Acórdão nº 50003297220168210076 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Nona Câmara Cível, 08-04-2022

Data de Julgamento08 Abril 2022
Classe processualApelação
Número do processo50003297220168210076
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002001011
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

19ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5000329-72.2016.8.21.0076/RS

TIPO DE AÇÃO: Alienação fiduciária

RELATOR: Desembargador MARCO ANTONIO ANGELO

APELANTE: COCEVVIL INDUSTRIA DE CEREAIS LTDA (AUTOR)

APELADO: ADM DO BRASIL LTDA (RÉU)

RELATÓRIO

Trata-se de apelação interposta por COCEVVIL INDUSTRIA DE CEREAIS LTDA contra a sentença proferida nos autos da ação anulatória ajuizada em face de ADM DO BRASIL LTDA, com o seguinte dispositivo:

Por todo o exposto, julgo improcedente a ação proposta por Cocevil Comércio de Cereais Ltda contra ADM Brasil Ltda.

Condeno, ainda, a parte autora ao pagamento de custas processuais e honorários advocatícios, consoante artigo 85, 2º§, do CPC, no percentual de 10 % sobre o valor atualizado da causa, verba que deixo de exigir tendo em vista o provimento do recurso de agravo de instrumento sobre a concessão do benefício da AJG.

A parte-autora, declinando suas razões, requer a reforma da sentença. Aduz a inobservância de requisito de validade do instrumento "porquanto não fora averbado aditivo de escritura pública junto à matrícula do bem imóvel dado em garantia". Relata que a averbação junto ao registro do imóvel constitui elemento essencial à garantias fiduciária". Entende ineficaz o registro original da escritura pública n 7.022 "na medida em que as suas posteriores atualizações - e que alteram os termos da obrigação constante na escritura original - não foram objeto da mesma publicidade junto à matrícula do imóvel de n. 13.400". Pugna pelo provimento da apelação ao efeito de "anular/tornar ineficaz a averbação de escritura pública de alienação fiduciária (n. 7.022), registrada no imóvel de matrícula n. 13.400, tendo em vista a existência de aditivo posterior que não foi registrado".

Foram apresentadas contrarrazões (Evento ).

O Ministério Público opina pelo desprovimento da apelação.

Cumprido o disposto nos artigos 931, 934 e 935 do CPC/2015.

É o relatório.

VOTO

Dispõe o artigo 23 da Lei 9.514/97:

Art. 23. Constitui-se a propriedade fiduciária de coisa imóvel mediante registro, no competente Registro de Imóveis, do contrato que lhe serve de título.

Parágrafo único. Com a constituição da propriedade fiduciária, dá-se o desdobramento da posse, tornando-se o fiduciante possuidor direto e o fiduciário possuidor indireto da coisa imóvel.

Paralelamente, o artigo 1.227 do Código Civil, disciplina:

Art. 1.227. Os direitos reais sobre imóveis constituídos, ou transmitidos por atos entre vivos, só se adquirem com o registro no Cartório de Registro de Imóveis dos referidos títulos (arts. 1.245 a 1.247), salvo os casos expressos neste Código.

Na lição de Moacyr Petrocelli de Ávila Ribeiro1O registro é, portanto, indispensável para a produção de feitos reais. O registro dá vida ao direito real, antes simplesmente potencializado pelo negócio jurídico inter vivos translativo da propriedade imóvel (CC, art. 1.245).

E, comentando o artigo do diploma civil em cotejo com aquele próprio do insituto da alienação fiducuária, refere o autor2:

O art. 23 da Lei 9.514/1997 é inexorável ao assegurar que se constitui a “propriedade fiduciária de coisa imóvel mediante registro, no competente registro de imóveis, do contrato que lhe serve de título”.

O texto legal não admite temperamentos.

Além do acordo de vontades, consubstanciado no contrato, é indispensável o registro, no competente Registro de Imóveis, para que se constitua a propriedade fiduciária sobe o imóvel. Antes do registro o que existe, apenas, é o contrato de alienação fiduciária em garantia, o título, do qual se originam obrigações para as partes. Com o registro aquela relação, antes obrigacional, adquire transcendência real e passa, assim, a irradiar efeitos perante terceiros, ou seja, oponibilidade erga omnes. Frise-se: é o registro do título (rectius: o contrato que formaliza a alienação) que faz nascer o direito real de garantia.

A estrutura da alienação fiduciária imobiliária, tal qual ocorre com os direitos reais de garantia, releva dois momentos distintos: o da contratação e o do surgimento do direito real. Em termos registrais, a garantia é a propriedade fiduciária, que se constitui com o registro de seu título; este, de sua vez, é o contrato de alienação fiduciária.

A Lei 9.514/1997, no mencionado art. 23, deixa claro que a garantia real é o domínio fiduciário constituído pelo registro. Efetivamente, é requisito essencial para a constituição da propriedade fiduciária o registro do contrato de alienação fiduciária no Registro de Imóveis competente.

Por fim, certifique-se que na garantia fiduciária os efeitos do não registro são deletérios. Sem o registro o credor fiduciário, dentre tantos efeitos jurídicos negativos, não poderá legitimamente promover a execução extrajudicial perante o Registro de Imóveis; as partes não poderão ceder seus direitos inerentes à propriedade fiduciária; sem falar na possibilidade de o proprietário tabular alienar a terceiros o domínio do imóvel, pendente a alienação fiduciária à margem da tábua registral.

No caso, a parte autora/apelante defende, em sua apelação, a ineficácia do registro original da escritura pública n 7.022 "na medida em que as suas posteriores atualizações - e que alteram os termos da obrigação constante na escritura original - não foram objeto da mesma publicidade junto à matrícula do imóvel de n. 13.400".

Sem razão.

Isso porque a constituição da garantia fiduciária sobre o imóvel em discussão se deu justamente quando da formalização do contrato originário, motivo pelo qual prescindível - para o fim específico de validade do gravame em destaque - o registro de qualquer outro contrato celebrado, bastando que seja registrado o instrumento em que a garantia foi devidamente constituída, como ocorreu (Evento 3 - PROCJUDIC2, fls. 23-7).

Refira-se, por fim, que, segundo entendimento jurisprudencial consolidado pelo Superior Tribunal de Justiça, os créditos garantidos por meio de alienação fiduciária, ainda que destituídos de registro, não se sujeitam aos efeitos da recuperação judicial. Compreensão que esvazia qualquer pretensão reconhecimento da necessidade de registro do aditivo com base na quebra decretada.

Neste sentido:

AGRAVO INTERNO. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. NEGATIVA DE...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT