Acórdão nº 50003397020208210046 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Segunda Câmara Cível, 28-04-2022

Data de Julgamento28 Abril 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50003397020208210046
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoDécima Segunda Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002037752
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

12ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5000339-70.2020.8.21.0046/RS

TIPO DE AÇÃO: Acidente de trânsito

RELATOR: Desembargador PEDRO LUIZ POZZA

APELANTE: FRANTHYESCA KLEINSCHMITT DA SILVA (AUTOR)

APELADO: DIEGO BANDEIRA (RÉU)

RELATÓRIO

Adoto o relatório da sentença, da lavra do Dr. Daniel da Silva Luz (Evento 112):

Vistos.

FRANTHYESCA KLEIN SCHMITT DA SILVA, representada por sua guardiã ALEXANDRA DE FÁTIMA DA ROSA ajuizou ação pelo rito ordinário em face de DIEGO BANDEIRA, relatando que, em 23/03/2017, o veículo conduzido pelo requerido envolveu-se em um acidente de trânsito, causando a morte de sua genitora. Apontou que a culpa é do requerido, pois saiu da pista do lado direito e, quando retornou, invadiu a pista contrária, chocando-se com outro veículo e causando a morte da sua genitora, que estava na carona. Falou que tem direito à indenização por dano moral e material. Requereu a procedência dos pedidos. Juntou documentos (fls. 14/41).

Citado, o demandado apresentou contestação (fls. 54/58). Mencionou que não existe prova de sua culpa. Insurgiu-se quanto aos pedidos indenizatórios. Pugnou pela improcedência.

Houve réplica.

Intimadas sobre o interesse na produção de provas, a parte autora postulou a oitiva de testemunhas a requerida juntou documentos (Eventos 24 e 26).

Em decisão da fl. 60, foi afastada a preliminar de inépcia da inicial.

Durante a instrução, foram ouvidas as testemunhas a SIMONE FERREIRA DA SILVA e PAULO ROBERTO PASQUALOTO DA PAIXÃO (Evento 92).

As partes apresentaram memoriais (Eventos 100 e 104).

Os autos vieram-me conclusos.

É o relatório.

Sobreveio sentença de improcedência dos pedidos:

POR TODO O EXPOSTO, julgo IMPROCEDENTES os pedidos.

Condeno a parte demandante ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, que fixo em 10% sobre o valor atualizado da causa, de acordo com as moduladoras do art. 85, § 2º, do Código de Processo Civil, máxime pelo trabalho desenvolvido. Suspendo, todavia, a exigibilidade de tais encargos, ante a AJG concedida à fl. 46.

Publique-se.

Registre-se.

Intimem-se.

Transitada em julgado, arquive-se com baixa.

Inconformada, apelou a parte autora, sustentando que a dinâmica do acidente demonstra a culpa grave do réu, que perdeu o controle do veículo, conforme ele mesmo reconhece, sem qualquer razão aparente, concluindo-se que trafegava em excesso de velocidade.

Pede o provimento do recurso, com o julgamento de procedência dos pedidos.

Foram ofertadas contrarrazões.

Os autos foram remetidos a este Tribunal, sendo a mim distribuídos.

É o relatório.

VOTO

Colegas, a sentença comporta reformas.

A vítima do acidente fatal de que tratam os autos estava sendo transportada como caroneira no veículo do réu, conforme relato contido nas razões de apelo, não havendo controvérsia em relação a isso.

E nos casos de transporte de cortesia (carona), o condutor só será responsabilizado civilmente se houver agido com dolo ou culpa grave na causação do acidente, conforme Súmula nº 145 do STJ1.

E no caso em exame, a celeuma gira em torno da ocorrência ou não da culpa grave do réu para o lamentável desfecho, que foi a morte da mãe da infante, autora desta ação.

Ao contrário da conclusão a que chegou o digno sentenciante, entendo que o demandado agiu com grave imperícia, devendo responder pelos danos sofridos pela demandante.

Em sua defesa, ele mesmo relata ter perdido o controle do veículo e saído da pista, ocasião em que, tentando retornar, acabou invadindo o lado oposto, culminado no choque com um veículo que transitava em sentido contrário, causando forte impacto, que ocasionou a morte da caroneira.

No intuito de corroborar sua tese, afirma que a via apresentava decline acentuado, colacionando fotografias no Evento 26.

De tais fotos, não é possível concluir que a causa do acidente tenha sido a diferença de altura entre a pista e o acostamento, pois a perda de controle ocorreu sobre a pista de rolamento, a qual se encontra em condições normais de trafegabilidade.

Se em razão da perda de controle o autor "caiu" para o acostamento, tal ocorreu, certamente, por excesso de velocidade, o que configura grave imperícia.

Nesse sentido, trago o parecer do Ministério Público, da lavra do insigne Procurador de Justiça. Dr. Luiz Inácio Vigil Neto, fazendo-o parte integrante do voto:

[...]

No caso ora em exame, o Boletim de Acidente de Trânsito acostado aos autos demonstrou inequivocamente que o réu perdeu totalmente o controle sobre o veículo que estava conduzindo, ocasião em que invadiu a pista contrária e colidiu contra outro veículo, após interceptar-lhe a trajetória.

Assim constou expressamente no documento lavrado pela autoridade policial: “Conforme averiguações realizadas no local do acidente, em Fontoura Xavier, no km 273,5 da BR-386, constatamos por meio da análise dos vestígios deixados no local e nos veículos, que o condutor de V1, VW/Gol Special, placas IIZ-3747, transitava no sentido interior-capital, quando perdeu o controle do veículo e saiu com parte deste da pista, pelo lado direito. Logo depois, na tentativa de retornar para a pista, invadiu a faixa contrária, cortando a frente do condutor de V2, Renault/Clio PRI 16 16VS, placas IMB6001, que vinha no sentido capital-interior. O motorista de V2 ainda freou o seu veículo, mas não conseguiu evitar o choque, colidindo com a frente do automóvel na lateral direita de V1”.

Ademais, também se extrai do Boletim de Acidente de Trânsito que por ocasião do infortúnio o dia estava com céu claro, com estrutura viária reta, pavimento asfáltico, pista seca e sinalizada, de modo que não havia qualquer razão justificável para a súbita perda do controle do veículo e posterior invasão da pista contrária, na contramão, salvo mediante grave culpa do condutor.

Cumpre ressaltar que o boletim de ocorrência elaborado pela autoridade policial goza de presunção de veracidade, podendo, contudo, ser infirmado por prova em contrário.

Nesse sentido:

APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL EM ACIDENTE DE TRÂNSITO. AÇÃO INDENIZATÓRIA. RESPONSABILIDADE SUBJETIVA. NECESSÁRIA A PROVA DO ATO, DO DANO, DO NEXO CAUSAL E DA CULPA PELO ACIDENTE. O BOLETIM DE OCORRÊNCIA LAVRADO PELA AUTORIDADE POLICIAL, COM BASE NA ALEGAÇÃO DE CULPA DO RÉU NO SINISTRO, GOZA DE PRESUNÇÃO DE VERACIDADE DOS FATOS NELE NARRADOS, CABENDO À PARTE INTERESSADA AFASTAR TAL PRESUNÇÃO. CONFIGURADA A RESPONSABILIDADE DOS RÉUS PELA OCORRÊNCIA DO ACIDENTE. DANO MORAL CONFIGURADO. MORTE DO PAI DA AUTORA. QUANTUM INDENIZATÓRIO MANTIDO. JUROS DE MORA A CONTAR DO EVENTO DANOSO, NOS TERMOS DA SÚMULA 54, DO STJ. DISPOSIÇÃO DE OFÍCIO. PENSIONAMENTO. DEPENDÊNCIA PRESUMIDA. O VALOR DE PENSÃO DEVE TER POR BASE O SALÁRIO MÍNIMO NACIONAL VIGENTE À ÉPOCA DO SINISTRO, POIS NÃO FOI COLACIONADA AOS AUTOS QUALQUER DOCUMENTAÇÃO REFERENTE À REMUNERAÇÃO DO FALECIDO, DEDUZIDA A PARCELA DE 1/3 REFERENTE AOS GASTOS E DESPESAS PESSOAIS. GRATIFICAÇÃO NATALINA (13º SALÁRIO) AFASTADA. AUSÊNCIA DE POSTULAÇÃO NA INICIAL. JULGAMENTO ULTRA PETITA. VALOR DA APÓLICE. EVIDENTE QUE DEVEM SER OBSERVADOS EVENTUAIS VALORES JÁ DESPENDIDOS PELA SEGURADORA RELATIVAMENTE AO CONTRATO DE SEGURO FIRMADO COM A DENUNCIANTE. JUROS DE MORA SOBRE O VALOR DA APÓLICE. IMPOSSIBILIDADE DE INCIDÊNCIA NESTA FASE PROCESSUAL. HIPÓTESE EM QUE A SEGURADORA NÃO OFERECEU RESISTÊNCIA. À UNANIMIDADE, DERAM PARCIAL PROVIMENTO AOS RECURSOS. (Apelação Cível Nº 70064528557, Décima Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Katia Elenise Oliveira da Silva, Julgado em 27/05/2015)

APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL EM ACIDENTE DE TRÂNSITO. MOTOCICLETAS. ABALROAMENTO. RECONVENÇÃO. O Boletim de Ocorrência, lavrado pela autoridade policial com base nas informações obtidas in loco, possui presunção de veracidade dos fatos nele contidos, exigindo, para o seu afastamento, prova em sentido contrário. Conjunto probatório que, além de não dar suporte à tese da invasão de preferencial defendida pelo autor, autoriza concluir que foi o demandante que deixou de tomar os cuidados indispensáveis à segurança do trânsito, sendo, com sua conduta imprudente, o causador do acidente. Danos materiais relacionados ao conserto da motocicleta do reconvinte comprovados e não impugnados. APELAÇÃO DESPROVIDA. (Apelação Cível Nº 70059717868, Décima Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz Roberto Imperatore de Assis Brasil, Julgado em 11/02/2015).

No caso em tela, contudo, inexiste qualquer prova capaz de infirmar os termos em que fora lançado o Boletim de Acidente de Trânsito elaborado pela Polícia Rodoviária Federal (Evento 10), assim prevalecendo a presunção de veracidade de todas as informações lá constantes.

Com efeito, o artigo 28 do Código de Trânsito Brasileiro determina expressamente que “o condutor deverá, a todo momento, ter domínio de seu veículo, dirigindo-o com atenção e cuidados indispensáveis à segurança do trânsito”.

Essa norma jurídica foi flagrantemente violada pelo réu, a partir de conduta inescusável à luz das condições meteorológicas e das características da via, daí decorrendo a caracterização de culpa grave que culminou com a morte instantânea da genitora da recorrente.

Cumpre destacar que em sua contestação o réu não negou que perdeu o controle do veículo, restringindo-se a atribuir às condições da pista a causa para o acidente.

No entanto, apesar de assim alegar, o réu não comprovou o indigitado defeito na pista, restringindo-se a juntar fotografias do trecho rodoviário obtidas três anos após o acidente, e apenas com ênfase ao acostamento (Evento 26). E ainda que tais imagens fossem contemporâneas ao acidente, não se identificou qualquer defeito na pista de rolamento...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT