Acórdão nº 50003389620208210107 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Quarta Câmara Criminal, 14-12-2022

Data de Julgamento14 Dezembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50003389620208210107
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoQuarta Câmara Criminal

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003060155
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

4ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Criminal Nº 5000338-96.2020.8.21.0107/RS

TIPO DE AÇÃO: Contrabando ou Descaminho (art. 334)

RELATOR: Desembargador ROGERIO GESTA LEAL

APELANTE: DIRCEU NOE SACILOTTO (ACUSADO)

APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (AUTOR)

RELATÓRIO

Trata-se de apelação interposta por Dirceu Noe Sacilotto contra sentença proferida pelo Juizo da Vara Judicial da Comarca de Jaguari/RS, que julgou procedente a ação penal para condená-lo como incurso nas sanções do art. 334-A, § 1°, inc. IV, do CP, às penas de 2 (dois) anos de reclusão, em regime aberto, substituída a pena privativa de liberdade por duas penas restritivas de direitos (prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária consistente no pagamento de um salário mínimo) em razão da seguinte prática delitiva:

No dia 09 de agosto de 2018 suficientemente esclarecido nos autos, em horário não totalmente esclarecido nos autos, na localidade do Chapadão - BR 287, KM 364, interior de Jaguari/RS, o denunciado DIRCEU NOE SACILOTTO mantinha em depósito, no exercicio de atividade comercial (agricultura), mercadorias proibidas pela lei brasileira.

Na ocasião, durante fiscalização realizada pela Secretaria da Agricultura, Pecuária e Irrigação do Estado do Rio Grande do Sul, foram encontrados, no interior de galpão pertencente ao denunciado DIRCEU NOE SACILOTTO, 05 (cinco) unidades (quatro unidades cheias e uma vazia) do agrotóxico HERBEX MAX 75% WDG, correspondendo a 400g, com origem chinesa e registro uruguaio, além de 01 (uma) unidade de FIPRON 80, correspondendo a 500g, todos sem registro no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento da República Federativa do Brasil.

Destaque-se que o agrotóxico HERBEX MAX 75% WDG (metsulfurom-metílico) é considerado medianamente tóxico (classificação toxicológica III), enquanto o agrotóxico FIPRON 80 é altamente tóxico (classificação toxicológica II), sendo, portanto, muito perigoso ao meio ambiente, o que pode acarretar em danos a saúde humana por meio do lançamento de resíduos ao solo.

Nas razões, a defesa constituída requereu a absolvição do réu. Referiu que o apelante não tinha ciência da proibição dos produtos. Sustentou a atipicidade da conduta, vez que a mercadoria apreendida é para fins domésticos e não comerciais. Além disso, aduziu que a quantidade apreendida é ínfima, devendo ser aplicado o princípio da bagatela. Postulou o provimento do recurso (evento 3, DOC5 - p. 42/43).

Nas contrarrazões, o Ministério Público postulou o desprovimento do recurso (evento 3, DOC5 - p. 44/47).

Nesta instância, o Procurador de Justiça, Dr. Heriberto Roos Maciel, opinou parcial provimento do apelo defensivo, ao efeito de que seja desclassificada a conduta para o crime do art. 56 da Lei nº 9.605/98, reduzindo-se a pena reclusiva para 1 (um) ano e substituindo-se a pena privativa de liberdade por apenas uma restritiva de direitos.

VOTO

O réu é primário, conforme se extrai da certidão de antecedentes criminais (evento 3, DOC4 - p. 06/07).

A materialidade e autoria delitivas restaram consubstanciadas no auto de infração (p. 18), auto de apreensão e depósito (p. 19), relatório de fiscalização (p. 21) - todos constantes no evento 3, DOC1 -, bem como pela prova oral coligida aos autos.

Interrogado, o réu alegou desconhecer a proibição dos produtos apreendidos em sua propriedade, adquirido através de determinado indivíduo que apareceu em seu imóvel oferecendo os produtos.

A fiscal agropecuária Débora Tonon Schreiner narrou que foi chamada para atender ocorrência de deriva, após denúncia de que determinado lindeiro acabou prejudicando outra propriedade. Ao chegar no local informado através da denúncia, haviam alguns lindeiros, de modo que um desses era de propriedade do apelante. Realizada a fiscalização, que consistia em verificar a procedência dos produtos que eram utilizados na lavoura e em que local estavam sendo armazenados, constataram que os produtos que acusado possuía eram proibidos, vez que não tinham registro no MAPA (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento da República Federativa do Brasil). Referiu que foram apreendidos os produtos Herbex Max, utilizado para dessecação do solo e Fibron que serve como inseticida, considerados contrabando, pois possuíam origem chinesa e registro uruguaio. Destacou que os produtos ilícitos foram encontrados em caixas, onde haviam mais materiais utilizados em lavoura. Na oportunidade, o réu colaborou com a ação e justificou desconhecer a proibição dos produtos que havia adquirido de um indivíduo, não recordou o nome. Aafirmou que não foram realizados testes na propriedade para averiguar o uso dos produtos apreendidos, eis que a Secretaria da Agricultura, durante as fiscalizações, limita-se a verificar a origem dos produtos e os locais onde estão sendo acondicionados.

No mesmo sentido, o fiscal agropecuário Fernando Christian Thiesen relatou que determinado indivíduo denunciou seu vizinho por prejudicar sua lavoura. Diante da denúncia de deriva, dirigiram-se ao local para averiguar a situação. Na propriedade do acusado, localizaram materiais agrotóxicos sem registro no MAPA, proibidos pela legislação brasileira. Referiu que os produtos estavam acondicionados na sala, recinto onde haviam outros produtos utilizados na lavoura.

Nesse contexto, resta incontroverso que o acusado guardava e tinha em depósito produtos agrotóxicos de uso proibido pela legislação, fato admitido pelo próprio réu embora tenha justificado que não tinha conhecimento de tal proibição. Por outro lado, a prova não é suficiente sobre o exercício de atividade comercial ou industrial, conforme descrito no tipo penal pelo qual foi denunciado. A prova apontou no sentido de que o acusado possuía os produtos para uso na sua propriedade rural, na atividade de agropecuária que desenvolvia no local.

Muito embora a alegação defensiva seja pelo reconhecimento da atipicidade da conduta, seria o caso de acolher o parecer ministerial no sentido de desclassificar a conduta prevista no art. artigo 334-A, §2º, inciso IV, do Código Penal, para o tipo penal previsto no art. 56, da Lei 9.605/98, inclusive por essa razão que houve a declinação da competência da Justiça Federal para a Estadual (ev. 3 - DOC3, fls. 8/9, da AP).

Os fundamentos do parecer do ilustre Procurador de Justiça:

Nada obstante, e ao contrário do pretendido pela defesa, não é o caso de se reconhecer a atipicidade da conduta, mas de se desclassificar a conduta para o crime do artigo 56 da Lei 9.605/98.

Art. 56. Produzir, processar, embalar, importar, exportar, comercializar, fornecer, transportar, armazenar, guardar, ter em depósito ou usar produto ou substância tóxica, perigosa ou nociva à saúde humana ou ao meio ambiente, em desacordo com as exigências estabelecidas em leis ou nos seus regulamentos: Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.

Note-se que todas as elementares do referido crime ambiental restaram descritos na exordial acusatória, descabendo se cogitar em mutatio libelli, a qual, como sabido, é vedada no âmbito do segundo grau de jurisdição - Súmula 453 do STF2 . Nada impede, no entanto, a emendatio libelli, máxime considerando que a pena não será agravada. Ainda em apreço a isso, reitere-se que a denúncia descreveu que, além de se tratar de mercadorias proibidas no país, os agrotóxicos são produtos tóxicos e perigosos ao meio ambiente, podendo, inclusive, acarretar em danos à saúde humana, o que encontrou perfeita sintonia na prova pericial (evento 3.2 – fls. 26/36). De resto, em se tratando de agricultor por diversos anos, evidente que o réu sabia se tratar as mercadorias de produtos tóxicos e proibidos.

Noutra medida, tampouco merece acolhimento a pretensão objetivando o reconhecimento do princípio da insignificância. No ponto, advirta-se que, conforme já decidiu o Superior Tribunal de Justiça, o art. 56 da Lei 9.605/1998 descreve crime ambiental formal de perigo abstrato, ante a presunção absoluta do legislador de perigo na realização da conduta típica e a prescindibilidade de resultado naturalístico, e pluridimensional, pois, além de proteger o meio ambiente em si, tutela diretamente a saúde pública, haja vista a periclitância de seus objetos, altamente nocivos e prejudiciais, com alta capacidade ofensiva. Não há falar, portanto, em ausência de periculosidade social da ação, porquanto lhe é inerente (RHC n. 64.039/RS, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 24/5/2016, DJe de 3/6/2016). Ainda incrementando a censurabilidade do evento, relembre-se que o acusado possuía agrotóxico considerado altamente tóxico.

Ocorre que, o delito previsto no art. 56, da Lei nº 9.605/98, se trata de norma penal em branco, sendo necessário que a denúncia mencione a referida norma reguladora, o que não constou na denúncia e tampouco houve aditamento.

Nesse sentido precedentes do Superior Tribunal de Justiça e desta Corte Estadual:

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL PENAL. ART. 56, CAPUT, DA LEI N. 9.605/1998. NORMA PENAL EM BRANCO. INDICAÇÃO. REGULAMENTO INFRINGIDO. NECESSIDADE. CONDENAÇÃO POR DESRESPEITO A REGULAMENTO DIVERSO DAQUELE INDICADO NA DENÚNCIA. CONDUTA NÃO DESCRITA NA EXORDIAL. MUTATIO LIBELLI. OCORRÊNCIA. PRINCÍPIO DA CONGRUÊNCIA. OFENSA CARACTERIZADA. SENTENÇA CONDENATÓRIA. ANULAÇÃO...

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