Acórdão nº 50003394320208210152 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Nona Câmara Cível, 09-12-2022

Data de Julgamento09 Dezembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50003394320208210152
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoDécima Nona Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003091213
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

19ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5000339-43.2020.8.21.0152/RS

TIPO DE AÇÃO: Usucapião Extraordinária

RELATORA: Desembargadora MYLENE MARIA MICHEL

APELANTE: MARIZETE MOREIRA BORGES (AUTOR)

APELANTE: VALDOCIR JOSE VAZ (AUTOR)

APELADO: ELIANE MARIA VAZ (RÉU)

RELATÓRIO

Trata-se de Apelação Cível interposta por MARIZETE MOREIRA BORGES e VALDOCIR JOSE VAZ contra sentença de improcedência proferida nos autos da Ação de Usucapião Especial Rural que ajuizaram em face de ELIANE MARIA VAZ, conforme dispositivo abaixo transcrito (evento 105 da origem):

Em face do exposto, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos formulados por VALDOCIR JOSE VAZ e MARIZETE MOREIRA BORGES em face de ELIANE MARIA VAZ, na forma do art. 487, I, do CPC, nos termos da fundamentação.

Sucumbente, a parte autora arcará com as custas processuais e honorários advocatícios fixados em R$ 2.000,00 (dois mil reais), tudo com base no artigo 85, parágrafo 8º, do Código de Processo Civil, considerando o trabalho despendido e a complexidade do feito.

Suspensa a exigibilidade em virtude da AJG deferida no Evento 10, DESPADEC1.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Caso seja interposto Recurso de Apelação, intime-se a parte apelada para apresentação das contrarrazões, na forma do artigo 1.010, §1º, do CPC/2015. Após, remetam-se os autos ao E. TJRS, nos termos do artigo 1.010, § 3º do CPC/2015.

Opostos embargos de declaração pelos apelantes, foram desacolhidos após o oferecimento de contrarrazões (eventos 119, 125 e 129 da origem).

Nas razões recursais (evento 137 da origem), os apelantes afirmam que não houve instituição de usufruto vitalício sobre o imóvel usucapiendo em seu favor. Asseveram que o bem pertencia a JOÃO RIBAS FILHO e GRACI RIBAS, tendo sido transferido posteriormente para a apelada por intermédio de escritura pública em 14/10/1996, no ato representada por seu genitor, ora apelante. Defende que, "em contrariedade com as provas dos autos e a literalidade da lei, partiu o magistrado de Primeiro Grau de uma premissa falsa que seria a transferência do bem em favor da apelada 'com reserva de usufruto vitalício'". Asseveram que, afora o suposto usufruto vitalício, todos os demais requisitos necessários à declaração da propriedade estão presentes no caso em apreço. Sustentam que a apelada nunca exerceu a posse direita ou indireta sobre o imóvel, conforme sentença proferida nos autos da ação de reintegração de posse que propôs em face dos apelantes, "pois nunca 'autorizou' ou 'permitiu' através de institutos jurídicos (cessão, locação, arrendamento, etc) o uso do imóvel rural pelos apelantes ou terceiros, ao contrário, sempre reconheceu os mesmos como proprietários". Argumentam que, diversamente do exposto na sentença "o apelante reiterou que comprou a terra junto com seu pai e que, por conveniência diante da situação crítica de saúde que vivia, é que a mesma foi registrada em nome da apelada, apenas isso". Afirmam que a apelada nunca residiu no imóvel usucapiendo, pois passou a residir em Chapecó/SC, juntamente com a sua genitora, após a separação do casal. Aduzem que, de acordo com a apelada, o imóvel era administrado e arrendado pelos apelantes, que inclusive ficavam com a totalidade dos valores auferidos. Referem que a própria apelante afirmou desconhecer o motivo pelo qual o imóvel havia sido registrado em seu nome e que esperava recebê-lo pelo fato de haver dispensado cuidados ao seu genitor, ora apelante. Nesse cenário, sustentam que "A apelada, portanto, reconhece o animus domini dos apelantes e não o contrário". Tece considerações sobre os depoimentos das testemunhas ouvidas durante a instrução processual. Por fim, discorrem sobre o preenchimento dos requisitos necessários à declaração da propriedade pela usucapião previstos nos arts. 1.238 e 1.239 do CC. Requerem o provimento do recurso.

