Acórdão nº 50003332720218210079 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Vigésima Quarta Câmara Cível, 23-02-2022

Data de Julgamento23 Fevereiro 2022
ÓrgãoVigésima Quarta Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50003332720218210079
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001517468
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

24ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5000333-27.2021.8.21.0079/RS

TIPO DE AÇÃO: Empréstimo consignado

RELATOR: Desembargador FERNANDO FLORES CABRAL JUNIOR

APELANTE: LUIS CARLOS DOS REIS (AUTOR)

APELADO: BANCO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL S/A - BANRISUL (RÉU)

RELATÓRIO

Trata-se de apelação cível interposta por LUIS CARLOS DOS REIS em face da sentença prolatada nos autos da ação de revisão de cláusulas contratuais em que contende com BANCO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL S/A - BANRISUL. Constou na sentença apelada (Evento 44):

“[...] Diante do exposto, JULGO IMPROCEDENTE o pedido, o que faço com fundamento nas razões supramencionadas. Pelo princípio da sucumbência, condeno o requerido ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, em favor do patrono da parte adversa, fixados em 10% sobre o valor da causa, atualizado somente pelo IGP-M, cuja exigibilidade fica suspensa, pois litiga sob o amparo da gratuidade de justiça.

Com o trânsito em julgado, arquive-se com baixa.

Intimem-se.

Dil. Legais.”

Em suas razões recursais, a parte apelante sustenta que os juros remuneratórios pactuados nos contratos são abusivos, pois superiores ao percentual máximo permitido de 1% ao mês e 12% ao ano, motivo pelo qual devem ser limitados. Pleiteia o deferimento das medidas liminares de vedação de inscrição do seu nome nos cadastros de inadimplentes e de suspensão dos descontos. Pede a repetição do indébito em dobro e a condenação da parte ré ao pagamento de indenização pelos danos morais sofridos. Postula a inversão dos ônus sucumbenciais e a majoração dos honorários recursais. Requer o provimento do apelo (Evento 50).

Foram apresentadas contrarrazões (Evento 54).

É o relatório.

VOTO

A presente apelação, interposta no Evento 50, é tempestiva, pois o prazo para recorrer da sentença iniciou em 26/10/2021 e findou em 18/11/2021 (Evento 45), sendo que o recurso foi interposto em 18/11/2021 (Evento 50). Além disso, a parte autora é beneficiária da gratuidade judiciária (Evento 10), sendo dispensada do recolhimento do preparo.

Dessa forma, considerando que o recurso é próprio e tempestivo, recebo a apelação e passo ao exame da insurgência recursal.

Inicialmente, saliento que são objeto da revisão de cláusulas contratuais os seguintes contratos:

- Cédula de Crédito Bancário nº 04100000000003983497, firmada em 19/07/2019, no valor de R$ 1.209,42, a ser pago em 72 parcelas mensais, mediante descontos em folha de pagamento, contendo a previsão de juros remuneratórios de 1,55% ao mês e 20,27% ao ano (Evento 17 – CONTR4).

- Cédula de Crédito Bancário nº 04100000000003983627, firmada em 19/07/2019, no valor de R$ 1.764,99, a ser pago em 72 parcelas mensais, mediante descontos em folha de pagamento, contendo a previsão de juros remuneratórios de 1,55% ao mês e 20,27% ao ano (Evento 17 – CONTR5).

- Cédula de Crédito Bancário nº 180520301440040000, cuja cópia não foi anexada aos autos.

1. JUROS REMUNERATÓRIOS.

Relativamente aos juros remuneratórios estabelecidos nos contratos bancários e sua limitação, esta Câmara posicionou-se em consonância com o entendimento sedimentado pelo STJ, que, com o advento da Lei n. 4.595/1964, diploma que disciplina de forma especial o Sistema Financeiro Nacional e suas instituições, restou afastada a incidência da Lei de Usura, tendo ficado delegado ao Conselho Monetário Nacional poderes normativos para limitar as referidas taxas, salvo as exceções legais.

Inclusive, a Súmula n° 596/STF dispõe que: As disposições do Decreto nº 22.626/33 não se aplicam às taxas de juros e aos outros encargos cobrados nas operações realizadas por instituições públicas ou privadas, que integram o sistema financeiro nacional”.

O STJ já sedimentou a matéria, no sentido de que a estipulação dos juros remuneratórios em percentual acima de 12% ao ano não indica abusividade.

Esse posicionamento, inclusive, ensejou a formulação da Súmula 382, in verbis:

A estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só, não indica abusividade.

Cito julgado:

DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO REVISIONAL. REEXAME DE FATOS, PROVAS E CLÁUSULAS CONTRATUAIS. INADMISSIBILIDADE. LIMITAÇÃO DE JUROS REMUNERATÓRIOS. IMPOSSIBILIDADE. INDICAÇÃO DE ABUSIVIDADE EM RELAÇÃO AOS JUROS MORATÓRIOS. CAPITALIZAÇÃO ANUAL DE JUROS. REVISÃO DE TAXAS DE JUROS REMUNERATÓRIOS. CARACTERIZAÇÃO DA MORA.

1. Ação revisional.

2. O reexame de fatos, provas e cláusulas contratuais em recurso especial é inadmissível.

3. As instituições financeiras não se sujeitam à limitação dos juros remuneratórios estipulada na Lei de Usura (Decreto 22.626/33).

4. A estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só, não indica abusividade.

5. Admite-se a capitalização anual dos juros nos contratos de mútuo firmado com instituições financeiras, desde que seja expressamente pactuada. Precedentes. 6. É admitida a revisão das taxas de juros remuneratórios em situações excepcionais, desde que caracterizada a relação de consumo e que a abusividade (capaz de colocar o consumidor em desvantagem exagerada (art. 51, §1°, do CDC) fique cabalmente demonstrada, ante às peculiaridades do julgamento em concreto.

7. O afastamento da abusividade nos encargos exigidos no período da normalidade contratual (juros remuneratórios e capitalização) caracteriza a mora.

8. Agravo interno não provido.

(AgInt no AREsp 1419353/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 10/06/2019, DJe 12/06/2019) (grifei)

Conquanto aplicável o CDC às instituições bancárias, o STJ consolidou o entendimento de que o pacto referente à taxa de juros só pode ser alterado se reconhecida sua abusividade em cada hipótese, uma vez que a pactuação é livre entre as partes. Desta forma, somente há que se falar em taxa abusiva se constatado que outras instituições financeiras, nas mesmas condições, praticam percentuais bem inferiores ao do contrato objeto de discussão.

Portanto, a limitação dos juros remuneratórios, quando demonstrada a taxa contratada, somente ocorrerá se comprovado que a taxa contratada é superior à taxa média para as operações financeiras similares. A limitação dos juros remuneratórios é medida excepcional, quando demonstrado que a taxa contratada apresenta significativa discrepância em relação à taxa média de mercado.

Neste caso, far-se-á a limitação com base nas taxas divulgadas e publicadas pelo Bacen, que reflete a média de mercado.

A exemplificar esse entendimento, cito os seguintes precedentes da Corte Superior:

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO BANCÁRIO. JUROS REMUNERATÓRIOS. ABUSIVIDADE. TAXA MÉDIA DE MERCADO. CAPITALIZAÇÃO MENSAL DE JUROS. COMISSÃO DE PERMANÊNCIA. REPETIÇÃO DE INDÉBITO.

1. Os juros remuneratórios incidem à taxa média de mercado em operações da espécie, apurados pelo Banco Central do Brasil, quando verificada pelo Tribunal de origem a abusividade do percentual contratado ou a ausência de contratação expressa.

2. Admite-se a capitalização mensal dos juros nos contratos bancários celebrados a partir da publicação da MP 1.963-17 (31.3.00), desde que seja pactuada.

3. É admitida a incidência da comissão de permanência desde que pactuada e não cumulada com juros remuneratórios, juros moratórios, correção monetária e/ou multa contratual.

4. Aquele que recebeu o que não devia deve restitui-lo, sob pena de enriquecimento indevido, pouco relevando a prova do erro no pagamento.

5. Agravo interno no recurso especial não provido.

(AgInt no REsp 1417066/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 20/03/2018, DJe 02/04/2018) (grifei)

Esta Câmara adotou tal posicionamento:

APELAÇÃO CÍVEL. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. AÇÃO REVISIONAL. CONTRATOS DE CHEQUE ESPECIAL E CAPITAL DE GIRO. – [...] JUROS REMUNERATÓRIOS. A aplicação em taxa substancialmente superior à média de mercado divulgada pelo BACEN (30% acima, conforme entendimento desta Câmara) é abusiva, sendo passível de limitação à referida taxa média. Na hipótese, com relação aos dois contratos objeto do recurso, há abusividade dos juros remuneratórios pactuados. Mantida a sentença no ponto. [...] APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA, REJEITADAS AS PRELIMINARES.(Apelação Cível, Nº 70080930373, Vigésima Quarta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Cairo Roberto Rodrigues Madruga, Julgado em: 31-07-2019)

APELAÇÃO CÍVEL. CONTRATO DE CARTÃO DE CRÉDITO. AÇÃO REVISIONAL. PRELIMINAR CONTRARRECURSAL. INÉPCIA DA INICIAL. [...] JUROS REMUNERATÓRIOS. Modalidade crédito rotativo. Taxa de juros remuneratórios pactuadas acima da taxa média de mercado divulgada pelo BACEN à época. Limitação deferida. Financiamento/renegociação da fatura. Juros pactuados abaixo da taxa média de mercado divulgada pelo BACEN à época. Manutenção dos percentuais ajustados. [...] PRELIMINAR CONTRARRECURSAL DESACOLHIDA. APELO PARCIALMENTE PROVIDO.(Apelação Cível, Nº 70081973133, Vigésima Quarta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Jorge Alberto Vescia Corssac, Julgado em: 31-07-2019)

Cumpre mencionar que a apuração da abusividade dos juros remuneratórios é verificada pela taxa média de mercado registrada pelo BACEN, como já acima referido, somada a esta o percentual de 30% (trinta por cento), tido pela Câmara como margem tolerável.

Feitas essas considerações, passo ao exame dos contratos submetidos à apreciação judicial.

- Cédula de Crédito Bancário nº 04100000000003983497, firmada em 19/07/2019, no valor de R$ 1.209,42, a ser pago em 72 parcelas mensais, mediante descontos em folha de pagamento, contendo a previsão de juros remuneratórios...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT