls. 23/30, origem):

No caso em análise, a ação de improbidade administrativa foi ajuizada no mês de setembro de 2015, veja-se que a última audiência foi realizada em agosto de 2021, não houve ainda prolação de sentença, pelo que impõe-se o reconhecimento da prescrição para imposição de sanção administrativa ao requerido.

Isso posto, DECRETO a prescrição intercorrente da pretensão de imposição de sanção decorrente da prática de ato de improbidade administrativa e, por conseguinte, JULGO extinta a ação, com resolução do mérito, nos termos do artigo 487, II, do Código de Processo Civil.

Sem custas e honorários, na forma da Lei n. 7.347/1985.

Alegou a parte apelante (evento 3, PROCJUDIC19, fls. 31/47), em síntese, que descabe reconhecer a prescrição intercorrente sem inércia do credor. Aduziu que a jurisprudência do STJ, antes do advento da nova legislação, reputava inviável a caracterização da prescrição intercorrente na ação de improbidade administrativa. Defendeu a irretroatividade da Lei nº 14.230/21, e que o prazo de 4 anos para a prescrição intercorrente deve ser contado apenas a partir de 4 anos da vigência da nova lei. Prequestionou os postulados Constitucionais relativos à inafastabilidade de jurisdição, à proporcionalidade e à vedação de retrocesso, apontando sua violação pelo novo texto legal. Discorreu sobre a complexidade da instrução em ações de improbidade administrativa, apontando a exiguidade do prazo de 4 anos. Requereu a declaração de inconstitucionalidade em caráter incidental dos dispositivos relativos à prescrição intercorrente na Lei Federal nº 14.230/21 e o provimento do recurso.

Foram apresentadas contrarrazões (evento 3, PROCJUDIC19, fl. 49 e seguintes).

Nesta instância, o Ministério Público apresentou parecer pelo provimento do recurso (evento 7).

VOTO

Preenchidos os requisitos de admissibilidade, recebo o recurso interposto.

A questão trazida a lume diz respeito a imputação de ato de improbidade administrativa com base no art. 9º, caput e art. 11, incisos IV, VIII e XII, todos da Lei Federal nº 8.429/92. Em síntese, alega a parte autora que o réu teria se utilizado do cargo público ocupado (técnico agropecuário) para captar clientes para sua atividade particular, bem como utilizando-se da estrutura do município para tanto.

O feito foi extinto pela prescrição, ante a aplicação retroativa das modificações legislativas trazidas pela Lei Federal nº 14.230/21, do que recorre o Ministério Público.

Pois bem. Cumpre observar que a Lei nº 14.230/21 estabeleceu "novo sistema de responsabilização por atos de improbidade administrativa", com expressa previsão de que "aplicam-se ao sistema da improbidade disciplinado nesta Lei os princípios constitucionais do direito administrativo sancionador".

Por tal passo, a aplicação dos princípios constitucionais do direito administrativo sancionador resulta na necessidade de reconhecimento da retroatividade da norma mais benéfica ao réu, como já decidido pelo Superior Tribunal de Justiça, a exemplo:

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. ENUNCIADO ADMINISTRATIVO 3/STJ. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA. NÃO OCORRÊNCIA.AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO.[...] 2. O processo administrativo disciplinar é uma espécie de direito sancionador. Por essa razão, a Primeira Turma do STJ declarou que o princípio da retroatividade mais benéfica deve ser aplicado também no âmbito dos processos administrativos disciplinares. À luz desse entendimento da Primeira Turma, o recorrente defende a prescrição da pretensão punitiva administrativa. [...] Agravo interno não provido. (AgInt no RMS 65486 / RO. Rel. Min. Mauro Campbell Marques. Segunda Turma. DJe 26/08/2021) (Suprimi e grifei).

Saliento que é este o norte que tem orientado os julgados sobre a matéria no âmbito deste órgão colegiado, a exemplo:

APELAÇÃO CÍVEL. LEI Nº 14.230/21. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. APLICAÇÃO RETROATIVA. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. 1. A expressa incidência dos "princípios constitucionais do direito administrativo sancionador" (art. 1º, §4º) acarreta retroatividade das disposições mais benéficas ao réu trazidas pela %20AND%20('14230%2F2021'%20OR%20'14230')+fecha2:2021-01-01..2021-12-31+content_type:6+vid:877353360 OR 877361340/*' data-vids='877353360 877361340'>Lei nº 14.230/21. 2. Reconhecimento da prescrição intercorrente, pois transcorridos mais de quatro anos, entre o ajuizamento da demanda e a prolação de sentença. Art. 23, caput e §§ 4º, I, 5º e 8º, da Lei nº 8.429/92. RECONHECIDA, DE OFÍCIO, A PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. APELAÇÃO PREJUDICADA.(Apelação Cível, Nº 70085213148, Quarta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Francesco Conti, Julgado em: 24-05-2022)

No que diz respeito à prescrição, inclusive a intercorrente, que não existia na redação original da Lei nº 8.429/92, também há de se reconhecer sua aplicação, no que mais benéfica ao acusado, ainda que relativamente ao tempo já transcorrido.

Os próprios julgados acima mencionados tratam da aplicação da prescrição intercorrente, prevista em norma superveniente mais benéfica ao acusado.

De tal sorte, ante a aplicação retroativa da nova legislação, verificado o decurso do prazo de 4 anos entre o ajuizamento da demanda e a prolação de sentença, imperioso o reconhecimento da prescrição intercorrente, na forma do art. 23, §§4º, 5º e 8º, da Lei Federal nº 8.429/921, como reconheceu o juízo de origem.

Frise-se que não há nos dispositivos legais exigência de retardamento da marcha processual imputável ao autor da demanda, não...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT