Acórdão nº 50003196120198210128 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Vigésima Câmara Cível, 13-04-2022

Data de Julgamento13 Abril 2022
ÓrgãoVigésima Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50003196120198210128
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002000580
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

20ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5000319-61.2019.8.21.0128/RS

TIPO DE AÇÃO: Contratos Bancários

RELATOR: Desembargador DILSO DOMINGOS PEREIRA

APELANTE: NILTON MARCOS DA CUNHA (EXECUTADO)

APELADO: BANCO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL S/A - BANRISUL (EXEQUENTE)

RELATÓRIO

NILTON MARCOS DA CUNHA apela da sentença proferida nos autos dos embargos à execução opostos em desfavor de BANCO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL S/A - BANRISUL, cujo dispositivo enuncia:

Isto posto, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos destes Embargos à Execução opostos pelo Nilton Marcos da Cunha contra o Banco do Estado do Rio Grande do Sul S/A.

Sucumbente, o embargante arcará com a integralidade da taxa única e demais despesas processuais. Fixo honorários advocatícios devidos ao procurador do embargado em 10% sobre o valor atualizado da dívida, considerando o trabalho desenvolvido, a complexidade e ao tempo de tramitação do processo, fulcro no artigo 85, § 2º, do Código de Processo Civil. Os honorários deverão ser corrigidos monetariamente pelo IGP-m a partir desta decisão, e acrescidos de juros de mora de 1% ao mês a contar do trânsito em julgado. Resta suspensa a exigibilidade do embargante enquanto litigar sob o amparo da gratuidade da justiça que ora defiro.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Em suas razões, sustenta que o imóvel penhorado é bem de família, logo impenhorável. Salienta que, juntamente com o apelo, anexou comprovação de que o imóvel constrito é o único em nome do executado. Registra que o título que aparelha a execução deve ser anulado, pois celebrado com vício de consentimento. Assevera que, ao celebrar o pacto, foi-lhe exigida vantagem manifestamente desproporcional, o que caracteriza o instituto da lesão. Requer o provimento do apelo, para acolher os embargos e julgar extinta a execução.

Intimado, o embargado não apresentou contrarrazões, vindo os autos à apreciação desta Corte.

Registro, por fim, que, em razão da adoção do sistema informatizado, os procedimentos ditados pelos artigos 931, 934 e 935, todos do CPC, foram simplificados, sendo, no entanto, observados em sua integralidade.

É o relatório.

VOTO

Conheço do recurso, porquanto preenchidos os requisitos de admissibilidade.

O apelante pretende a reforma da sentença, porquanto aduz ter sido coagido a assinar o contrato de confissão de dívida que embasa a execução.

Na lição de Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (in Novo Curso de Direito Civil, 2ª ed., Vol. IV, Tomo I. São Paulo: Saraiva, 2006), o contrato é um negócio jurídico por meio do qual as partes declarantes, limitadas pelos princípios da função social e da boa-fé objetiva, autodisciplinam os efeitos patrimoniais que pretendem atingir, segundo a autonomia de suas próprias vontades. Ou seja, o contrato, espécie mais importante de negócio jurídico, tem como característica diferenciadora, em relação aos demais negócios jurídicos, a convergência das manifestações de vontades contrapostas, formadora do denominado consentimento.

O Código Civil, no entanto, prevê, no inciso II de seu art. 171, situações em que há vício no consentimento manifestado por uma das partes, decorrente de “(...) erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão ou fraude contra credores”, o que torna o negócio jurídico passível de anulação.

O art. 167 do diploma civil, ao seu turno, dispõe sobre a nulidade do negócio jurídico, quando este for simulado, conceituando a simulação em seu §1º:

§ 1º Haverá simulação nos negócios jurídicos quando:

I - aparentarem conferir ou transmitir direitos a pessoas diversas daquelas às quais realmente se conferem, ou transmitem;

II - contiverem declaração, confissão, condição ou cláusula não verdadeira;

III - os instrumentos particulares forem antedatados, ou pós-datados.

