Acórdão nº 50003031920168210159 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Vigésima Terceira Câmara Cível, 28-02-2023

Data de Julgamento28 Fevereiro 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50003031920168210159
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003250144
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

23ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5000303-19.2016.8.21.0159/RS

TIPO DE AÇÃO: Cédula de crédito bancário

RELATORA: Desembargadora KATIA ELENISE OLIVEIRA DA SILVA

APELANTE: RONIVAN NEVES

APELANTE: RONIVAN NEVES (RÉU)

APELADO: COOPERATIVA DE CREDITO DE LIVRE ADMISSAO DE ASSOCIADOS OURO BRANCO - SICREDI OURO BRANCO RS (AUTOR)

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação interposto por RONIVAN NEVES e RONIVAN NEVES em face da sentença, proferida em face dos embargos à monitória opostos contra a COOPERATIVA DE CREDITO DE LIVRE ADMISSAO DE ASSOCIADOS OURO BRANCO - SICREDI OURO BRANCO RS, cujo relatório e dispositivo transcrevo abaixo:

Vistos…
Trata-se de pedido monitório movido por COOPERATIVA DE CRÉDITO DE LIVRE ADMISSÃO DE ASSOCIADOS OURO BRANCO – SICREDI em face de RONIVAN NEVES ME E RONIVAN NEVES, todos qualificados, aduzindo, em suma, que firmou com as demandadas cédula de crédito bancário-limite para operações de desconto recebíveis no valor de R$ 20.000,00; restaram inadimplentes; postulou a procedência, com a condenação das demandadas ao valor de 14.758,38.
( fls. 02 e ss) Juntou documentos. Despacho inaugural na fl. 59.

Os demandados foram citados por edital, fl. 88. Nomeada curadora especial , na figura da DPE, que apresentou embargos à monitória nas fls. 100 e ss., alegando, em síntese, da aplicação do CDC; onerosidade excessiva; abusividade da taxa de juros; abusividade da contratação do CDI; dos juros moratórios; capitalização de
juros; requereu, ao cabo, a improcedência da lide.
Réplica nas fls. 110 e ss.
RELATADOS.

[...]

III-DISPOSITIVO
Por tais razões, JULGO IMPROCEDENTES os embargos à monitória aforados por RONIVAN NEVES ME E RONIVAN NEVES, t em face de COOPERATIVA DE CRÉDITO DE LIVRE ADMISSÃO DE ASSOCIADOS OURO BRANCO – SICREDI.

Em suas razões (evento 3, PROCJUDIC5 a partir das fls. 29 e seguintes), a parte embargante defende a necessidade de reforma da sentença recorrida. Refere, em síntese, a abusividade dos juros remuneratórios, moratórios, da aplicação do CDI como indexador e da cobrança de capitalização de juros. Ao final, postula pelo provimento de sua irresignação a fim de que reste julgado integralmente procedentes os embargos à monitória.

Apresentadas contrarrazões (evento 3, PROCJUDIC5 fl. 41 e seguintes), vieram os autos conclusos a este Tribunal de Justiça para julgamento.

É o relatório.

VOTO

Preenchidos os requisitos legais, conheço do recurso.

Da possibilidade de revisão contratual.

Toda relação jurídica formada a partir de um acordo de vontades válido e eficaz é regida pelo princípio da obrigatoriedade dos contratos. Princípio que confere ao pacto força de lei entre as partes e que garante sua não violação em decorrência de dificuldades comezinhas de cumprimento ou, em outras palavras, por fatores externos plenamente previsíveis. Por essa razão, apenas a ocorrência de situações excepcionais, em que configurada circunstância imprevisível ao tempo da pactuação ou causa de abusividade notória, legitima a revisão judicial.

Inobstante, nos casos em que o ajuste decorre de adesão a termos prévia e unilateralmente estipulados pela instituição financeira, indiscutível é a incidência do Código de Defesa do Consumidor a essa análise a par do disposto na Súmula 297 do STJ1, o que, por certo, importa em alguns temperamentos à teoria geral dos contratos, em face do reconhecimento da hipossuficiência da parte aderente. Sob este prisma, no que pertine à limitação dos juros remuneratórios, o Superior Tribunal de Justiça2, a quem compete a uniformização da interpretação da legislação federal, sedimentou o entendimento no sentido de que é livre a pactuação dos juros entre as partes, salvo em caso de abusividade categoricamente demonstrada. Quanto ao ponto, para fins de melhor compreensão da solução adotada, já há mais de uma década, pela Corte Superior, pertinente a transcrição da elucidativa digressão histórica do controle dos juros no Brasil, traçada, em sede doutrinária, pelo Desembargador Paulo de Tarso Vieira Sanseverino:

[...]. A limitação dos juros por ato normativo estatal tem-se constituído em matéria das mais controvertidas ao longo da história da economia, com reflexos nos ordenamentos jurídicos antigos e modernos. [...] No direito brasileiro, a limitação dos juros por ato legislativo também tem apresentado sucessivos processos de sístole e diástole, conforme o momento político-ideológico vivenciado pelo País. No início do século XX, época da gestação do Código Civil de 1916, predominava a orientação ideológica liberal, que preconizava uma intervenção mínima do Estado no domínio econômico (Estado liberal). Por isso, no Código Civil de 1916, a regra estabelecida pela 2ª parte do art. 1.262 [...] conferia aos contratantes ampla liberdade negocial para estipulação dos juros e da periodicidade de sua capitalização. Os anos que se seguiram à vigência do CC/ 1916, no período compreendido entre as duas grandes guerras, constitui época de grande turbulência econômica e política em todo o mundo, especialmente na Europa, sendo um período de profundas modificações ideológicas no plano sociopolítico. [...]. No Brasil, a chamada Revolução de 1930, liderada por Getúlio Vargas, abre espaço para um regime político fortemente intervencionista, que culmina com o Estado Novo, instituído em 1937. Na década de trinta surge, no Brasil, o Decreto 22.626, de 07.04.1933, que passou a ser chamado de Lei de Usura, pois, em seu art. 1º, limitou a pactuação máxima de juros remuneratórios em contratos ao dobro da taxa legal, que era estabelecida pelo art. 1.062 do Código Civil de 1916. Ou seja, os juros remuneratórios máximos passaram a ser de 12% ao ano. E o art. 4º permite apenas a capitalização anual dos juros. [...]. Em 1964, após o golpe militar, uma das medidas preconizadas foi a reestruturação do sistema financeiro nacional para solucionar a grave crise econômica e para estimular o desenvolvimento do País. Assim, a Lei 4.595, de 31.12.1964, estabeleceu normas para reestruturação e regulamentação do sistema financeiro nacional, atribuindo ao Conselho Monetário Nacional (art. 4º) e ao Banco Central do Brasil (art. 8º e ss.) amplos poderes para o controle das atividades das instituições financeiras nacionais, inclusive, “limitar, sempre que necessário, as taxas de juros, descontos, comissões e qualquer outra forma de remuneração de operações e serviços bancários ou financeiros” (art. 4º, IX). A partir desse regramento da Lei 4.595/64, passou-se a discutir se as instituições financeiras estariam submetidas às normas da Lei da Usura (Decreto 22.626/33). Após longo debate jurisprudencial, o Supremo Tribunal Federal editou a Súmula 596 com o seguinte teor: “As disposições do Dec. 22.626/33 não se aplicam às taxas de juros e aos outros encargos cobrados nas operações realizadas por instituições públicas ou privadas que integram o sistema financeiro nacional”. A jurisprudência dominante consolidou-se no sentido do entendimento de que os contratos celebrados por instituições financeiras não estavam submetidos aos ditames da Lei da Usura, embora esta continuasse em vigor para todos os demais negócios celebrados por outros setores da vida econômica3. [...].

Restou, assim, completamente rechaçada a tese da aplicabilidade da Lei de Usura aos contratos bancários, conforme decidido no julgamento do recurso representativo de controvérsia, REsp 1.061.530/RS4, pela Terceira Turma sob relatoria da Ministra Nancy Andrighi. Posteriormente, o Código Civil trouxe novo colorido à questão, inserindo disposição expressa acerca da limitação dos juros em seu artigo 5915, cuja interpretação integrada aos artigos 4066, do mesmo diploma, e 161, § 1º7, do Código Tributário Nacional conduz à conclusão de que o limite da taxa de juros remuneratórios passou a ser de 12% ao ano. Entretanto, por se tratar de norma de caráter geral, o novo estatuto não derrogou os preceitos contidos na Lei 4.595/64, que, em virtude do critério da especialidade das normas, continuou a reger os negócios jurídicos celebrados por instituições financeiras, mantendo-se, assim, atual a Súmula 596 do Supremo Tribunal Federal8.

Ademais, a orientação da inaplicabilidade da limitação legal de 12% ao ano aos contratos bancários foi sufragada pelo Superior Tribunal de Justiça, mesmo após o advento do vigente Código, na Súmula 296, de 12/05/2004, segundo a qual os juros remuneratórios, não cumuláveis com a comissão de permanência, são devidos no período de inadimplência, à taxa média de mercado estipulada pelo Banco Central do Brasil, limitada ao percentual contratado. Por fim, a Medida Provisória n.º 2.172-32 de 2001, que ficará em vigor indefinidamente por força do artigo 2º da Emenda Constitucional n.º 32/2001, prescreve, no seu artigo 4º, que a limitação das taxas de juros previstos na lei não se aplica às instituições financeiras autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil.

Nessa esteira, a abusividade da taxa de juros prevista nos contratos firmados com as instituições financeiras que compreendem o Sistema Financeiro Nacional será observada em consonância com a taxa média de mercado estabelecida pelo Banco Central do Brasil, bem como pelas regras da legislação consumerista, no sentido de não permitir a vantagem excessiva dos bancos em desfavor dos consumidores (artigos 39, inciso V, e 51, inciso IV, ambos do Código de Defesa do Consumidor).

Da análise do contrato submetido ao pedido de revisão nestes autos, em cotejo com o teor das considerações supra, verifica-se que a taxa pactuada entre as partes é à média de mercado, não se mostrando, por essa razão, abusiva. Digo isso, pois, conforme o estipulado pelo Banco Central do Brasil – BACEN, o...

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