A apelada apresentou contrarrazões (evento 140 da origem). Inicialmente, afirma que o recurso de apelação é protelatório, devendo os apelantes ser punidos com a aplicação de multa por litigância de má-fé. Defende a manutenção da sentença de improcedência da ação, transcrevendo integralmente a fundamentação do decisum hostilizado. Assevera que a sentença "determinou que a propriedade registral e real é da apelada, mas pelo fato de ser uma questão familiar manteve em prol do pai o direito de usufruto vitalício". Argumenta que "as terras constam em nome da apelada desde a data de 05/03/1997, portanto há 23 anos, então se fosse uma questão de doença como diz relatar o apelante em suas alegações, esse não teria aguardado todo esse tempo para reclamar pela propriedade das terras" e que "se fosse em razão da doença como quiser o apelante trazer em seus argumentos, aquele teria escriturado a terra em seu nome tão logo havia melhorado do 'suposto risco de morte'". Sustenta que apelante VALDOCIR, seu genitor, lhe doou o imóvel usucapiendo ao registrá-lo em seu nome, e que somente após de se desfazer do seu patrimônio tenta reavê-lo. Pondera que "se a realidade dos fatos fosse a versão apresentada pelo apelante, esse não teria ficado 23 anos sem reivindicar que a filha lhe transferisse as terras para seu nome, afinal aquele não ficou na eminencia da morte por todo esse período, como usa de argumento para ser o motivo de ter escriturado as terras em nome da apelada". Nesse cenário, sustenta que os apelantes não exerceram posse ad usucapionem sobre o imóvel, já a mesma é fruto de usufruto vitalício. Afirma que o apelante VALDOCIR sempre teve conhecimento de que o imóvel era de sua propriedade, já que foi ele próprio que, no pleno gozo das suas faculdades mentais, determinou que a escritura de compra e venda fosse outorgada em seu favor. Aduz que o prazo decadencial para pleitear a anulação da escritura pública já transcorreu na íntegra. Discorre sobre os depoimentos das testemunhas ouvidas ao longo da instrução processual. Requer o desprovimento do recurso com a condenação dos apelantes ao pagamento de multa por litigância de má-fé.

Remetidos os autos a esta Egrégia Corte, o recurso foi distribuído.

Nesta instância recursal o Ministério Público opinou pelo conhecimento e desprovimento do recurso.

Vieram conclusos para julgamento.

É o relatório.

VOTO

Eminentes Colegas

Conheço do recurso, porquanto preenchidos os requisitos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade aplicáveis à espécie.

Cuida-se de Ação de Usucapião Especial Rural proposta por MARIZETE MOREIRA BORGES e VALDOCIR JOSE VAZ, ora apelantes, em face de ELIANE MARIA VAZ, ora apelada, tendo por objeto o imóvel registrado sob a matrícula nº 38.126 do Registro de Imóveis da Comarca de Erechim, ou seja, uma fração de terras com área superficial equivalente a 89.666,00m² (0,89ha).

A apelada apresentou contestação (evento 40 da origem).

Conforme relatório supra, a sentença julgou improcedentes o pedido formulados pelos apelantes.

Cinge-se a controvérsia recursal em verificar o preenchimento dos requisitos necessários à declaração do direito de propriedade pela usucapião especial rural.

Sem preliminares a apreciar, passo diretamente ao exame do mérito recursal.

1. Usucapião Especial Rural:

Conforme dicção do art. 1.241 do CC, é possível a declaração do direito de propriedade pela usucapião:

Art. 1.241. Poderá o possuidor requerer ao juiz seja declarada adquirida, mediante usucapião, a propriedade imóvel.
Parágrafo único. A declaração obtida na forma deste artigo constituirá título hábil para o registro no Cartório de Registro de Imóveis.

Como ensina Cristiano Chaves de Farias1:

A usucapião é modo originário de aquisição da propriedade e de outros direitos reais pela posse prolongada da coisa, acrescida de demais requisitos legais. O art. 1.238 do Código Civil reafirma a usucapião como modo de aquisição de propriedade imobiliária. Seja qual for o gênero adotado, o termo usucapião é oriundo do latim usu capio, ou seja, tomar a coisa pelo uso.

Dentre as diversas espécies de usucapião, o art. 191 da CF/88 possibilita a declaração da propriedade sobre imóvel rural com área não superior a 50ha, por aquele que torná-la produtiva, explorando-a, e nela estabelecer a sua residência por 05 anos ininterruptos:

Art. 191. Aquele que, não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano, possua como seu, por cinco anos ininterruptos, sem oposição, área de terra, em zona rural, não superior a cinqüenta hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua família, tendo nela sua moradia, adquirir-lhe-á a propriedade.
Parágrafo único. Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião.

Igual direito foi previsto no art. 1.239 do CC:

Art. 1.239. Aquele que, não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano, possua como sua, por cinco anos ininterruptos, sem oposição, área de terra em zona rural não superior a cinqüenta hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua família, tendo nela sua moradia, adquirir-lhe-á a propriedade.

Sobre o instituto em comento, transcrevo o escólio doutrinário de Flávio Tartuce2:

Em relação aos seus requisitos, podem ser destacados os seguintes:

  • A área não pode ser superior a 50 hectares (50ha), e deve estar localizada na zona rural.
  • A posse deve ter cinco anos ininterruptos, sem oposição e com animus domini.
  • O imóvel deve ser utilizado para a subsistência ou trabalho (pro labore), podendo ser na agricultura, na pecuária, no extrativismo ou em atividade similar. O fator essencial é que a pessoa ou a família esteja tornando produtiva a terra, por força do seu trabalho.
  • Aquele que pretende adquirir por usucapião não pode ser proprietário de outro imóvel, seja ele rutal ou urbano.

Avultam evidentes a tutela à função social da propriedade e a proteção do homem do campo que...

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