Nessa esteira, incontroversa a assinatura do contrato, confessada pelo próprio apelante, não foi realizada, contudo, prova acerca do vício na manifestação de vontade ao assinar a avença que aparelha o feito executivo.

Na hipótese, o recorrente inclusive confirma ter realizado inúmeras operações junto ao apelado, limitando-se a impugnar genericamente os encargos sem qualquer precisão quanto às abusividades alegadas.

Nesse sentido, impende discorrer sobre o direito à prova, como modo de formar o convencimento do magistrado. Já determina o art. 373, I do CPC que incumbe ao autor o ônus da prova quanto ao fato constitutivo de seu direito.

Neste ponto, saliento as disposições do CPC acerca do ônus da prova. Como ensina Cândido Dinamarco (in Instituições de Direito Processual Civil. Vol. III. 4ª ed. São Paulo: Malheiros, 2004. p.71), ônus é o encargo que se atribui a um sujeito para demonstração de determinadas alegações de fato. No nosso sistema processual civil, assim como o fato não alegado não pode ser levado em consideração no processo, o fato alegado, mas não demonstrado, será tido como inexistente. Disto decorre o interesse que as partes têm em realizar os atos processuais. Não cumpre falar em dever, porquanto este pressupõe uma sanção em caso de descumprimento.

A disposição do ônus da prova é dirigida as partes, como forma de orientá-las em qual sentido devem se comportar, à luz das expectativas que o processo lhes enseja, e a consequência de seu não cumprimento é estritamente processual, podendo gerar desvantagem à parte que não o atendeu.

Outrossim, oportuno destacar que a possibilidade de inversão do ônus da prova em relações consumeristas não é absoluta, devendo ser realizada prova mínima das alegações pela parte hipossuficiente, o que claramente não logrou o recorrente fazer.

Assim, estando a execução embasada em título idôneo, que preenche os requisitos dos artigos 783 e 784, III do CPC, e não havendo o apelante logrado produzir prova de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito da credora/exequente, senão por meras alegações, impositiva a manutenção da sentença.

Da mesma forma, ausente demonstração do vício de consentimento na assinatura, ônus que incumbia ao embargante por força do art. 373, I do CPC, inviável a reforma da sentença.

No tocante à impenhorabilidade do bem de família, decorre da previsão contida no art. 1º da Lei nº 8.009/1990, que assim dispõe:

(...) O imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta lei. (...)

Ainda, o art. 5º da legislação em comento prevê que “para os efeitos de impenhorabilidade, de que trata esta lei, considera-se residência um único imóvel utilizado pelo casal ou pela entidade familiar para moradia permanente”.

Em outras palavras, o imóvel, para revestir-se do caráter impenhorável, não necessita ser o único pertencente à família, mas o único utilizado por esta como moradia. Veja-se:

AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. BEM DE FAMÍLIA. IMPENHORABILIDADE. MAIS DE UM IMÓVEL. ARTIGO 5º, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI Nº 8.009/1990.
1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ).
2. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é firme no sentido de que a Lei nº 8.009/1990 não retira o benefício do bem de família daqueles que possuem mais de 1 (um) imóvel.
3. O artigo 5º, parágrafo único, da Lei nº 8.009/1990 dispõe expressamente que a impenhorabilidade recairá sobre o bem de menor valor na hipótese em que a parte possuir vários imóveis utilizados como residência. Precedentes.
4. Agravo interno não provido.
(AgInt no REsp 1873254/MG, Rel.
Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 15/03/2021, DJe 19/03/2021)

No caso concreto, a partir do exame do conjunto probatório carreado ao feito, verifica-se que o imóvel penhorado serve de residência ao apelante, o que pode ser constatado a partir dos próprios contratos que aparelham a execução, já que neles consta o endereço do imóvel penhorado como aquele em que reside o devedor.

Quanto à prova de que o bem é o único de propriedade do devedor, é desnecessária à luz da efetiva demonstração de que ele é utilizado como residência da família. Veja-se:

CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. OMISSÃO, OBSCURIDADE OU CONTRADIÇÃO. INOCORRÊNCIA...

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